Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Bloqueio de bens e fúria de Moro; ele trata TCU como Bolsonaro trata STF
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Quando juiz, Sergio Moro — que, segundo ele mesmo, "comandou" a Lava Jato, numa confissão escandalosa — consagrou a presunção de culpa. Nas entrevistas que concedeu ao longo da sua vida pública, mesmo como candidato, nunca teve receio em falar como juiz de condenação. Para ele, o Supremo anulou os processos contra Lula por mero formalismo, o que, por óbvio, expõe um entendimento do direito: o julgador pode ignorar a forma da lei para fazer o que considera "justiça". A ser assim, desaparece a ordem legal, e sobra o voluntarismo do paladino. No seu caso, o paladino tinha algo mais do que a convicção justiceira. Exibia também uma ambição e um alvo: o poder. Pois bem: Moro já não tem mais a toga do juiz, que lhe servia de máscara. É político escancarado, ainda que conserve a fantasia de justiceiro. Mas leva nota zero no quesito transparência. Cobrado pelo TCU a prestar contas, reage contra o tribunal com a mesma fúria com que Jair Bolsonaro responde ao STF, E, como se verá, gosta de testar limites, seja quando celebra um contrato multimilionário, seja quando escolhe o seu braço direto na campanha eleitoral.
BLOQUEIO DE BENS
Vocês já sabem, a esta altura, que Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, encaminhou uma petição ao ministro Bruno Dantas solicitando o bloqueio de bens de Moro. Dantas é o relator no TCU do processo que apura eventual conflito de interesses na contratação do ex-juiz pelo grupo Alvarez & Marsal. Rocha Furtado sugere a medida cautelar como prevenção para a possibilidade de o agora pré-candidato ter cometido sonegação fiscal. Cobra ainda que entregue ao tribunal documentos e informações, a saber:
- quer que apresente a íntegra dos dois contratos que celebrou com a A&M: um como consultor e outro como funcionário da empresa nos EUA. Os recibos exibidos numa live, isoladamente, observa o subprocurador-geral, não bastam para evidenciar quanto ele realmente recebeu do grupo;
- pede que Moro demonstre que realmente transferiu seu domicílio para os EUA. Sem essa comprovação, nota que mesmo o que ele recebeu lá tem de ser tributado aqui, o que requer a atuação da Receita;
- cobra que apresente o visto para trabalhar nos EUA. Isso altera o Imposto de Renda Retido na Fonte em caso de pagamento sem causa;
- nota que não se diluíram as suspeitas de "pejotização" com vistas a pagar menos impostos. A "consultoria" de Moro tinha como cliente único a A&M.
REAÇÃO ANTES DO FATO
Moro continua a receber da quase totalidade da imprensa um tratamento que a ninguém mais é dispensado. No seu caso, quando um órgão oficial toma uma iniciativa ou faz uma cobrança, o "outro lado" chega antes do "lado". Não entendeu? Eu explico. Procurem. Não se noticiou o que Rocha Furtado cobrou. O que está na imprensa, com ligeiras diferenças, se resume a informar o encaminhamento do pedido de bloqueio de bens para ressarcir eventual sonegação e a reação indignada de Moro, que se diz perseguido, anunciando que vai representar contra o subprocurador-geral. Em alguns casos, noticiou-se primeiro a reação do candidato e só depois o motivo de sua fúria.
É dispensável dizer que os alvos do então juiz Moro jamais gozaram desse privilégio. Ao contrário. Bastava uma operação da Lava Jato para que os alvos já merecessem de cara o tratamento de condenados em última instância.
"Que é, Reinaldo, só porque Moro espancou o direito de defesa, defendeu a presunção de culpa e condenou sem provas, o que chegou a admitir em embargos de declaração, você vai defender que se faça o mesmo com ele?"
De jeito nenhum!
Mas não me deixarei enredar por seu chororô. Ele que apresente os documentos solicitados pelo TCU em vez de aproveitar a apuração para fazer proselitismo político contra o tribunal. Continuo a defender a presunção de inocência. Continuo a defender o devido processo legal. Continuo a pregar, À DIFERENÇA DE MORO, que respeitemos as formalidades. E, por isso mesmo, observo que nem ele nem ninguém estão livres de prestar contas em assuntos que dizem respeito ao interesse público.
QUESTÃO PÚBLICA
Moro tenta driblar a evidência de que sua contratação pela Alvarez & Marsal é de interesse público na causa e na consequência. Fosse outra empresa qualquer, das milhões que há mundo afora, restaria a questão fiscal derivada de um emaranhado contratual deveras atípico: quando se cruzam as respectivas datas dos dois contratos, por exemplo, Moro ficou por dois meses como prestador de serviço no Brasil e como funcionário da A&M nos EUA: um notável dublê de si mesmo.
Ocorre que a A&M não é uma mera empresa entre as milhões que há no mundo. Moro decidiu celebrar seu contrato multimilionário, por meros 11 meses de um trabalho que ninguém sabe qual é, justamente com um grupo que faturou mais de R$ 80 milhões no Brasil em processos de recuperação judicial de empresas que a Lava Jato, que ele "comandava", quebrou.
"Que feio, Reinaldo! Não escreva 'empresas que a Lava Jato quebrou'. Diga 'empresas que quebraram depois que caíram nas malhas da Lava Jato'"
Ok. Aceito a construção eufemística, e nem por isso a história fica mais bonita. E Moro sabia muito bem quais clientes tinha o braço da Alvarez & Marsal que lida com recuperação judicial porque, para tentar se precaver das consequências do escancarado conflito de interesses, meteu-se lá no contrato que ele não poderia atuar em empresas que tinham sido alvos da Lava Jato. Elimina o conflito? Entendo que isso vale por uma confissão.
INVESTIGAÇÃO
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia já entrou com uma petição na seção do DF do Ministério Público Federal cobrando que se abra uma investigação sobre a contratação multimilionária de Moro -- quase R$ 4 milhões -- pela A&M.
Também o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) e advogados ligados ao grupo Prerrogativas entraram com pedido junto à Procuradoria Geral da República para que o órgão determine a investigação do contrato entre Moro e a A&M, com o concurso também do Coaf e da Receita Federal. Na petição, escrevem:
"As informações preliminares levantadas pelo TCU e os novos dados apresentados pelo próprio Sergio Moro reforçam a necessidade de um escrutínio público na relação entre Moro e a Alvarez & Marsal, dada a existência de fortes indícios não apenas de um grave conflito de natureza ética, mas também de possíveis crimes contra a administração, tráfico de influência e utilização informação privilegiada".
Moro se diz perseguido. Uma ova! O que se quer apenas é que preste contas de suas ações em matéria de interesse público. E que seja de verdade, sem escarnecer de um órgão público de controle, como fez em sua "live", com o intuito de confrontar o TCU e alimentar seus próprios fanáticos contra o tribunal.
Observem, para arrematar, que Moro pretende que o TCU seja, para os seus eleitores, o que é o STF para o eleitorado de Bolsonaro.
Sua reação é a mesma. Faz sentido. São farinhas do mesmo saco no ataque às instituições.
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Leia: Moro acima de todos: Petrobras é principal cliente do chefe da sua campanha