Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bezerro de ouro do falso profeta, a farsa da tragédia e o leite derramado
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Vocês encontram em todo canto a história do "Charging Bull", o touro de bronze idealizado pelo escultor italiano Arturo di Modica, que foi instalado em 1989 em Manhattan e que pretende simbolizar a pujança do mercado financeiro. Pois é...
Em Banânia, resolveram fazer uma réplica que simula o ouro.
Assim, o nosso bicho lembra mais o bezerro de ouro bíblico, que é o símbolo do falso Deus.
A seu modo, faz sentido, não é?
Um falso Deus na era de Jair Messias, o falso profeta.
Existe alguma relação direta entre o bezerro de ouro e a fome que grassa no país? Não chega a ser de causa e efeito, claro! E sempre se pode argumentar que um mercado financeiro pujante é sinal de uma economia forte, com menos pobres e esfomeados.
Não custa, no entanto, ser decoroso, não é?
Com ou sem crise, faz sentido esse espetáculo de exibicionismo?
Não tarda, e alguém ainda propõe a reedição no país do boi voador.
MORO E O SEU GUEDES
Em entrevista a Pedro Bial, Sergio Moro anunciou o seu Paulo Guedes -- chegou a hora de deixar o Posto Ipiranga, o de verdade, em paz.
Ora, ora... A seu modo, Moro diz também: "Nada entendo de economia. O meu Virgílio nesse círculo do inferno é Affonso Celso Pastore".
Meu Jesus Cristinho!, com a licença de Manuel Bandeira.
O que já é um clichê se faz inevitável:
"Hegel observa, em uma de suas obras, que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa".
São as primeiras palavras de "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", de Marx.
O autor trata de Luís Bonaparte (Napoleão III), o sobrinho que era a farsa do tio, o Napoleão propriamente dito. Este dera um golpe no dia 18 de "Brumário", e o sobrinho, então, lhe seguiria os passos.
Moro, como se vê, não quer apenas parte do eleitorado de Bolsonaro... Também ele quer ser o "clown" da nova moralidade, enquanto contadores invisíveis administram o caixa. A seu modo, Napoleão III logrou sucesso. Por um tempo ao menos. Que não aconteça!
ASSIM NÃO, LEITE!
Eduardo Leite, que disputa as prévias do PSDB com João Doria, concede uma entrevista a Igor Gielow, na Folha. Diz por que pode ser presidente da República e aponta características que considera negativas no seu oponente interno. Até aí, tudo nos conformes.
Não acompanho, confesso, no detalhe. Mas me parece que Leite é um administrador competente e está afinado com princípios que não são muito distantes dos meus em administração pública. Bem, é fato que todas as pessoas de bem concordam em matéria de bom senso, certo? Sim, a consideração é meio tautológica, mas assim é.
Na disputa interna dos tucanos, eu me identifico com os advérbios, como diria Umberto Eco. Assim é, diga-se, em qualquer disputa. Não sou político.
Há, no entanto, uma resposta de Leite que me parece inaceitável. Reproduzo:
Falando nessa relação com os militares, como foi o episódio em que o general Luiz Eduardo Ramos [então secretário de Governo] lhe pediu para ligar para o Doria para que ele não iniciasse a vacinação naquele domingo [17 de janeiro] em São Paulo?
Houve uma conversa nessa direção, não foi um pedido de intervenção, mas um pedido de reflexão. Talvez tivesse sido positivo ao país que se fizesse um esforço de coordenação e engajamento, já que era uma questão nacional. Mas é um episódio superado.
Aí não dá, né?
Admite, não se desculpa e ainda defende o que fez. Com base em quê?
Pedido de reflexão? Com as vacinas prontas?
Governador Eduardo Leite, naquele 17 de janeiro, quando se aplicou a primeira vacina no país, 518 pessoas morreram da doença, totalizando 209.868 óbitos.
Essa resposta curta, sem maiores explicações, parece-me inaceitável. Quer dizer que, com "reflexão, coordenação e engajamento", ter-se-ia optado pelo adiamento?
Leite tem o direito, é evidente, de tentar vencer a disputa interna. Na sua resposta, no entanto, Doria entra como uma espécie de vilão do açodamento, e o general Ramos, que falava por Bolsonaro, como o porta-voz da reflexão.
Leio na coluna de Lauro Jardim, no Globo, que Doria lhe teria respondido o seguinte:
"Lamento, Eduardo, que você tenha se prestado a atender um pedido dessa natureza do general Ramos. Diga a ele que vamos iniciar a vacinação, tão logo a Anvisa autorize a utilização da Coronavac. E que eu estou ao lado da vida e dos brasileiros."
O governador de São Paulo disse mesmo isso? Bem, os dois tiveram a chance de exercitar a memória.
Depois da publicação da nota, Leite procurou o colunista do Globo. E se lê:
"Eduardo Leite entrou em contato e disse que 'em nenhum momento está dito que eu pedi adiamento. O ministro Ramos me ligou. Eu liguei para o meu colega de partido e colega governador e relatei o telefonema que recebi. Dei, inclusive, razão a ele para iniciar a vacinação".
Com a devida vênia, a emenda apresentada a Lauro Jardim não combina com o soneto recitado a Igor Gielow. Na verdade, a segunda piora o primeiro.
O bezerro de ouro é sempre um perigo.