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Reinaldo Azevedo

"Nomeio ministro até pela vida que tem junto à família do Silvio Santos"

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES: O deputado Fábio Faria e sua pai, Robinson, então vice-governador do Rio Grande do Norte, ao lado de Dilma, em abril de 2014. Robinson elegeu-se governador com o apoio da então presidente, que se reelegeu - Reprodução
MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES: O deputado Fábio Faria e sua pai, Robinson, então vice-governador do Rio Grande do Norte, ao lado de Dilma, em abril de 2014. Robinson elegeu-se governador com o apoio da então presidente, que se reelegeu Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/06/2020 09h06

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Jair Bolsonaro resolveu recriar o Ministério das Comunicações, que se separa do de Ciência e Tecnologia, comandado por Marcos Pontes, que está, literalmente, no mundo da Lua desde que pisou em Brasília. Quem vai chefiar a pasta recriada é o deputado Fábio Faria (PSD-RN), genro de Silvio Santos. Sim, pertence ao partido de Gilberto Kassab, mas tanto o presidente como a legenda dizem tratar-se de indicação pessoal. Sei.

De cargo em cargo, o partido de Kassab ainda vai se tornar o não governista mais governista da história. Afinal, a legenda tem a presidência da Funasa, cujo chefe é o ex-comandante da PM Giovanne Gomes da Silva. Carlos Roberto Fortner, ex-presidente dos Correios, foi nomeado para o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. Nada mal para quem não está na base, né?

Faria vai pegar um ministério vitaminado: além dos Correios e da Telebras, herdará a Secom (Secretaria de Comunicação), hoje a cargo de outro Fábio, o Wajngarten, que passa a ser secretário-executivo da nova pasta. Uma nota: o atual chefe da Secom sobe em vez de cair. Hoje, ele já é subordinado a outro ministro: Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Mas se move com desenvoltura absoluta, em contado direto com o presidente.

Como secretário-executivo da nova pasta, Wajngarten vai lidar, como se vê, com uma gama maior de assuntos. Também a EBC passa para o novo ministério, que vai definir ainda as políticas públicas dos serviços de telecomunicações (telefonia fixa, móvel e internet) e de radiodifusão (concessão de rádios e TVs).

É coisa que não acaba mais. Wajngarten é da turma do choque e do conflito. A sua relação com os veículos de comunicação de que não gosta é tão belicosa como a de Bolsonaro. O estilo de Faria é outro. Tem bom trânsito junto às várias bancadas e prefere a conversa em vez do confronto. Até agora ao menos. A nova pasta terá muitos cargos a distribuir.

POR CAUSA DO SILVIO SANTOS
Estamos vivendo dias invulgares. Por que digo isso? Faria é, sim, um dos interlocutores mais próximos de Bolsonaro e é casado com Patrícia Abravanel, apresentadora do SBT e uma das filhas de Silvio Santos, dono da emissora que receberá um naco da verba de propaganda oficial.

Ao justificar a escolha, o próprio presidente afirmou:
"Vamos ter alguém que, ele não é profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos. A intenção é essa, é utilizar e botar o ministério pra funcionar nessa área que estamos devendo há muito tempo uma melhor informação".

Como de hábito, nem tudo na fala faz sentido. No que faz, convenham, haveria, numa República convencional, mais motivos para não nomear do que para nomear, uma vez que se abre uma avenida para especulações. Será a pasta do marido de uma das herdeiras do grupo a cuidar da distribuição da verba de publicidade oficial.

É bem verdade que se pode intuir que pior do que está não há como ficar. Vamos ver. Exceção feita a alguns poucos veículos ou comunicadores escolhidos por Wajngarten, a relação de Bolsonaro com a mídia é desastrosa. O presidente já deu mostras de que faz o que quer, como quer. Caso cisme com alguma coisa, não há que o demova. E já deu para perceber que Wajngarten não sabe ser bombeiro. Ele é mais ágil como incendiário.

Sempre falando aquela língua de anacolutos, que obriga o outro a deduzir sentidos, Bolsonaro negou em conversa com apoiadores que esteja contemplando o Centrão com o superministério de Faria:
"Nós não temos nada. Pessoal tá atacando, "centrão"... Eu nem lembro qual o partido dele. É um deputado federal. Que tem um bom relacionamento com todos. Ele entrou em contato ali com várias lideranças partidárias. Foi decidido agora. Tanto é que ninguém ficou sabendo. Não teve acordo com ninguém. A aceitação foi excepcional, uma pessoa que sabe se relacionar, e acho que vai dar conta do recado".

CONVERSA MOLE
Obviamente, é conversa mole. Insisto: vejam o tamanho do ministério. Há muitos cargos a distribuir e muita costura a fazer. Tudo isso que ficará sob o guarda-chuva de Faria tem potencial para conquistar alguns pares de parlamentares. Por que não?

A relação especial com Silvio Santos e sua emissora, segundo declarações do presidente, já se dá no ato da indicação, não é mesmo? Só para efeitos de pensamento: já imaginaram um adversário de Bolsonaro — João Doria, por exemplo — a nomear o familiar de um Marinho para um cargo com essa importância? Entrevistado, o governador de São Paulo diria que o fez justamente por isso... A coisa pegaria fogo nas hostes bolsonaristas.

Tudo é bem heterodoxo, né? Entregue a um político, essa estrutura toda tende a se traduzida em apoios, embora o presidente negue o óbvio: a distribuição de cargos para o Centrão. Já são quase 350 os entregues. Ainda há perto de 500 para negociar. Faria foi quem ficou com o maior prêmio até agora. E tem potencial para multiplicar apoios.

ENIGMA KASSAB
Embora Faria tenha seu próprio espaço na política, o fato é que pertence ao PSD, cujo presidente é Kassab. O partido emplaca alguns cargões no governo federal -- sempre na cota do presidente... --, embora o chefe da legenda esteja ainda na condição se secretário afastado de Doria, um dos dois adversários que Bolsonaro tinha entre os governadores. O outro, Witzel, já está liquidado. Otto Alencar (BA), líder do PSD no Senado, faz oposição clara a Bolsonaro

E tudo sem muito alarde.

Até porque, na campanha eleitoral, Bolsonaro, irascível, fazia juízos muito severos sobre alianças e distribuição de cargos, como se vê no vídeo abaixo:

Não vejo mal nenhum que se governe com partidos. A questão é saber com que propósito.