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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Brasil dos golpistas, afirmar o óbvio se torna um ato de resistência

Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin: sim, eles precisaram dizer coisas óbvias, porém necessárias - Fellipe Sampaio/SCO/STF; Carlos Moura/SCO/STF; Nelson Jr./STF
Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin: sim, eles precisaram dizer coisas óbvias, porém necessárias Imagem: Fellipe Sampaio/SCO/STF; Carlos Moura/SCO/STF; Nelson Jr./STF

Colunista do UOL

29/04/2022 22h03

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Triste o país em que ministros da Corte Suprema viram notícia por dizerem coisas óbvias. Alguém poderia, então, objetar: "Que não digam, ora!" Pois é... E se isso se torna necessário, fundamental mesmo, para manter o prumo? Então é sinal de que vivemos uma fase de atraso, de regressão, de modo que a obviedade virou uma defesa necessária. Em vez de avançar, estamos algo entrincheirados. Vamos ver.

"Se você tem coragem de exercer sua liberdade de expressão não como um direito fundamental, mas sim como escudo protetivo para prática de atividades ilícitas; se você tem coragem de fazer isso, você tem que ter coragem também de aceitar responsabilização penal e civil."

A afirmação foi feita pelo ministro Alexandre de Moraes em palestra proferida nesta sexta na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), em mesa composta pelos professores de direito Náila Nucci e José Roberto Neves, coordenador do curso.

Eis aí uma cristalina obviedade que nem notícia deveria ser. Aliás, em outros tempos, ele certamente seria convidado a falar sobre assunto diverso. Infelizmente, o óbvio virou objeto de disputas ideológicas, e o país se vê na contingência de ter de debater a validade do pacto civilizatório. O fenômeno não se dá só aqui. O mesmo acontece em outras democracias mundo afora. Mas isso não conforta ninguém. Trata-se de um motivo adicional de preocupação. Há uma verdadeira Internacional — com certo grau de articulação — contra a democracia.

Moraes apelou outra vez ao livro-texto:
"Não é possível defender volta de um ato institucional número 5, o AI-5, que garantia tortura de pessoas, morte de pessoas, a extinção, o fechamento do Congresso e do Poder Judiciário. Nós não estamos numa selva. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão; democracia não é anarquia, senão nós não teríamos Constituição".

Convenham: não é assim tão difícil de entender. Ou nem teríamos chegado até aqui. Estaríamos todos organizados e divididos em hordas armadas, a impor a lei do mais forte, buscando eliminar os nossos inimigos, em vez de testar forma de convivência com adversários segundo regras reconhecidas como válidas por todos os contendores.

Esses fundamentos vêm perdendo força. A agressão ao pacto civilizatório sempre tem cores locais, segundo a história de cada país. Nos EUA, os inimigos da democracia infestaram, por exemplo, o Partido Republicano, e a violência institucional têm um caráter exclusivamente civil — lá, note-se, os militares realmente influentes fecharam questão em defesa do resultado das urnas e contra o golpe. Por aqui, a investida contra fundamentos do estado democrático e de direito reacendeu tentações intervencionistas das Forças Armadas, ainda que sejam militares da reserva a se manifestar, mas sempre em estreita conexão com os quarteis, como se sabe.

Colunas de notas foram infestadas pela suposição de que Moraes poria fim ao inquérito das "fake news", aberto de ofício por Dias Toffoli ainda em março de 2019. Tal fim seria parte de uma espécie de acordo com Bolsonaro e seria costurado, nos bastidores, por André Mendonça. Nesta sexta, o próprio presidente defendeu um dos dois ministros que indicou para o STF e sugeriu que ele estaria cumprindo uma missão.

Moraes chamou a especulação de "fake news" no seminário sobre... "fake news":
"A desinformação é tanta que, às vezes, até a imprensa tradicional repete 'fake news'. Hoje saiu uma notícia de que o Supremo quer arquivar o inquérito das 'fake news'. Isso é uma 'fake news'. Não vai arquivar inquérito das 'fake news' porque nós estamos chegando nos financiadores. A investigação tem seu momento público e o momento sigiloso, que, na maioria das vezes, é mais importante".

BARROSO
Roberto Barroso, cuja fala foi motivo de uma nota irada e infundada do Ministério da Defesa na semana passada, participou de um seminário nesta sexta no Tribunal Regional Eleitoral do Rio. Defendeu a segurança das urnas e lembrou uma vez mais que não há notícia de fraude em apuração no país desde 1996.

E repetiu uma frase que deveria ser divisa dos regimes democráticos, tema tratado, diga-se, por Karl Popper na obra "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos": a democracia "tem lugar para conservadores, liberais e progressistas; só não tem lugar para quem quer destruí-la".

Na mosca! Ou seremos tão democratas a ponto de deixar que prosperem os que intentam destruir o que nos faz livres? Democratas sempre. Estúpidos nunca! O curioso é que o alvo de Popper não era a extrema direita, que hoje concentra as forças disruptivas. A esquerda revolucionária não tem importância hoje em nenhum lugar do mundo.

FACHIN
Também Edson Fachin, integrante do Supremo e presidente do TSE, falou nesta sexta, em entrevista no TRE do Paraná. Comentou a sugestão feita por Jair Bolsonaro -- que este atribuiu às Forças Armadas -- de os computadores dos quartéis fazerem uma espécie de controle externo da apuração eleitoral de competência do TSE, o que é uma sandice, já rejeitada por Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado.

Afirmou o ministro:
"Não há poder moderador para intervir na Justiça Eleitoral. Colaboração, cooperação e, portanto, parcerias proativas para aprimoramento, a Justiça Eleitoral está inteiramente à disposição. Intervenção, jamais!"

O ministro acrescentou:
"Ao contrário do que se alardeia na selva das narrativas falsas, no terreno sujo da fabulação, a inexistência de fraudes [no sistema eletrônico de votação] é um dado observável, facilmente constatável pela aplicação dos procedimentos de conferência já previstos em lei".

TUDO ÓBVIO
Voltem lá ao primeiro parágrafo deste artigo. Perceberam como os ministros não iluminam caminhos novos e libertadores do direito; não se dedicam a especulações teóricas que ofereçam uma nova perspectiva; não anteveem auroras??? Poder-se-ia dizer: "Mas isso não cabe mesmo a membros da Suprema Corte". Se não falassem como juízes de causas em curso no tribunal, não veria mal que se expressassem como pensadores.

Mas observem: todos eles estão a nos oferecer apenas uma espécie de ração necessária de racionalidade porque a insanidade, promovida pelo presidente da República e por seus acólitos, tomou conta do debate. E chega a contaminar a imprensa. Não é raro que se detecte o germe do ataque às instituições mesmo em colunas e reportagens de jornalistas que jamais endossariam ações golpistas. E há, claro!, os que endossam.

Obviamente, não estou a criticar os ministros que falaram. Fizeram muito bem. A democracia está sob ataque. E há muita gente que ainda não se deu conta da gravidade do que está em curso.

Então é preciso ser óbvio.