Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Senado tem hoje a chance rara de eleger alguém como Kátia Abreu para o TCU

Senadora Kátia Abreu, que concorre a uma vaga no TCU. Raramente o Senado teve a chance de fazer uma escolha tão adequada - Leopoldo Silva/Agência Senado
Senadora Kátia Abreu, que concorre a uma vaga no TCU. Raramente o Senado teve a chance de fazer uma escolha tão adequada Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

Colunista do UOL

14/12/2021 04h21

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O Senado deve realizar hoje uma eleição, não havendo um acordo — e nada aponta para isso —, para preencher a vaga aberta no Tribunal de Contas da União (TCU). Raimundo Carreiro deixa a Casa para assumir a embaixada do Brasil em Portugal. Três parlamentares disputam a cadeira: Kátia Abreu (PP-TO), Antônio Anastasia (PSD-MG) e Fernando Bezerra (MDB-PE), que é líder do governo no Senado. Torço para que Kátia vença. E vou dizer por quê.

O resultado da disputa é incerto. A senadora conta com apoio de senadores da base e da oposição e também tem suporte no MDB, partido de Bezerra. A liderança do governo na Casa dá a este, obviamente, trânsito em todas as siglas. Anastasia tem o apoio oficial de seu partido e do Podemos. Hoje, a distribuição de cadeiras no Senado é a seguinte:
15 - MDB
12 - PSD
09 - Podemos
07 - PP
06 - DEM
06 - PSDB
06 - PT
05 - PL
03 - Cidadania
03 - PDT
03 - PROS
02 - PSL
02 - Rede
01 - PSC
01 - Republicanos

Os dados acima ainda não consideram a fusão do DEM com o PSL e a anunciada migração de Fabiano Contarato (ES) da Rede para o PT.

POR QUE KATIA
Dizer que um político trabalha direito e leva a sério as suas atribuições soa quase ofensivo aos ouvidos de alguns, que entendem que esta nossa profissão tem de se resumir à arte de maldizer. Quase sempre, infelizmente, por bons motivos, reconheça-se, é assim. Mas falo bem, sim, da senadora. É uma das pessoas mais estudiosas que conheço. Poucas na vida púbica são tão dedicadas a seu ofício.

Katia teve um papel relevantíssimo num momento crucial da vida pública brasileira: o debate, votação e aprovação do Código Florestal — aquele texto que foi tão malhado à época e que deu ao Brasil um papel de vanguarda na defesa do meio ambiente. Ajudou a fazer do país um protagonista no conservacionismo sem lhe roubar a condição de potência agropecuária. A esquerda a atacou duramente. Emprestou-lhe a pecha injusta de "rainha da motosserra" — uma tolice! Tanto é assim que se tornou ministra da Agricultura de um governo petista.

A senadora deu um papel de relevo à Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), tirando-a de uma posição puramente reativa, de modo que a própria entidade passou a investir no desenvolvimento de critérios técnicos para debater a preservação do meio ambiente. Depois, acho, andou tribulando um caminho não muito prudente.

A parlamentar também teve um papel central no aprimoramento da Embrapa e na parceria da empresa com agricultores em defesa da pesquisa. Poucos políticos, a exemplo de Kátia, reúnem tantas informações sobres contas públicas e sobre a inserção da economia brasileira no mundo. Ela estuda.

Ela disputa uma das três vagas do TCU que cabem ao Senado. Logo, é evidente que há um viés político na escolha, exerça ou não a pessoa indicada um mandato eletivo. Apesar disso, dado que se trata de um órgão que, em última instância, apura se o dinheiro público foi bem empregado, também é conveniente que o candidato tenha um perfil militante — em defesa da coisa pública — e técnico.

Tanto melhor se a senadora, como dizem, reúne votos da oposição e da situação. É tão raro isso acontecer, num país viciado em confronto, que não se deveria perder a oportunidade.

ANASTASIA
Nada sei que desabone o nome de Antonio Anastasia, que chegou ao Senado pelo PSDB, migrando depois para o PSD. Vem originalmente da burocracia do governo de Minas, elegeu-se governador, como aliado de Aécio Neves, e depois se fez senador. Tem tido um comportamento correto na Casa.

O TCU não estará em maus lençóis se for ele o escolhido, mas acho que, no cotejo com a experiência de Kátia, falta-lhe a amplitude de interesses e a diversidade de experiências que se espera de um ministro do TCU. Parece-me que o tribunal estará mais vigilante com ela do que com ele.

BEZERRA COELHO
Não gosto de ver o senador a disputar essa vaga. A razão é simples: é líder do governo no Senado e detém uma posição de poder que inexiste para seus concorrentes, queira ele ou não.

Bezerra já foi alvo de algumas investigações, conforme segue abaixo, na síntese feita pelo site Poder 360, que traz a versão do senador. Vejam os casos e o que ele diz. Volto depois.

1 - Caso Suape (TCE-PE nº 1408186-6): Tribunal de Contas de Pernambuco julgou irregular uma doação de areia na área portuária e calculou prejuízo em R$ 5,7 milhões
Outro lado: "Reconhecendo o equívoco da decisão proferida pelo TCE-PE, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Recife proferiu liminar suspendendo os efeitos do acórdão que julgou irregulares as contas no período em que fui presidente do Porto de Suape, conforme decisão nos autos da Ação Ordinária Anulatória nº 0029413-60.2019.8.17.2001, datada de 16/05/2019, e confirmada, à unanimidade, pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco A decisão judicial não poderia ter sido outra uma vez que as contas já haviam sido aprovadas pelo TCE-PE, tendo, inclusive, transitado em julgado. Assim, estando suspensos os efeitos do acórdão do TCE-PE por determinação judicial, o processo não se enquadra em quaisquer das hipóteses do art. 2º da Resolução nº. 334/2021, do Tribunal de Contas da União";...

2 - Tomada de Contas especial (TCU 013.846/2021-3): foram realizadas despesas incompatíveis com convênio firmado entre o município e o governo federal enquanto o senador era prefeito de Petrolina, resultando em prejuízo que seria de R$ 9,6 milhões;
Outro lado: "O processo encontra-se em fase preliminar, não possuindo, sequer, pronunciamento preliminar da auditoria do TCU. Desta forma, não existe despacho determinando a citação do senador Fernando Bezerra Coelho para apresentar defesa. A defesa esclarece que as contas de todos os convênios encontram-se aprovadas e ressalta que o TCU expediu certidão atestando que o senador Fernando Bezerra Coelho não possui contas julgadas irregulares."

3 - Improbidade administrativa, Fazenda Pública de Petrolina (nº 0003020-73.2011.8.17.1130): não conseguiu provar a execução das obras de contrato com a ANA (Agência Nacional de Águas) enquanto era prefeito de Petrolina, resultou em devolução de R$ 1,6 milhão. Em dezembro de 2011, o processo foi extinto pela Vara da Fazenda Pública da Comarca de Petrolina, mas há recursos que ainda tramitam no caso.
Outro lado: "Também em fase preliminar, sendo que a petição inicial sequer ultrapassou o juízo preliminar de recebimento previsto no art. 17, §7º, da Lei de Improbidade Administrativa. As acusações de não comprovação ou de inexecução do objeto conveniado não se sustentam. Este Contrato de Repasse teve a sua prestação de contas julgada pelo TCU em 07/08/2018, por meio do Acórdão nº. 7170/2018 - TCU - 2ª Câmara, que determinou o arquivamento dos autos por ausência dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo."...

4 - Improbidade administrativa, Justiça Federal do Paraná (nº 5057144-14.2018.4.04.7000): em delação premiada na Lava Jato, Paulo Roberto Costa diz que o senador teria pedido R$ 20 milhões em vantagens indevidas para favorecer empresas no Porto de Suape. A ação tramita desde 2018 e já levou a ordem de bloqueio de bens do senador em 2019.
Outro lado: "A indicação como 'réu' no site da Justiça Federal não está adequada a todos os aspectos processuais das diversas ações previstas em nossa legislação. De acordo com o art. 17, §7º, da Lei de Improbidade Administrativa, aquele que é acionado em ação de improbidade só passa a ser considerado réu caso o juiz entenda que a petição inicial deve ser processada. É a chamada fase de recebimento da ação, que antecede a citação. No caso deste processo, o Juízo da 1ª Vara Federal de Curitiba ainda não proferiu decisão sobre o recebimento da ação. Por este motivo, nenhuma das pessoas acionadas naquele processo é considerada juridicamente como réu, o que afasta qualquer impedimento com relação à Resolução do TCU. Esta ação decorre do Inquérito 4005, arquivado pelo Supremo Tribunal Federal por ausência de provas de qualquer conduta criminosa"

5 - Inquérito 4593 no STF: desvio de aproximadamente R$ 2 milhões na construção do Cais 5 e do Píer Petroleiro do porto de Suape. O caso foi enviado à 1ª instância em 2018, onde tramita desde então.
Outro lado: Inquérito em fase preliminar de investigação." ...

6 - Inquérito 4513 no STF: Segundo a PF, Fernando Bezerra e Fernando Bezerra Filho receberam direta e indiretamente R$ 10.443.900 pagos pelas empreiteiras OAS, Barbosa Mello e Constremac/Mendes Junior, entre os anos de 2012 e 2014, quando Fernando Bezerra era Ministro da Integração Nacional. Em novembro, o ministro Roberto Barroso enviou o caso para a 1ª instância,
Outro lado: "A Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento do inquérito por ausência de elementos que pudessem embasar eventual denúncia. Contrariando o parecer da PGR, o ministro Luís Roberto Barroso determinou o envio do inquérito para a 1ª instância. Neste caso, também, não há ação penal aberta em desfavor do senador Fernando Bezerra Coelho. O senador nega as acusações, baseadas tão somente nas palavras isoladas de pretensos colaboradores, sem apresentação de elementos comprobatórios."

RETOMO
O candidato a uma vaga no TCU tem de ter reputação ilibada. O Senado publicou uma resolução para definir em que isso consiste. Não pode ser indicado a uma vaga quem:
- seja alvo de ação penal por crime doloso contra a administração pública;
- seja réu em ação de improbidade administrativa;
- tenha tido contas relativas a cargo ou função pública rejeitadas por irregulares;
- seja alvo de sentença judicial (mesmo se houver recurso);
- tenha sido condenado a perda de cargo público ou tenha sido afastado de funções
.

Bezerra enviou aos senadores uma carta em que se diz apto a concorrer, anexando certidões negativas — emitidas por Receita, Justiça Federal e pelo próprio TCU — a indicar que ainda não é réu, embora seja assim chamado ao menos uma vez no site da Justiça Federal. Como se vê acima, sustenta ser um equívoco.

NÃO CONFUNDO
Todos sabem que não confundo política com delegacia de polícia. E não tomo acusação por investigação; investigação por condenação; condenação contra a qual cabe recurso por trânsito em julgado.

Acho, no entanto, que, dado que não se trata de um cargo no Executivo ou no Legislativo, mas em um órgão de controle, é preferível que haja menos explicações a dar. Isso não quer dizer que, naqueles dois Poderes, possa haver bandalheira. Trata-se aqui da tal máxima da mulher de César, que tem de parecer honesta, além de ser honesta. O fato de Bezerra Coelho ter se sentido obrigado a apresentar seis certidões negativas evidencia que ele pode e deve continuar no debate político. No TCU, por enquanto, como se diz na minha terra, "não orna".

Raramente houve a chance de se indicar alguém tão capaz para o tribunal como Kátia. E, como se nota, não se trata de mais um dos embates inconciliáveis entre governo e oposição. De vez em quando, um pouco de racionalidade não há de nos fazer mal.