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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Telegram tem de ser banido. Por que mentiras seguem nas redes? Dão lucro!

Barroso, que deixa o TSE no dia 22, e Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal durante as eleições. As falas são claras: crimes serão punidos - Reprodução
Barroso, que deixa o TSE no dia 22, e Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal durante as eleições. As falas são claras: crimes serão punidos Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/02/2022 06h09

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Email inválido

O despropósito dito pelo podcaster Monark, secundado pelo deputado Kim Kataguiri (de mudança para o Podemos), teve ao menos um aspecto positivo: criou-se um quase consenso de que nem tudo pode ser dito. E, tendo havido sinceridade, eles também integram agora a larga maioria que se formou contra o vale-tudo. Afinal, pediram desculpas mais de uma vez. Ninguém se desculpa por ter feito a coisa certa. Insisto num aspecto: a reação vigorosa da comunidade judaica está na raiz das consequências. Como não estamos a criar a elite das minorias que têm de ser respeitadas, o que vale para os judeus vale para todas as comunidades, segundo as particularidades que as tornam vulneráveis e a proteção que recebem da Constituição. Estamos em ano eleitoral, e os dias não serão fáceis. Tudo indica que caberá mesmo à Justiça — especialmente ao TSE e ao STF — coibir os abusos.

As redes sociais, como evidencia reportagem de O Globo, são lentas ou omissas para, ao menos, emitir um sinal de alerta para informações falsas. Informa o texto:
"O GLOBO testou os mecanismos criados por Facebook, Instagram e Twitter em 20 postagens com desinformação sobre saúde e política, entre 26 de janeiro e 3 de fevereiro. As redes agiram até as 18h de sexta-feira com rótulos de mensagem enganosa ou remoção de conteúdo em apenas quatro casos -- em um deles, após a identificação de que se tratava de uma reportagem. Os outros 16 posts seguem no ar, sem qualquer alerta. Nesse grupo, sete receberam links para sites de instituições ligadas aos temas citados, como o Ministério da Saúde e a Justiça Eleitoral, e textos reforçando a segurança de vacinas, mas sem afirmar que são conteúdos desinformativos. Entre as publicações que permanecem online, sem selos de mensagem enganosa, estão conteúdos dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e Filipe Barros (PSL-PR) e do ex-senador Magno Malta. Na maioria das postagens, são lançadas dúvidas sobre a eficácia de vacinas contra o coronavírus -- há também associações falsas entre a aplicação do imunizante, mortes e efeitos colaterais."

Há informação falsa publicada até por página digital que pretende se confundir com imprensa. Notem aí três porta-vozes do que pode haver de mais reacionário e delirante no bolsonarismo. Não duvidem. Não será diferente no período eleitoral. Aliás, a disputa já está nas ruas e o festival de delinquências também. Por que as redes não agem? Porque se assentam na conversa mole de que são apenas a ágora moderna a refletir a voz da população, certa ou errada. Trata-se de uma mistificação. A voz das ruas e das praças não tinha algoritmos voltados para o caixa. É aceitável que uma empresa lucre com mentiras que matam ou que corroem a democracia?

É PRECISO AGIR
A sociedade brasileira, por intermédio de organizações sociais, ONGs, sindicatos, universidades, Congresso, Judiciário e lugares institucionais do Poder Executivo têm de se perguntar -- e responder por intermédio de medidas práticas -- se é aceitável que celebridades e personalidades da vida pública, com ou sem mandato, espalhem, por exemplo, mentiras sobre as vacinas e os métodos de tratamento de doenças infectocontagiosas. A imunização das crianças contra a Covid-19 está atrasada. Parlamentares vigaristas se escondem na imunidade para espalhar desinformação; o presidente se acoita nas dobras das garantias que a Constituição deu ao mandatário e estimula, pela via da consequência, o infanticídio.

Precisamos, é evidente, de leis mais claras e severas para punir esses vigaristas, distinguindo a luta política e ideológica, legítima na democracia, do crime. Assim como a liberdade de expressão não contempla que se crie um partido cujo desiderato é destruir o outro ou que se pregue a extinção de um povo ou de uma minoria, a imunidade parlamentar não pode ser uma licença para o crime.

BARROSO, TSE E STF
O ministro Roberto Barroso, do Supremo, que deixa a presidência do TSE no dia 22, concedeu uma excelente entrevista ao Globo. Afirmou, por exemplo, que não pode compreender -- e está certo -- que uma empresa sem representação no Brasil, como o Telegram, possa operar livremente por aqui, alheia a qualquer filtro da legislação brasileira e fora do alcance de qualquer dos Poderes da República -- Poderes estes, note-se, democráticos.

Mais de 50 milhões de usuários têm acesso a uma rede em que, rigorosamente, tudo pode. Se numa decisão, TSE ou STF, uma vez acionados, poderiam determinar que conteúdos mentirosos ou criminosos fossem banidos das redes que, por aqui, têm cara e representação, nada, rigorosamente nada!, pode ser feito em relação ao Telegram.

"Ah, mas que as mentiras no Telegram sejam combatidas com a verdade", poderia dizer alguém, seguindo o raciocínio do deputado Kataguiri, segundo quem a luz do dia e a verdade seriam os melhores remédios contra o horror nazista. Bem, um grupo que pretende eliminar minorias não tem de ser vencido pelos argumentos; tem de ser preso. Assim como não basta opor os fatos às falsidades que circulam no Telegram e nas demais redes sociais. A mentira — que não se confunde com a divergência de opinião — tem de ser tirada do ar. A depender da gravidade e sendo crime, os autores têm de ser punidos.

Lembro: Barroso, que completa seus dois anos à frente do TSE, será substituído na presidência por Edson Fachin. Em agosto, vence o mandato também desse ministro, e o cargo passa para Alexandre de Moraes, que fica no tribunal até junho de 2024: vai, portanto, presidir o pleito deste ano e cuidar da preparação das próximas eleições municipais.

Na entrevista ao Globo, Barroso foi indagado sobre a possibilidade de o Telegram ser banido do país. Respondeu:
"Nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma. O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir. Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras."

Alguém tem alguma dúvida a respeito?

É claro, como nota o ministro, que cabe ao Congresso criar as restrições. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é relator do projeto que busca coibir as "fake news" nas redes. E se as coisas não caminharem a contento? Bem, meus caros, tanto o TSE como STF atuam se provocados, não é? E me parece certo que isso vai acontecer. Temos uma legislação eleitoral, um Código Penal, uma Constituição e farta jurisprudência do Supremo a dizer: "Não! Nem tudo pode!" Lembrem-se de que Jair Bolsonaro e réu no Supremo por apologia do estupro. A imunidade não o protegeu. O que disse à deputada Maria do Rosário não era prerrogativa do seu mandato; era crime. E a Corte fez a coisa certa: acatou a denúncia.

"Ah, mas banir o Telegram ou punir outros crimes nas redes não ferem a liberdade de expressão?" Pois é. Isso nos devolve ao começo deste post. Barroso responde ao Globo:
"Liberdade de expressão não é liberdade para vender arma. Não é liberdade para propagar terrorismo, para apologia ao nazismo. Não é ser um espaço para que marginais ataquem a democracia. Portanto, ninguém quer censurar plataforma alguma, mas há manifestações que não são legítimas. É justamente para preservar a democracia que não queremos que estejam aqui livremente plataformas que querem destruir a democracia e a liberdade de expressão."

Finalmente, Barroso se mostra um defensor das sociedades abertas, mas sabe que elas têm inimigos. Afirma:
"O TSE assegurará eleições livres, limpas e seguras. A polarização existe em todo o mundo. E a democracia tem lugar para liberais, para progressistas e para conservadores. Ela só não tem lugar para os que querem destruí-la. Acho que já superamos os ciclos do atraso, e não acho que haja risco de retrocesso, apesar de termos tido alguns maus momentos recentes."

Eis aí! A democracia tem de ter tolerância zero com os intolerantes, que pretendem solapá-la. E com os criminosos.

No julgamento de duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, em outubro, Moraes votou contra a cassação -- e o caos que sobreviria --, mas foi claro sobre impulsionamentos criminosos de "fake news":
"Essas milícias digitais continuam se preparando para disseminar o ódio, para disseminar conspiração, medo, influenciar eleições, destruir a democracia. Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil".

Convém não duvidar.

Que o Congresso brasileiro se encarregue de detalhar uma legislação que mande para a cadeia a canalha que mente sobre vacinas ou eleições. Não o fazendo, a Constituição dá o devido suporte ao STF e ao TSE para agir. Inclusive para banir — AGORA, NÃO DEPOIS — o Telegram.

Mobilizem-se, defensores da ordem democrática!