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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Presidente volta ao vírus livre, e Aras pede a Moraes que encerre inquérito

Bolsonaro recebe grupos de forró no Palácio do Planalto. Em nome do que chama "liberdade", ele proíbe o uso de máscaras. É a Lei do Vírus Livre - Pedro Ladeira;/Folhapress
Bolsonaro recebe grupos de forró no Palácio do Planalto. Em nome do que chama "liberdade", ele proíbe o uso de máscaras. É a Lei do Vírus Livre Imagem: Pedro Ladeira;/Folhapress

Colunista do UOL

14/12/2021 07h25

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É chegada a hora de ficar claro, de uma vez por todas, que diabos a Procuradoria Geral da República entende por "apuração preliminar" ou "apuração interna". Essas expressões estão virando aquela gaveta da bagunça que todo mundo tem em casa, em algum móvel. Como a gente não sabe onde guardar um troço, mas teme precisar daquele parafuso ou daquela arruela algum dia, então joga tudo na dita-cuja... E lá vão ficando esquecidos. A exemplo das apurações preliminares que a PGR vai abrindo sobre as aberrações que Bolsonaro diz e faz.

Por que estou dizendo isso? Vamos lá.

Augusto Aras, procurador-geral, pediu que o ministro Alexandre de Moraes reconsidere a decisão de abrir um inquérito para apurar o disparate dito por Bolsonaro, segundo quem as vacinas estão levando as pessoas a desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). E que se note: ele já repetiu a estupidez por aí, atribuindo a informação a uma reportagem.

Antes de entregar o relatório à PGR — entre outros órgãos —, a CPI da Covid enviou um pedido de investigação ao Supremo. Peticionou, ainda, em favor da quebra do sigilo telemático do presidente e do seu banimento das redes. O ministro não condescendeu com essas medidas, mas abriu, sim, a investigação.

Agora, a PGR pede que mude de ideia porque alega que, se mantido o inquérito, o presidente estaria sendo investigado duas vezes pelo mesmo delito. Mas esperem um pouco: ele está, afinal, sendo investigado por essa declaração?

Leio na Folha:
"Aras alegou que uma série de apurações está em curso na Procuradoria a partir das conclusões da comissão parlamentar e que a nova frente de investigação é redundante. No final do mês passado, a partir do trabalho da CPI, ele enviou ao STF dez pedidos de providências envolvendo diversas autoridades com foro na corte, incluindo o presidente."

Pois é. Não sei se o procurador-geral da República logrará sucesso na sua empreitada. Diz ele:
"Especificamente quanto aos pretensos delitos cometidos, em tese, pelo presidente da República, cumpre esclarecer que há uma petição -- repita-se, dirigida ao Supremo Tribunal Federal -- com pedido de diligência para a sua intimação, a fim de requerer ou apresentar novos elementos de provas a respeito dos fatos investigados. O que indiscutivelmente há é a continuidade de uma investigação deflagrada pela Comissão Parlamentar de Inquérito e, depois do envio ao Parquet [Ministério Público Federal], um pedido ministerial de diligências [enviado ao Supremo]."

Para Aras, há um "verdadeiro procedimento apuratório, sob supervisão do Supremo Tribunal Federal", independentemente do nome sob o qual tramita.

Aí está o busílis, né? Conhece-se o que é um inquérito e o que ele pode fazer. Então é preciso saber o nome do tal "procedimento apuratório". Para que não se corra o risco de falar a língua do "enrolation". Como têm ciência os leitores, sempre tomo muito cuidado com essa tendência de sair acusando as pessoas a três por quatro. No caso da associação da vacina à Aids, o crime está tão à flor das palavras que estas são o primeiro e mais importante elemento de prova.

Caso Moraes não concorde com a petição, Aras pede que o inquérito seja enviado ao gabinete do ministro Roberto Barroso, relator de um dos pedidos de providência encaminhados pela PGR. E, sim, Moraes pode não concordar com isso também.

NA ERA DO DESPUDOR
Embora o "front" seja outro, não dá para ignorar o contexto em que a PGR pede que Alexandre reconsidere a abertura de inquérito contra Bolsonaro.

Nesta segunda, o presidente recebeu grupos de forró, com transmissão ao vivo pelas redes sociais. Com o país e o mundo sob a ameaça de nova e mais contagiosa variante do coronavírus, ele afirmou, em tom de ordem:
"Aqui é proibido máscara"!

Anotem aí a plêiade de patriotas que participaram da patuscada "desmascarada" para que nos lembremos deles no curso dos tempos, quando se for contar a história da pandemia: Fábio Faria (Comunicações), Braga Netto (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Gilson Machado (Turismo), Marcelo Queiroga (Saúde) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Além, claro!, de Mario Frias, secretário de Cultura. Afinal, falta dar um certo peso intelectual à patota... Ah, Daniel Silveira, o deputado que ficou em cana, estava lá. Fez fartos elogios a André Mendonça,

AGU
Na era do despudor, a Advocacia Geral da União, num tom arrogante que pretende afetar grandiloquência -- bem próprio da gestão de Bruno Bianco, pediu que o ministro Barroso reveja a sua liminar, que torna obrigatória a apresentação do passaporte da vacina.

O órgão pede também, e isto é ainda mais impressionante, que sejam liberadas as pessoas que já tiveram a Covid desde que cumpram a quarentena. Escreve-se lá:
"Trata-se de uma forma de certificação da condição imunológica das pessoas que é aceita em diversos países para viabilizar a circulação de pessoas não vacinadas".

Quais "vários países"?

Como resta evidente, "as pessoas" citadas no trecho acima se resumem a uma pessoa: Jair Bolsonaro. Ele botou na cabeça, contra o que diz a ciência, que está imune porque já teve Covid e que, assim, não precisa tomar a vacina.

Esses dias terão fim... um dia.

Mas como demora!