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Reinaldo Azevedo

Pesquisas erraram, sim, mas o feito democrata é maior do que dizem por aí

Chris Ridell
Imagem: Chris Ridell

Colunista do UOL

09/11/2020 05h48

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Vou aqui discordar do que ando lendo sobre a suposta resiliência da agenda reacionária, que Donald Trump representa. O fato de os institutos de pesquisa terem previsto uma vitória relativamente folgada para Joe Biden — e folgada não foi — tem servido para que muitos minimizem o feito democrata.

Sim, as pesquisas erraram e, se querem saber, acho difícil que voltem a acertar um dia. Enquanto as redes sociais forem o que são — e não há mudança significativa à vista —, e o sistema eleitoral americano o que é (e também isso não vai mudar), se e quando as pesquisas quase coincidirem com o resultado, será por acidente, não por método. É impossível estabelecer uma margem de erro segura quando se fazem 50 eleições presidenciais parciais, com os votantes podendo expressar sua vontade pelo correio ou presencialmente, mas enquanto a campanha está em curso, afogados pelas fake news da guerra virtual. Esqueçam! Será sempre chute.

Nesse sentido, longe de desmerecer a vitória democrata, louve-se o contrário. Ter conseguido enfrentar a máquina formidável de desinformação que Trump passou a manipular, comportando-se como um arruaceiro das redes sociais, é um feito notável de seus opositores. Considere-se:
1 - os democratas venceram mais uma vez no voto popular. Até agora 50,6% a 47,7%;
2 - obtiveram a vitória no colégio: tudo indica que por 306 votos a 232;
3 - o Partido Democrata venceu a eleição em 25 dos 50 Estados;
4 - os democratas manterão o controle da Câmara;
5 - haverá segundo turno para eleição de dois senadores na Geórgia. Se os partidários de Biden vencerem, empatam com os republicanos em 50 cadeiras, e o voto de desempate passa a ser de Kamala Harris, vice-presidente.

Enquanto escrevo, Biden tem uma vantagem de 4.361.895 votos. Parece pouco? Em apenas 11 dos 50 Estados esse número foi superado pela soma dos votos dois candidatos, num momento único de depredação das instituições promovido pelo próprio presidente da República.

Também os Estados Unidos passam por algo inédito: a máquina de propaganda comandada pelo chefe do Executivo promove teorias conspiratórias; incentiva o ressentimento de parcelas consideráveis da população contra as elites intelectuais e a imprensa; estimula conflitos raciais e açula o ataque às instituições — o que atingiu o paroxismo com a recusa de Trump em reconhecer a derrotada, acusando um suposto complô.

Mesmo com o desastre causado no país pelo coronavírus — e o presidente da República é, em grande parte, responsável por ele —, não era fácil triunfar sobre a desordem. Até porque, a exemplo do que faz Bolsonaro no Brasil, Trump resolveu ser um dos líderes mundiais do negacionismo, acusando os adversários de superestimar a doença e incentivando o comportamento de risco de amplas camadas da sociedade americana.

As eleições foram engolfadas ainda por conflitos de natureza racial, e, como se viu, da Casa Branca não partiu um apelo em favor da paz. Pelo contrário. Trump chamou supremacistas de "caras legais" e tentou responder ao racismo explícito com a truculência policial.

Perdeu! Sim, o presidente que está saindo deixa um caldo de ódio e confronto, que cobrará de Joe Biden uma resposta política. Se Trump não foi esmagado nas urnas, como seria do gosto de qualquer pessoa sensata quando diante de um irresponsável, o fato é que a governança por intermédio do confronto e do ataque às instituições mereceu o repúdio da maioria — que, desta feita ao menos, naquele sistema alucinado de eleição, corresponde à maioria do Colégio Eleitoral.

O bufão não teve uma segunda chance.

E assistimos ao formidável enterro de sua quimera.