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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Violência retórica, fake news e demonização de Lula, que resiste, crescerão

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Imagem: Reprodução; Reprodução

Colunista do UOL

20/10/2022 05h58

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A violência retórica das Michelles e Damares e de pastores convertidos em cabos eleitorais, transformando denominações religiosas em verdadeiras máquinas de campanha eleitoral, tende a aumentar. E o mesmo vai acontecer com a impressionante avalanche de "fake news" nas redes sociais. Quanto maior a radicalização, menor a chance de que o Brasil entre no prumo. E por que tudo tende a piorar? Não é só a proximidade do pleito que conta. Vamos lá.

Vistos os números gerais do Datafolha, por exemplo, não haveria por que o PT ficar muito preocupado. Afinal, em 15 dias, a diferença entre Lula e Bolsonaro teve uma redução de apenas um ponto percentual: de 49% a 44% (índices repetidos na semana passada) para 49% a 45% em favor do petista agora. A largada, convenham, já não era lá tão confortável. Assim, hoje, os dois candidatos, no instituto, estão empatados na margem de erro, embora esse empate seja pouco provável porque seria preciso considerar margem inferior de Lula e a superior de Bolsonaro. Indecisos são 3%; brancos e nulos, 5%. Nos votos válidos, a diferença é de quatro pontos: 52% a 48%. Na semana passada, 53% a 47%.

Dados de outros institutos têm de ser lembrados aqui. Na pesquisa Quaest, divulgada na manhã desta quarta, o petista tem 52,8% dos válidos, por um sistema que já pondera possíveis abstenções, e o atual presidente, 47,2%. Na semana passada, 53,4% a 46,6% e, na anterior, 53,9% a 46,1%. Pesquisa Ipespe divulgada anteontem, apontou 53% a 47% nos válidos — há duas semanas, 54% a 46%. Quando medidos os votos apenas entre os que dizem ter muito ou algum interesse em eleição, a vantagem de Lula cai para quatro pontos: 52% a 48% — nesse caso, o que se busca estimar é uma possível abstenção. Pesquisa Ipec de segunda apontou 54% a 46% para Lula — no dia 5, 55% a 45%.

Como se pode notar, todos registram uma tendência de diminuição da diferença. Não se cuida aqui de comparar números de institutos distintos, mas de destacar que todos registram a mesma coisa. E agora volto lá ao início. Por que se afirma que há risco de aumentar da violência retórica e a baixaria?

Bolsonaro foi colhido por suas próprias palavras com a história das meninas venezuelanas, aquelas com as quais teria "rolado um clima". Ocorre que prostitutas não eram. E ele fez essa acusação em público ao menos três vezes. Ao gravar um vídeo com suposto pedido de desculpa, preferiu atacar as esquerdas. A coisa caiu como uma bomba nas redes sociais. Mas, como se nota, segundo as pesquisas, não tirou votos do presidente. Sua performance eleitoral pode até ter melhorado — ainda que os números se mexam dentro da margem de erro.

A arruaça que os bolsonaristas provocaram em Aparecida e que passaram a promover nas missas não parece ter causado especial repulsa aos católicos. A maioria vota em Lula, mas os que estão com Bolsonaro com ele permaneceram. Assistimos a cenas inéditas, com fiéis interrompendo a missa para fazer pregação contra o comunismo e a famigerada "ideologia de gênero", que ninguém sabe o que é.

A pregação em igrejas evangélicas segue o ritmo da imaginação de criminosos disfarçados de religiosos, com a acusação insana de que, se vitorioso, Lula vai fechar igrejas. Nesta quarta, Damares Alves (aquela da história pavorosa dos bebês) e Michelle estiveram em São Paulo em evento, digamos, político-religioso. A primeira-dama falou em livrar o país do "câncer". Era um culto-comício com a participação dos bispos Sônia e Estevam Hernandes, fundadores da igreja Renascer.

Lá estava Tarcísio de Freitas, citando trechos da Bíblia. Damares gritou: "Pedófilos de todo o Brasil, eu, o Tarcísio e o Bolsonaro vamos pegar todos vocês".

NOTÁVEL RESILIÊNCIA
Acrescente-se: o volume de mentiras é tão avassalador e o uso da máquina em favor de Bolsonaro é de tal sorte despudorado que se deve destacar a notável resiliência de Lula. Não é fácil enfrentar essa combinação. E é pouco provável que um outro líder conseguisse. Vejam o que o bolsonarismo fez com o bom governo de João Doria, que não é de esquerda.

A história de que parte da resistência a Lula deriva das investigações conduzidas pela criminosa Lava Jato e de que o petista deveria ter feito autocrítica para diminuir resistências é pura conversa para embalar tolos. No fundo, é uma tentativa de amenizar os crimes do bolsonarismo, isto sim. Doria aplicou a primeira vacina contra covid-19 no país, enfrentando um governo negacionista e com uma política de saúde homicida. Foi massacrado, e sua gestão não tinha passivo ético nenhum. Ao contrário: buscou compor com a Lava Jato. Nem sequer conseguiu tornar viável a sua candidatura.

Lula segue favorito, apesar de tudo.

A democracia brasileira tem um desafio: como enfrentar essa máquina de destruir reputações e instituições. O preço da inércia será a "hungarização" do país.

DE VOLTA AO COMEÇO
Como se vê, dado o padrão ético da turma, não há por que mudar nem estratégia nem armas. Lula fez uma carta aos evangélicos. Não há uma só mentira no texto. Igrejas pentecostais tiveram um crescimento fabuloso durante os governos petistas. Jamais houve perseguição. Ao contrário. Marcello Crivella, da Igreja Universal, foi ministro da Pesca do governo Dilma. A expansão de templos se deveu, em boa parte, ao aumento real do mínimo e ao Bolsa Família. Os pobres passaram a ter dinheiro para pagar o dízimo.

Se a campanha foi notavelmente suja até aqui, esperem para ver os próximos dez dias. Esses valentes estão numa luta em que a única coisa inaceitável é perder. Fraudaram a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Eleitoral para tornar Bolsonaro competitivo. Por que teriam algum prurido ético?