Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Fux e a ilusão de Bolsonaro como "Tchutchuca da democracia e do Pai Nosso"
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O ministro Luiz Fux leva adiante nesta quarta a tal reunião entre os Três Poderes, uma das aberrações mais vistosas e inúteis destes tempos estranhos. Ele próprio, representando o Poder Judiciário; Jair Bolsonaro, o Executivo, e Rodrigo Pacheco (Senado) e Arthur Lira (Câmara), o Legislativo, vão bater um papinho. Para quê? Nas palavras pomposas de Fux, vão fazer o que a Constituição já fez há muito tempo: "Fixar balizas sólidas para a democracia brasileira". O que isso quer dizer? Até onde entendo, nada. Mas é péssimo que aconteça.
Mais: acho que a Carta está sendo agredida ao se estabelecer um diálogo, em suposta igualdade de condições, entre um contumaz fraudador da ordem — Bolsonaro — e os representantes dos outros dois Poderes. Goste-se ou não da atuação de Fux, Pacheco e Lira, seguem as regras do jogo — exceto quando se omitem.
Acordo entre Poderes? Em quais aspectos, em particular, Fux promete disciplinar o Supremo para não provocar a fúria de Bolsonaro? No caso da Câmara em particular, pergunta-se: existe modo de Lira se mostrar ainda mais servil ao chefe do Executivo, destacando-se, é certo, que esse servilismo também atende a seus interesses?
Quando a Pacheco, indaga-se: a sua tão elogiada disposição para o diálogo consegue ser ainda mais mansa do que tem sido, mesmo quando o presidente arreganha os dentes e ameaça o processo eleitoral ou quando o ministro da Defesa emite uma nota golpista? Volto-me de novo ao presidente do STF: o doutor tem uma discrição no enfrentamento das permanentes agressões de Bolsonaro à ordem democrática que não se nota em nenhum outro tema.
O único que tem tarefas a cumprir, nesse caso, é Bolsonaro. É ele a espalhar mentiras sobre a segurança do sistema de votação no país. É ele a ameaçar o país com uma invasão caipira do Capitólio caso as urnas não revelem o único resultado que ele considera lícito. É ele a reproduzir acusações criminosas que seus miliciados digitais fazem nas redes contra ministros do Supremo que não lhe são subservientes.
Pergunto-me: como ousa um presidente do Supremo marcar uma reunião para "estabelecer balizas" com quem, na semana passada, estava associando ministros da Corte à pedofilia e ao narcotráfico? Como ousam os respectivos presidentes da Câmara e do Senado a "estabelecer balizas" com quem diz literalmente estar "cagando" para o Poder Legislativo? Balizas de quê? O que estes senhores estão fazendo é, de maneira que considero absurda e temerária, admitir no palco da institucionalidade o bufão que os despreza e os trata aos chutes. Ainda que se mostre respeitoso com os que se reúnem, não tem apreço nenhum pelos respectivos Poderes que representam.
Nenhuma reunião deveria ser marcada enquanto o presidente da República não pedisse desculpas públicas pelas óbvias agressões que fez aos demais Poderes. Nenhuma reunião deveria ser marcada enquanto não passasse a ter um comportamento compatível com o cargo que ocupa. Nenhuma reunião deveria ser marcada enquanto não retirasse as acusações mentirosas que fez ao processo eleitoral.
"Ah, Reinaldo, então você quer o impasse?" Que impasse? Que triunfe a lei. Em qualquer caso. Se Bolsonaro pode mesmo dar o golpe com que ameaça o país, então não será se subordinando a seus desígnios que o dito-cujo não será dado pela simples e óbvia razão de que, então, já terá sido dado. Atenção aos tempos verbais aí.
E não! Bolsonaro não será sempre a "Tchutchuca da democracia e do Pai Nosso" de segunda-feira. A razão é simples: para manter seus fanáticos unidos, tentando lhe assegurar uma vaga no segundo turno, ele precisa do ataque permanente às instituições porque é isso o que faz desde que está na política. E continuou nesse papel depois que assumiu a Presidência da República.
Alguém acredita mesmo que ele deixaria de questionar a legitimidade da eleição se houvesse o voto impresso? Aí a acusação seria outra. Aquilo que ele representa está pouco se "cagando" para os meios. O que interessa é o fim: manter-se no poder e deslegitimar a divergência, tratando-a como inimiga a ser destruída.
Vamos ver qual será a síntese da reunião. Estou doido para saber quais concessões Fux, Pacheco e Lira pretendem fazer àquele que articula nota golpista com seu ministro da Defesa.
E, claro!, uma reunião dessa natureza depois daquele despropósito tem mais o cheiro da covardia do que da "coragem de propor a paz".
Há momentos em que o discurso de paz é apenas submissão à truculência.
Essa reunião é uma vergonha em si.