Lembram-se do "genocídio" que Mendes acusou? Agora não há nota, militares?
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, fez o alerta: o Exército estava se associando — e notem que ele evitou a palavra "promovendo" — a um genocídio no país. O contexto sugeria ali que apelava a uma hipérbole, embora eu já tenha demonstrado aqui que isso nem se fazia necessário segundo o sentido que tem a palavra "genocídio" no Tribunal Penal Internacional, no dicionário Houaiss, na Lei 2.889 ou mesmo no Código Penal Militar.
Alguns "genocidiólogos" resolveram contestar Mendes em razão do suposto mau uso da palavra, preservando, na prática, o Ministério da Saúde e sua política que, a esta altura, pode ser chamada de conscientemente homicida. Como as consequências da negligência e das escolhas deliberadamente erradas implicam morticínio em massa, então se pode apelar de novo ao TPI, ao dicionário, ao Código Penal Militar e à Lei 2.889 para falar em "genocídio" — e agora sem hipérbole.
Zangados, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os três comandantes militares emitiram uma nota de protesto. Azevedo e Silva entrou com uma representação conta o magistrado na Procuradoria Geral da República com base na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal Militar. O ridículo, por definição, não tem autocrítica.
Será que Mendes estava mais certo do que ele próprio imaginava? Vamos ver. Atenção! Os fatos demonstram que o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, não tem de ser apenas demitido do Ministério. Precisa também pagar pelas escolhas que fez. Os seus despropósitos estão documentados.
ALERTA SOBRE DISTANCIAMENTO
Ata da reunião do Comitê de Operações de Emergência do Ministério da Saúde ocorrida no dia 25 de maio, a que o Estadão teve acesso, evidencia que o ministro recebeu alguns alertas importantes dos técnicos da pasta. Disseram a ele que:
- "Toda pesquisa leva a acreditar que o distanciamento social é favorável para a população e o retorno da economia mais rápido [caso ele seja realizado]";
- "medidas sociais drásticas dão resultados positivos";
- "sem intervenção, esgotamos UTIs, os picos vão aumentar descontroladamente, levando insegurança à população, que vai se recolher mesmo com tudo funcionando, o que geraria um desgaste maior ou igual ao isolamento na economia";
- "sem isolamento, será necessário um tempo muito grande, de um a dois anos, para controlarmos a situação".
Pazzuelo ignorou. Foi além de dar de ombros para a advertência. No dia 18 de junho, ele assinou a Portaria 1.565 que detalha 49 orientações aos brasileiros, divididas em 8 grupos. O distanciamento é um mero detalhe — se e quando for possível.
O objetivo do documento está expressado no Artigo 1º e promove, na verdade, o convívio social. A íntegra está aqui. Lá está escrito:
"Esta Portaria estabelece, na forma do Anexo, orientações gerais visando à prevenção, ao controle e à mitigação da transmissão da COVID-19, e à promoção da saúde física e mental da população brasileira, de forma a contribuir com as ações para a retomada segura das atividades e o convívio social seguro, na esfera local."
Ouvido a respeito nesta quinta, Pazuello se limitou a dizer que as cidades e os estados é que tomam decisões sobre distanciamento, eximindo o Ministério de qualquer responsabilidade e fingindo ignorar que o governo federal atuou contra o distanciamento, embora alertado sobre os desdobramentos trágicos que poderiam advir de tal decisão. Notem: em nenhum momento o Supremo livrou a União da obrigação de formular políticas públicas de proteção à Saúde. Até porque se trata de um direito dos brasileiros duas vezes assegurado pela Constituição: Artigos 6º e 196.
REMÉDIOS
Há coisa tão ou mais grave. O governo vem sendo alertado desde maio, mês em que Pazuello assumiu a pasta, para a falta de medicamentos, muito especialmente o anestésico necessário para a intubação de doentes. Demorou mais de um mês até que se associasse a Estados e cidades para adquirir os remédios. Até agora, o abastecimento não está normalizado.
Ah, mas com a cloroquina, é diferente. Virou uma prioridade da pasta. Informa o Estadão:
Os registros de avisos ao ministério sobre desabastecimento de medicamentos para pacientes graves e sobras de cloroquina foram feitos à Saúde por membros do Centro de Operações de Emergência (COE), de maio a julho, conforme atas de reuniões obtidas pelo Estadão. Mais de 4 milhões de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina estavam estocados no ministério e outros 4,37 milhões haviam sido distribuídos até 3 de julho, segundo documento do comitê. A ata ainda informa que todos os municípios tinham cloroquina e a pasta estava "aguardando maiores definições" para recolher ou não cerca de 1,45 milhão de doses que governadores queriam devolver. Procurado, o Ministério da Saúde não informou à reportagem que Estados eventualmente recusaram a cloroquina enviada. O órgão também não confirmou o estoque atual da droga.
OS 30%
Como já se noticiou aqui -- e agora é o próprio TCU a demonstrá-lo --, de março a junho, a Saúde havia desembolsado apenas 30% da verba destinada ao combate ao coronavírus. Segundo os números do TCU, de R$ 38,97 bilhões reservados à pasta em ação do Orçamento sobre pandemia, foram pagos R$ 11,48 bilhões até 25 de junho. Depois da crítica de Mendes, ora vejam!, a pasta liberou num único dia, 15 de julho, R$ 4,977 bilhões.
CONCLUO
Eis aí. À frente da Saúde, temos um ministro que não apenas ignora as severas consequências advindas do não-distanciamento como faz o contrário: promove e recomenda o convívio social. Alertado sobre a falta de remédios essenciais para enfrentar a doença, queda-se inerme, preferindo garantir o abastecimento da inócua -- para o vírus -- e perigosa -- para os pacientes -- cloroquina. Como se fosse pouco, os recursos para combater a doença estavam e estão represados. Isso tudo, tendo acontecido assim, é crime.
Segundo Bolsonaro, Pazuello é um predestinado. A quê?
Ah, sim: os militares estão muito bravos com Gilmar Mendes. É mesmo?
Fernando Azevedo e Silva e os comandantes militares não vão emitir nenhuma nota desta vez?
O titular da Defesa queria que Mendes lhe pedisse desculpas. Creio que é o caso de ele se desculpar com Mendes e com o conjunto dos brasileiros.