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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Radiografia política do Ministério de Lula; histéricos já começaram a errar

O que fazem esses "Fernandos Pessoas" em série a ilustrar um texto sobre o Ministério de Lula? O texto explica - Reprodução
O que fazem esses "Fernandos Pessoas" em série a ilustrar um texto sobre o Ministério de Lula? O texto explica Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/12/2022 21h05

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Um dos motivos centrais da rabugice agressiva contra o governo Lula, que nem começou, era o dito apetite do PT para ocupar a Esplanada dos Ministérios e sua suposta — ou pressuposta — incapacidade de dividir o poder. O presidente eleito concluiu as 37 indicações do seu Ministério. A bola de cristal do terrorismo antecipatório falhou. O partido que venceu as eleições vai ficar com 10 pastas. MDB, PSD e União, que não o apoiaram, terão nove. Avancemos um pouco.

Olhemos para os 10 cargos dos petistas no primeiro escalão:
1- Fazenda: Fernando Haddad:
2 - Casa Civil: Rui Costa;
3 - Secretaria das Relações Institucionais: Alexandre Padilha;
4 - Educação: Camilo Santana;
5 - Desenvolvimento Social: Wellington Dias;
6 - Secretaria-Geral da Presidência: Márcio Macêdo;
7 - Secretaria de Comunicação Social: Paulo Pimenta;
8 - Mulheres: Cida Gonçalves;
9 - Trabalho: Luiz Marinho;
10-Desenvolvimento Agrário: Paulo Teixeira

Oh, um petista está no coração do novo governo: Fernando Haddad. Houve muxoxos de desagrado. Vai ver Lula devesse ter escolhido um adversário do seu partido. Isso é conversa de loucos ou de picaretas. Casa Civil e Secretaria de Relações Institucionais vão cuidar de integração entre pastas e articulação política. Mais conversa do que recursos. Os Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social são "de entrega", claro!, e estão diretamente ligados a políticas sociais. Mas Lula não foi mesquinho nesse caso: dividiu o Orçamento com aliados e até nem tanto, como se verá.

Secretaria-Geral da Presidência e Comunicação Social estão na esfera do que chamo "assessoramento pessoal" do presidente. Não servem para conquistar aliados nem entram em choque com outras forças que compõem a base de apoio. Trabalho, Mulheres e Desenvolvimento Agrário terão muito mais reivindicações do que satisfação de necessidades. Dados os nove partidos representados na Esplanada, quantos disputariam esses lugares? O PT mais cumpre um dever político — e isso não quer dizer que sejam desimportantes — do que goza de um benefício.

AMPLIANDO A BASE
Vamos ver como Lula contemplou as três legendas que não apoiaram o seu nome na disputa presidencial:
MDB:
- Planejamento: Simone Tebet
- Cidades: Jader Filho
- Transportes: Renan Filho

União Brasil:
- Integração e Desenvolvimento Regional: Waldez Góes
- Turismo: Daniela do Waguinho
- Comunicações: Juscelino Filho

PSD
- Agricultura: Carlos Fávaro
- Pesca: André de Paula
- Minas e Energia: Alexandre Silveira

Simone Tebet assumirá o posto incensada por setores consideráveis da imprensa e como uma espécie de contraponto a Haddad — escolha que, já disse, eu não faria. Ela até pode ser qualificada para o cargo, mas é certo que fará uma aposta no seu futuro político, que pode se chocar com as ambições do titular da Fazenda. De todo modo, chega com prestígio. Cidades, Transportes e Integração e Desenvolvimento compõem os tais "ministérios de entrega", que conectam seus titulares — e, pois, seus respectivos partidos — com construção e inauguração de obras. Em escala menor, pode-se dizer o mesmo de Pesca e Turismo. Vale dizer: eventuais descontentamentos da população com o governo não chegam a essas pastas: elas estão mais talhadas para correr para o abraço.

Agricultura e Minas e Energia são ministérios ligados ao financiamento e operação de áreas importantíssimas para a economia brasileira, especialmente no primeiro caso. Se há coisa que não falta no país é recurso para financiar a safra — e por bons motivos. Haverá a conexão direta com um dos setores que mais se aproximaram de Jair Bolsonaro por razões puramente ideológicos. Nem Lula nem Dilma fizeram governos ruins para o agro: muito pelo contrário. Ao escolher, e isso já tem algum tempo, um nome do PSD, Lula opta pelo diálogo, não pela tentativa de convencimento. E, admita-se, falar-se de um setor hostil. Uma nota: Walvez Góes ainda é do PDT, mas entra na cota do União Brasil porque indicado pelo senador David Alcolumbre (DEM-AP)

PSB
A política tem dessas coisas e desses saberes que podem desafiar noções comezinhas que temos do "bom e do belo" em benefício do pragmatismo e até do bem maior. PSB, aliado de primeira hora, que tem Geraldo Alckmin como vice e como futuro ministro da Indústria e Comércio receberá um quinhão de verbas muito menor do que as três legendas acima, que estão sendo atraídas para a base.

A Alckmin, e acho que será bem-sucedido, compete falar com o setor produtivo, diálogo que não está assim tão fácil em razão da estupidez ideológica que tomou conta do país. Vejam a tentativa grotesca de golpe na Fiesp. Na Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino lidará, já está lidando, com alguns dos temas mais sensíveis da política em tempos de fascistização. A Márcio França caberá a pasta de "Portos e Aeroportos. Sim, é um setor essencial, mas de pouca capacidade de, digamos, irradiação política. E olhem que Alckmin é um dos três pré-candidatos a 2026: além dele, o próprio Haddad e Tebet. Aliás, o ex-governador de São Paulo, como vice eleito, tem tido um comportamento admirável.

MARINA SILVA
A volta de Marina Silva (Rede) ao Meio Ambiente não era a primeira inclinação do PT e de Lula. Há, sim, alguns setores, especialmente no agro, que lhe são refratários. Mas o peso de sua militância, também no mundo -- e o Brasil precisa recuperar a credibilidade ambiental e atrair o capital verde --, fez a escolha. Assume uma pasta central para a reputação do Brasil no mundo porque é da Rede? Não! Porque é Marina. A relação custo-benefício contou a favor do seu nome. E isso parece adequado a estes tempos, depois do desastre a que se assistiu na área.

O PDT do irascível (durante a campanha) Ciro Gomes levou a Previdência, com Carlos Lupi. O PSOL fica com a pasta dos Povos Indígenas, e Sônia Guajajara parecia, nesse caso, o nome inescapável. Luciana Santos, do PCdoB, no Ministério da Ciência e Tecnologia, é escolha adequada para tentar tirar a pasta da indigência.

FICARAM COM A IMPRESSÃO DE QUE...
Vocês ficaram com a impressão de que partidos que não apoiaram a eleição de Lula acabaram sendo mais bem-aquinhoados do que outros que abraçaram a causa desde o início? Estou me referindo, claro!, a MDB, PSD e União. A impressão está correta. Mas isso é um acerto de Lula, não um erro. Reflete as negociações que precisou fazer para aprovar a PEC da Responsabilidade Orçamentária, estupidamente demonizada pela imprensa, e a necessidade de constituir uma base de apoio no Congresso.

Na ponta do lápis, as siglas com ministérios representaram 262 deputados (51%) na Câmara e 45 senadores (55%). Mas nem todos apoiarão Lula. Notem que já seria um número insuficiente para aprovar emendas constitucionais ainda que houvesse fidelidade absoluta: 308 deputados e 49 senadores. Será preciso haver muita negociação.

O PARTIDO MAIS BEM-AQUINHOADO
O partido, de fato, mais bem-aquinhoado é daqueles sem filiação partidária: 11 ao todo, a saber:
1 - Defesa: José Múcio Monteiro;
2 - Gabinete de Segurança Institucional: general Marco Edson Gonçalves Dias;
3 - AGU: Jorge Messias;
4 - Controladoria-Geral da União: Vinícius Marques de Carvalho;
5 - Gestão: Esther Dweck;
6 - Relações Exteriores: Mauro Vieira;
7 - Saúde: Nísia Trindade;
8 - Esportes: Ana Moser:
9- Cultura: Margareth Menezes;
10- Igualdade Racial: Anielle Franco;
11- Direitos Humanos: Silvio Almeida

Ainda que se possa argumentar que as seis primeiras pastas são mesmo menos afeitas à distribuição entre partidos, certamente haveria demanda para as demais. Peguemos o caso da Saúde, o maior Orçamento da República: Lula preferiu entregá-la a um especialista da Fiocruz.

Vai dar certo? Não sei e não tenho bola de cristal. Olhando a distribuição final, dá para afirmar, sem medo de errar, que Lula já começou contrariando a rabugice militante. Se não me engano, estava sendo acusado de se parecer mais com o governo "Dilma 2" do que com o "Lula 1", sugerindo-se, com isso, que havia um acento excessivamente à esquerda, o que sempre achei besteira.

Os mesmos que batiam nessa tecla agora insinuam que Lula resolveu ganhar um pedaço da direita distribuindo ministérios... Tenho para mim que, até agora, fez o possível para aprovar a PEC da Responsabilidade Social, contra todos os prognósticos, e atuou para garantir uma base substantiva. Se não me engano, quando veio a público a composição do futuro Congresso, com a divulgação do resultado do primeiro turno, uns e outros andaram a sugerir que não conseguiria governar porque teria um Congresso majoritariamente hostil.

É claro que há alguns varões de Plutarco no elenco dos 37 que eu gostaria de ver longe de qualquer governo. Mas, no caso, tenho de encerrar com versos do poema "Tabacaria", de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa):
"O mundo é para quem nasce para o conquistar?
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão."

Em política, é melhor conquistar o possível do que ter razão sobre o impossível.

A esfera do meramente possível costuma render má literatura, assim como a do impossível costuma render má política, quando não uma tragédia sangrenta.