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Reinaldo Azevedo

Que Fantástico ressuscite Mister M para revelar onde Fachin esconde a moral

Divulgação; Reprodução
Imagem: Divulgação; Reprodução

Colunista do UOL

15/09/2020 05h29

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Edson Fachin, ministro do Supremo, resolveu fazer alguns acenos para as esquerdas para ver se consegue, perdoem-me o trocadilho, lavar o seu lavajatismo, que serve à extrema direita. E este texto, lamento ter de escrever assim, desmonta a farsa.

Há dois Fachins. Um deles posa de herói dos humildes e se põe na condição de santo guerreiro contra a corrupção sob o argumento de que isso torna, por assim dizer, mais justa a... justiça. É, em suma, um justiceiro com assessoria de imagem.

Fachin é a toga armada da Lava Jato. Ele fez um relatório sobre os feitos da operação e os seus próprios como se não estivesse obrigado a ouvir com igual interesse acusação e defesa. Não! A exemplo de Sergio Moro, nos tempos em que era um juiz político — não o político que se quer juiz universal de hoje (ao menos para alguns parvos...) —, Fachin não tem receio nenhum de falar como magistrado de acusação, de se comportar como magistrado de acusação, de votar como magistrado de acusação.

Para evidenciar que é um homem que se preocupa com os humildes, Fachin lembrou em seu documento em favor da Lava Jato que, dados os 800 mil presos que há no país, sabe-se a escolaridade de apenas 35%. Desses, "99% possuem até o ensino médio incompleto, sendo expressiva a quantidade de analfabetos e aqueles somente com nível fundamental".

Escreveu mais:
"As pessoas presas de cor preta e parda totalizam 63,6% da população carcerária nacional, consoante com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2017".

Assim, os defensores da Lava Jato seriam essas pessoas preocupadas com os pobres e com as injustiças — inclusive o próprio ministro. E os críticos da operação, então, o contrário. Será mesmo?

Vamos ver como o ministro trata os pobres de tão pretos e pretos de tão pobres quando lhe é dado julgar o seu destino. Os casos são extraídos do site do próprio STF.

Cada para 1g de maconha
A Segunda Turma, em sessão virtual, anulou a condenação por tráfico de drogas imposta a uma mulher flagrada com 1g de maconha. Por maioria, o colegiado concedeu o habeas corpus127.573, seguindo o voto do relator, Gilmar Mendes, que entendeu aplicável ao caso o princípio da insignificância, pois a conduta descrita nos autos não é capaz de lesionar ou colocar em perigo a paz social, a segurança ou a saúde pública.

Seu voto foi seguido pelos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Edson Fachin votou contra. Vale dizer: a cadeia está lotada de pobres em razão de votos como o do próprio Fachin. Foi seguido pela ministra Cármen Lúcia, é claro, outra lavajatista e punitivista sem freios.

Nem peixe ele tinha
Há o caso do homem que foi flagrado, de fato, em local de pesca proibida em Santa Catarina. Havia tido condenação confirmada pelo STJ. O caso chegou ao Supremo. O relator foi o ministro Ricardo Lewandowski. Trata-se do habeas corpus 181.235. Observou o relator:
"No presente caso, o paciente nem sequer estava praticando a pesca e não trazia consigo nenhum peixe ou crustáceo de qualquer espécie, quanto mais aquelas que se encontravam protegidas pelo período de defeso."

Nota: a pessoa em questão é considerada hipossuficiente. O julgamento é recente: deu-se entre os dias 22 e 28 de maio. Lewandowski lembrou:
"Dessa forma, os fatos narrados nestes autos mais se assemelham com o entendimento proferido pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal na análise do Inq 3.788/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, onde o colegiado aplicou o princípio da insignificância em favor do então deputado federal e atual presidente da República, Jair Messias"

Quem votou contra — e, pois, em favor da condenação de um pobre, considerado hipossuficiente, que foi flagrado em área ilegal de pesca, mas sem portar um miserável peixe? Sim, o rei do punitivismo: Fachin.

Réu primário rouba uma blusa de frio
Um réu primário roubou uma blusa de frio no valor de R$ 99. A Justiça de primeiro grau havia aplicado o princípio da insignificância. A de segundo, em Minas, optou pela condenação, sentença mantida pelo STJ. O caso foi parar no Supremo, habeas corpus 366.669, de que foi relator o próprio Fachin.

E o que fez o ministro que ganha mimos do Fantástico porque afirma, em tom crítico, que a cadeia está cheia de pobres e analfabetos? Ora, ele votou contra a concessão de HC. Felizmente foi voto único e vencido na Segunda Turma.

Fachin tentou aplicar um vaporetto no seu lavajatismo doidivanas fazendo as vezes de ministro que está preocupado com o fato de que a cadeia está lotada de pobres. Se depender dele, assim vai continuar.

Luiz Fux revelou ser fã do compositor Michael Sullivan. Vai ver Fachin prefere Chico Roque e Carlos Colla da música "Meu disfarce". Lá está escrito: "Digo coisas que não faço/ faço coisas que não digo..."

Não é mesmo, grande moralista do Fantástico? Que tal ressuscitar o Mister M para que ele conte onde Fachin escondeu a tal moral nesse e em outros casos?