Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Delírios do cérebro liquefeito de Bolsonaro: quer estatizar a privatização!
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O cérebro de Jair Bolsonaro é uma papa de rancor e ódio. Jamais — e isto seus superiores tinham notado quando integrava as fileiras do Exército — um pensamento racional passou por ali e foi reconhecido por seus neurônios. Em um troço semelhante a uma entrevista que foi ao ar ontem, dedicou-se a uma de suas obsessões recentes: atacar a Petrobras. Admitiu que a demissão de Bento Albuquerque das Minas e Energia — com a consequente nomeação de Adolfo Sachsida para o cargo — e a troca, já definida, do presidente da empresa buscam, sim, interferir na política de preços. Nesta segunda, as Bolsas no mundo tiveram uma reação positiva, dados os sinais de que a China pode amenizar os rigores de sua política de "Covid Zero". No Brasil, o índice caiu. Um dos destaques negativos foi justamente a... Petrobras.
Há uma tolice em curso — inclusive nas palavras de colunistas do miolo mole — de que extremistas polarizam a disputa no país. É uma estupidez porque Bolsonaro encarna um extremo, mas Lula está muito distante do outro. Ainda que notavelmente desinformada e desarticulada, a postulação do atual mandatário está adequada ao figurino da militância fascistoide mundo afora. Mas o cara pode, a depender das ondas que se formam em seu cérebro liquefeito, falar como um populista de esquerda.
BOLSONARO ANTICAPITALISTA E ANTI-IMPERIALISTA
Num dos seus ataques de ódio à Petrobras, afirmou a seguinte pérola:
"A Petrobras, no momento, não tem qualquer responsabilidade e quer mais é arrancar dinheiro do povo. Quanto mais caro está o combustível, mais eles ganham, mais eles pagam para os acionistas, mais eles mandam para fora do Brasil".
Uau! Imaginem se o petista Luiz Inácio Lula da Silva dissesse algo parecido. Alguns antilulistas de plantão, em seus delírios de extremo-centristmo provecto, tartamudeariam palavras de indignação, convocando perdigotos antediluvianos para acusar o candidato do PT de inimigo do capitalismo e das leis de mercado. Se Bolsonaro fosse um vinho azedo, os "sommeliers" do mercadismo identificariam até mesmo notas de anti-imperialismo do século passado, temperadas com o papo-furado de populismo ancestral.
Mas sabem como é... Há o mito — sem trocadilho — de que ele seria um candidato "do mercado". Como Paulo Guedes é seu homem "de mercado", então essa ilusão tola ainda prospera. Alguém poderia ter lembrado, numa entrevista que fosse a sério, que a Petrobras pagou à União R$ 44 bilhões de dividendos no primeiro trimestre. Assim, o acionista que mais lucrou foi o governo. Se seu homem "de mercado" quisesse ter criado uma política especial para diesel e o gás, que não fosse mero remendo eleitoreiro, teria recursos oriundos dos lucros da Petrobras. Isso para começo de conversa. Goste-se ou não dessa solução — e não estou entre os que idolatram a política de preços da empresa —, seria melhor do que esse rancor de tio ranzinza do Zap.
E, como se nota, Bolsonaro está preocupado com os "que mandam [dinheiro] para fora do Brasil"... É mesmo?
A ESTATIZAÇÃO DA PRIVATIZAÇÃO!!!
Em seguida, veio a conversa sobre a privatização. Nestes termos:
"Olha, a privatização na Petrobras, se der tudo certo, vai levar quatro anos. Logicamente, vai ser um negócio complicado. O que não pode é a Petrobras ser uma semi-estatal e com monopólio no Brasil. Aí não dá. Eles decidem lá, 'Vou aumentar hoje a noite o diesel', e aumenta hoje à noite o diesel. Não quer nem saber".
De novo é o cérebro líquido em um de seus momentos revoltosos. Afinal, o contexto faz sugerir que a eventual privatização da empresa a levaria, então, a ter uma outra política de preços, que não a atual, que é a da quase paridade com as variações do barril do petróleo, levando em conta também a flutuação cambial. A propósito: o dólar teve uma apreciação de 0,33% nesta segunda. Por culpa de Bolsonaro. O cara é uma das causas do flagelo que ele mesmo aponta. Tivesse a grandeza dramática de um Édipo, furaria os próprios olhos. Mas ele é personagem bem mais mixuruca do que isso. Prefere transferir as culpas.
Na noite desta segunda, Sachsida fez a recomendação oficial ao Ministério da Economia para a qualificação da Petrobras para o Programa de Parcerias de Investimentos. Assim, podem ter início os estudos para uma possível privatização. Os trabalhos, sabem-se lá quais — têm de ser feitos por integrantes das duas pastas. Deixem a turminha gastar um pouco mais de recursos públicos até outubro ao menos... Imaginem o tédio de se dedicar a um trabalho que já se sabe inútil, que não vai dar em nada...
No seu "conversê", o presidente admitiu, finalmente, que operou a mudança nas Minas e Energia e decidiu substituir, na presidência da Petrobras, José Mauro Coelho por Caio Paes de Andrade porque pretende interferir na política de preços da empresa. Disse:
"O que nós estamos tentando fazer agora, via MME [Ministério de Minas e Energia], que foi trocado o ministro... Ele quer trocar o presidente da Petrobras, para colocar uma nova diretoria para que os números da Petrobras sejam expostos para a opinião pública, e não ser praticamente uma caixa-preta como é hoje em dia".
Pode-se não gostar da política de preços da Petrobras — e eu nem sou, reitero, um de seus maiores admiradores, mas essa é questão bem mais complexa, que demanda outra política pública para combustíveis. Mas, hoje, ela tem uma gestão transparente e sujeita a controles públicos e privados porque a tanto a obriga a sua condição de empresa de economia mista.
Na loucura líquida de Bolsonaro, se a Petrobras fosse privada, o combustível que sai das suas refinarias seria mais barato... Por quê? De resto, inexiste lei que a premie com o monopólio. É preciso que outras gigantes topem competir. Imaginem se iriam querer entrar num ramo que, como se vê, pode estar sujeito aos chiliques de um presidente... Bolsonaro quer estatizar a privatização!!!
A propósito: Guedes, o "do mercado", fala na privatização da empresa com outro viés. O objetivo não seria baratear combustíveis, mas dividir o resultado com o povo... Seja lá o que isso signifique. Tudo indica que os recursos acabariam, então, virando custeio da máquina. A ser assim, com três gestões "modelo Guedes", seria preciso vender o próprio Palácio do Planalto. E os pobres continuariam pobres.
OS PLANOS DE SAÚDE
Bolsonaro expressou ainda seu descontentamento com o reajuste dos planos de saúde. Disse, pouco antes de anunciar sua intenção de intervir mesmo nos preços da Petrobras:
"Aumentar 15% o plano de saúde... Tinha que falar um palavrão aqui, não vou falar. Não é justo. Mas passa lá pela ANS. A Petrobras não passa por mim. Ela é praticamente autônoma agora."
É impossível tentar entender o que ele quis dizer. A Agência Nacional de Saúde Suplementar é o ente regulador ligado ao ministério da área que cuida dos planos de saúde. Parece dar a entender que, embora ele seja contrário ao teto de reajuste autorizado — na verdade, de 15,5% —, há, ao menos, a autorização de um órgão oficial.
Então ele defende que também o preço dos combustíveis esteja sujeito a uma agência reguladora? Ninguém sabe. Até porque, como se nota, ficou com vontade de dizer um palavrão, não de apresentar uma proposta ou solução.
No fim das contas, Bolsonaro só está a fim de se livrar da responsabilidade de governar, transferindo a terceiros a culpa por sua brutal e escandalosa incompetência.
O cara está assustado porque as pesquisas indicam que o povo vai apeá-lo do cargo. E ele finge acreditar que foi colocado naquela cadeira por Deus. É bem verdade que, no Velho Testamento, o Altíssimo costumava mandar alguns flagelos aos pecadores... O pecado maior, convenham, foi cometido por aqueles que o elegeram. Obra, como fica claro, dos eleitores, não de Deus.
Parece que vão corrigir a besteira. Mas a eleição só acontece em outubro. Está longe ainda.