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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

TCU: Por que Deltan e Janot, futuros inelegíveis, foram condenados mesmo?

Nas redes sociais, Deltan Dallagnol fazia pouco caso do julgamento, na certeza da impunidade. E o ministro Bruno Dantas, do TCU, que votou pelo ressarscimento de mais de R$ 2,8 milhões aos cofres públicos, no que foi seguido pelos demais ministros da 2ª Câmara do TCU - Reprodução
Nas redes sociais, Deltan Dallagnol fazia pouco caso do julgamento, na certeza da impunidade. E o ministro Bruno Dantas, do TCU, que votou pelo ressarscimento de mais de R$ 2,8 milhões aos cofres públicos, no que foi seguido pelos demais ministros da 2ª Câmara do TCU Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

09/08/2022 23h30

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Mesmo agora, depois de tudo, de tanto desastre, fica fácil saber por que a Lava Jato pavimentou o caminho para a ascensão de Jair Bolsonaro, que, por seu turno, empurrou o país para a beira do abismo. Na verdade, em muitos aspectos, estamos em queda livre, sem um fundo em que parar. Infelizmente, a "doxa" que se apoderou da imprensa é a principal responsável pelos desatinos.

Por que isso? Vamos ver. A 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União, como sabem, condenou Rodrigo Janor, ex-procurador-geral da República; Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato, e João Vicente Beraldo Romão, ex-procurador-chefe da Procuradoria da República do Paraná, a devolver aos cofres públicos mais de R$ 2,8 milhões (para ser preciso: R$ 2.831.808,53) referentes a pagamentos considerados irregulares de diárias e viagens a membros da força-tarefa. Cabe recurso. Se a decisão for confirmada, a Lei da Ficha Limpa diz que estão inelegíveis. Dallagnol já está em campanha eleitoral. Janot tateia.

A condenação deriva da chamada "tomadas de contas especial", instaurada a pedido do Ministério Público que atua junto ao tribunal. Não! Janot não foi condenado porque autorizou a força-tarefa. Era seu papel decidir. Dallagnol não foi condenado porque coordenou o troço. Também era uma atribuição sua. Da mesma forma, Romão não foi condenado porque tomou providências para operacionalizar a dita-cuja. Afirmá-lo, como leio por aí, é uma distorção miserável do processo. É lavajatismo a serviço da empulhação.

A condenação se deu porque se considerou que, no cumprimento de seu dever, o trio tomou decisões que atentaram contra a economicidade; porque houve, nas palavras do relator, ministro Bruno Dantas, "pagamento desmedido de diárias, sem a devida fundamentação e análise de alternativas legais mais econômicas".

O fato de cada um ter atuado dentro da sua competência não legitima, por si, as decisões. Lembra, mais uma vez, o relator:
"A doutrina não encontra qualquer dificuldade em admitir que atos discricionários praticados dentro dos estritos marcos legais devem ser revistos se, por exemplo, violarem princípios constitucionais, adotarem solução flagrantemente desarrazoada, não se lastrearem em motivação adequada ou forem cometidos com desvio de finalidade".

Avanço com considerações de Bruno Dantas:
"A opção adotada pela Procuradoria-Geral da República não representou o menor custo possível para os cofres públicos. Ao contrário, garantia aos procuradores participantes o auferimento de vultosas somas a título de diárias, sem que tenham sido minimamente analisadas alternativas mais interessantes sob a perspectiva do Estado. Ou que tenham sido criadas limitações efetivas para que os valores recebidos não extrapolassem o razoável, financeiramente e temporalmente, sob a perspectiva do interesse público."

ABERRAÇÕES
Peço que o leitor fique atento a estas aberrações, que estão no voto de Dantas, algumas delas já veiculadas em reportagens:

"Examinando as informações, encontram-se casos como o do Procurador da República Diogo Castor de Mattos, que recebeu R$ 373 mil em diárias referentes a estadias em Curitiba para atuar na força-tarefa de 2014 a 2019, mesmo residindo naquela capital à época dos trabalhos."

Caso semelhante seria o de Orlando Martello Júnior, oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora residente em Curitiba. O deslocamento do procurador à capital do Paraná no período de 2014 a 2021 resultou no pagamento de R$ 438 mil em diárias, além do dispêndio de R$ 70 mil em passagens."

Vocês entenderam direito. Castor de Mattos morava em Curitiba, mas, ainda assim, recebeu diárias como se estivesse trabalhando fora de sua base. Outro havia, de fato, se deslocado para São Paulo, mas passou a residir na casa da mulher, que morava na Capital do Paraná. Ainda assim, levou a bolada em diárias e passagens. Atenção: todos recebiam, à época, auxílio-moradia. No caso de Martello Júnior, dois: o dele próprio, que havia se transferido para a capital paulista antes de ser deslocado de novo para a terra natal, e o do da mulher, que seguiu atuando no Paraná.

Vocês não acham que há mesmo, como ele diz, uma odiosa perseguição a Dallagnol, este gigante moral? Calma. Relembro mais:

"Ainda considerando somente os deslocamentos para Curitiba e a estadia naquela capital, tem-se os casos de Carlos Fernando dos Santos Lima, que atuou na Lava Jato de 2014 a 2018 e recebeu R$ 306 mil a título de diárias, além de ter dado ensejo ao pagamento de passagens que somaram mais de R$ 40 mil; de Antonio Carlos Welter, que recebeu R$ 440 mil em diárias e deu origem a gastos de R$ 108 mil com passagens; de Januário Paludo, a quem foram pagos R$ 340 mil em diárias e que deu causa ao pagamento de R$ 64 mil em passagens; de Isabel Cristina Groba Vieira, que recebeu R$ 323 mil em diárias e deu origem a gastos de R$ 82 mil em passagens; e de Jerusa Burmann Viecili, a quem foram pagos R$ 158 mil em diárias e que deu causa a dispêndios de R$ 28 mil em passagens.
Denota-se que um pequeno grupo de procuradores - que, de modo algum, retrata a imensa maioria dos membros do Ministério Público Federal - tenha descoberto uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos, no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas.

Fica evidente que o modelo construído atenta contra o princípio da impessoalidade, tanto por privilegiar os agentes administrativos em detrimento do interesse público, quanto por não adotar critério imparcial, objetivo e transparente para a escolha desses mesmos agentes."

DEFESA FRÁGIL
Ao se defender, o trio justificou basicamente que cumpria a sua função e que órgãos superiores do Ministério Púbico haviam aprovado o modelo da força-tarefa. Dizer o quê? O óbvio, e estas palavras são minhas, não de Dantas: a competência para decidir não justifica qualquer decisão, mesmo a absurda, como pagar diária típica de deslocamento para outra cidade a quem tem residência no município em que funciona a força-tarefa.

De resto, ainda que o modelo dispendioso se justificasse por algum tempo e que não houvesse aberrações, seria o caso de repensar o modelo quando se constatou que a força-tarefa teria longa duração. Agora, sim, nas palavras de Dantas:
"Ou seja, apesar do rápido agigantamento e perpetuação da Operação Lava Jato e da complexidade cada vez maior dos trabalhos, em nenhum momento seu líder e coordenador ou o gestor máximo da PGR atentaram-se para a necessidade de reavaliar o modelo de custeio eminentemente temporário da força-tarefa, que seguiu sua lógica de designação imotivada de membros e pagamento continuado de altos valores em diárias e passagens a procuradores que declaravam residência em outras cidades."

CONFISSÃO?
O ministro-relator nota que, já à época da constituição da força-tarefa, havia um modelo mais econômico para levar adiante o trabalho da Lava Jato: o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado -- ou Gaeco. Curiosamente, a própria defesa de encarregou de explicar que a escolha da força-tarefa tinha uma razão: dinheiro. Reproduzo:
"Mesmo a recente substituição do modelo forças-tarefas pelos atuais Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), cuja operacionalização era difícil à época da constituição da lava-jato, porque ainda não tinham forma remuneratória definida em lei, e, sem remuneração, poucos membros se interessavam a assumir trabalho extraordinário, precisou da prorrogação da lava-jato em, pelo menos, um ano, para a transição após a escolha do novo modelo pela gestão que assumiu o parquet no biênio 2019/2021."

É uma defesa que vale por uma confissão.

CONDENAÇÃO
Constata, então, o relator:

"Resta constatado nos autos, portanto, dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo e antieconômico (Regimento Interno do TCU, art. 209, incisos II e III), cenário que demanda julgar irregulares as contas especiais dos responsáveis pela adoção do referido modelo de custeio com base em diárias e passagens, em especial considerando os princípios da economicidade e da impessoalidade (Lei 8.443/1992, arts. 1º, inciso I, 5º, inciso II, e 16, c/c Regimento Interno do TCU, art. 209), condenando-os ao pagamento do débito apurado nos autos e aplicando-lhes multa individual nos termos do art. 57 da referida Lei. Outrossim, as condutas amoldam-se, em tese, ao disposto na Lei 8.429/1992, no que trata da prática de ato doloso de improbidade administrativa, cuja aferição poderá ser feita pelo Poder Judiciário em ação própria".

Os três outros ministros da 2ª Câmara acompanharam o voto de Dantas: Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Antônio Anastasia.

INELEGIBILIDADE
Nas redes sociais, Dallagnol vinha fazendo pouco caso do julgamento. Num deles, de agasalho, come pipoca e finge espanto com o julgamento, dando a entender que não estava nem aí. Agora usa a condenação para fazer proselitismo político, buscando mobilizar seus admiradores nas redes sociais.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, a condenação torna a todos inelegíveis, mas isso não é declaração que cabia ao TCU. É uma atribuição da Justiça Eleitoral. Sim, eles vão recorrer. Sabem que dificilmente o resultado será revertido. Pode-se mesmo dizer que a possibilidade está no território do impossível.

Há um cheirinho de que já se preparam para travar a luta na Justiça Eleitoral.

Ah, sim: os demais procuradores acabaram absolvidos. O tribunal acatou a tese por eles esgrimida de que receberam o dinheiro de boa-fé. Huummm... Não sei se notam: na prática, os colegas de Dallagnol e Janot os jogaram na fogueira. Correspondeu a um "só recebi porque eles pagaram".

Aquela personagem do querido Jô Soares diria: "Muy amiiiigos..."