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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com Queiroga, ninguém sente falta do general Pazuello. Nem os cemitérios!

Luana Araújo e Queiroga: ela foi indicada para a Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid, mas teve de deixar o cargo, acusada de excesso de seriedade e pensamento científico... - Tony Winston/MS
Luana Araújo e Queiroga: ela foi indicada para a Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid, mas teve de deixar o cargo, acusada de excesso de seriedade e pensamento científico... Imagem: Tony Winston/MS

Colunista do UOL

27/05/2021 06h09

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Eduardo Pazuello não faz falta no Ministério da Saúde — sim, claro!, seria o caso de indagar se sua ausência é sentida em algum lugar — porque tem um substituto que pode não estar à altura nos transes da ventura, mas que o iguala nos dons do pensamento. Ainda que um seja general, e o outro, médico.

Sustento que, a seu modo, Queiroga pode ser ligeiramente mais lastimável porque Pazuello, como viram, tem pouca imaginação e um vocabulário não muito extenso. Quando humilhado por Bolsonaro no caso da suspensão do protocolo para a compra da Coronavac, não lhe ocorreu dizer nada mais criativo do que "um manda, o outro obedece". Ali, ao menos, não mentiu, certo?

Queiroga gosta de emprestar à sua subserviência uma aparência de rigor técnico, o que torna a sabujice ainda mais asquerosa. O homem participou nesta quarta de uma audiência pública na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. Disse coisas assombrosas.

Sustentou, por exemplo, que Jair Bolsonaro fez tudo o que estava ao seu alcance para combater a doença, mas, sabem como é, os antecessores podem não ter colaborado muito. Disse:
"O nosso sistema de saúde, a despeito dos avanços que teve nas últimas três décadas, padecia de vicissitudes. Unidades hospitalares sucateadas, urgências lotadas, UTIs lotadas e filas de cirurgias para serem realizadas. Os resultados negativos decorrem das carências do nosso sistema de Saúde".

Huuummm... Não há dúvida de que elas existem. Por isso mesmo, tal sistema não poderia ser submetido a uma avalanche de doentes porque fatalmente seria levado ao colapso. E pode colapsar de novo. Que o modelo seja subfinanciado para os propósitos a que se destina, também é fato. Mas não é menos certo que, para que funcionasse como orquestra afinada, precisaria de uma montanha de recursos que inexiste.

Ora vejam... Queiroga pertence ao mesmo governo que tem Paulo Guedes como ministro da Economia. Aquele mesmo que, durante a pandemia, queria acabar com o mínimo constitucional previsto para a Saúde. Na sua fórmula mágica, dar-sei-ia um vaucher ao pobre, e este iria, se quisesse, ao Einstein. Deus do Céu! O que essa gente entende de Brasil? O que essa gente entende da pobreza? Por que essa gente quer ser governo?

A ADMISSÃO INDIRETA DA POLÍTICA DA MORTE
E não! Esse nem foi o pior momento de Queiroga. Os parlamentares quiseram saber por que a médica Luana Araújo, infectologista de primeiro time, com pós-graduação na Universidade Johns Hopkins, deixou o cargo dez dias depois de ser anunciada titular da Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid.

Queiroga explicou que um cargo dessa natureza precisa de "validação técnica" e de "validação política". Como a primeira não falta à doutora, então é evidente que ela não preencheu o segundo requisito.

E o que significa ter "validação política" no governo Bolsonaro? Ora, perguntem à tal Mayra Pinheiro, aquela que foi contar algumas mentiras na CPI, embora tivesse a licença para se calar. Luana é favorável ao distanciamento social, desmoraliza a turma que defende a ministração de cloroquina e hidroxicloroquina a doentes de Covid-19 e ainda mais o dito tratamento precoce. Por óbvio, sabe que a única prevenção química contra a doença é mesmo a vacina. No mais, é preciso adotar os procedimentos que podem proteger as pessoas do vírus: máscara, distanciamento social, higienização das mãos...

Vale dizer: falta "validação política" para a doutora Luana porque, afinal, ela segue a ciência e, assim, coloca-se a serviço da vida. E, para bem servir a essa gestão, como se sabe, é preciso ignorar o saber — vejam, a propósito, o comportamento dos senadores governistas na CPI. Doutora Luana não tinha a validação da necropolítica: a política da morte.

Com Queiroga, ninguém sente falta de Pazuello. Nem os cemitérios.