Veja por que ações da OAB e do Novo contra decisão de Moraes são aberrações
Que o ultrabolsonarista Partido Novo tenha decidido entrar com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo contra a suspensão do X, medida já referendada pela Primeira Turma, vá lá... Os valentes da legenda deixaram claro, na prática, com a publicação de uma sequência de ataques a Moraes e ao STF, que eles não esperam nada do tribunal. Num vomitório de delinquência política rara até na banda -- ou bando -- "heavy metal" do "Capitão", o Novo afirma entre outras preciosidades:
- "descumprir ordens ilegais é um dever";
- "os demais ministros dos STF são 'cúmplices' de Moraes";
- "vamos às ruas cobrar o impeachment de Alexandre".
Logo, deve-se concluir que:
- o Novo acha que quaisquer pessoa ou ente descontentes com decisão judicial devem se comportar como juízes dos juízes;
- para o partido, a Corte não tem autoridade nem mesmo para julgar a ADPF a que ele próprio apela, já que formada por "cúmplices";
- a legenda não espera uma decisão favorável do tribunal; quer é a cabeça do ministro.
O relator da ação é Nunes Marques. Imaginem, então, os leitores que o magistrado, ao examinar a peça que lhe foi apresentada, deve ter em mente que:
- se ele não concordar com o Novo, este não se sente obrigado a ser reverente à sua decisão; logo, ele é um juiz inútil "ab ovo";
- também Nunes Marques não passa de um dos cúmplices;
- o partido está apenas brincando de ADPF.
Atenção, leitores! Isso tudo é um exercício elementar de lógica que, de qualquer modo, nem se aplica ao caso. A razão: simplesmente inexiste ADPF contra decisão de ministro da Corte. E vou explicar por quê.
E A OAB?
Bem, nem eu nem ninguém nos surpreendemos que seja esse o caminho do Partido Novo. Dali pode sair qualquer coisa, muito especialmente o absurdo.
Mas e quando se trata da Ordem dos Advogados do Brasil? Se o tal partido é o fundo do poço da política, a Ordem decidiu ser o alçapão.
Também por meio de uma ADPF — esta assinada pelo presidente do Conselho Federal, Beto Simonetti, pelos diretores da entidade e por seus presidentes de seccionais —, a OAB resolveu questionar a aplicação de multa a quem recorrer ao VPN para acessar o X.
Examinado o texto nas suas minudências, há coisas lá de humor involuntário, sobre as quais não me estenderei para que o artigo não fique (mais) gigantesco e pedregoso.
O fato mais escandaloso dessa iniciativa, igualmente relatada por Nunes Marques, é a tentativa, à moda Partido Novo, de recorrer à ADPF contra decisão monocrática de ministro da Corte, referendada por um colegiado.
O instrumento, e é claro que os doutores sabem disto, é descabido. O Novo quer apenas perturbar o STF e, vá lá, a seu modo, é mais honesto do que a OAB porque confessa que seu objetivo é depor Moraes.
A turma da OAB usa o peso da entidade, parece-me, com o fito de intimidar o tribunal, quase como a indagar com viés ameaçador: "Vocês terão coragem de não nos atender? Olhem quem assina..."
PARA QUE SERVE?
Uma ADPF, como sabem os advogados e juristas, não é a casa-da-mãe-joana. Como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, é regulada pela Lei 9.882, a saber:
"Art. 1º A arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição".
Então a ADPF é pau para toda obra? Não. O Parágrafo 1º do Artigo 4º da Lei define:
"§ Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade."
E é nesse ponto que a OAB decide, mais uma vez, navegar em águas turvas. Por quê? Ora, não havendo, então, outro instrumento possível para derrubar a decisão de um ministro, referendada pelo Turma, os valentes tiveram uma ideia: "Apelemos à ADPF".
Esperem aí!
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OLHAR APURADO
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Quero receberO fato de a lei dizer que só se recorre à ADPF quando não couber nenhum outro instrumento de controle de constitucionalidade não quer dizer que ela será cabível SEMPRE que os demais forem impróprios, entendem? Com a devida vênia, é uma leitura do recurso que se mostra ou malandra ou asnal.
Fosse como querem os doutores, em vez de a ADPF ter um emprego extremamente restrito, ela seria o "emplasto Brás Cubas" para curar a melancolia dos que fossem contrariados pelo Supremo.
Fosse como querem os doutores, a ADPF corresponderia a uma reforma do Artigo 102 da Constituição, sem passar pelo Congresso, e do Regimento Interno do STF, sem passar pelo tribunal. Por quê? Ora, ninguém mais se conformaria com uma derrota em decisão monocrática ou colegiada... Tome ADPF para levar a questão para o pleno! E, por isso mesmo, não se tem notícia de admissão de tal instrumento contra decisão de ministro da Corte. O fato de ela ter sido referendada por um colegiado é um adorno no disparate.
Fosse como querem os doutores, a ADPF não seria um instrumento a mais para fazer valer um preceito fundamental, mas uma mera patranha de quem não gosta de uma decisão.
É CLARO QUE OS DOUTORES SABEM
É claro que os doutores sabem. Tenho a impressão de que decidiram navegar na onda contra a Alexandre protagonizada pelos bolsonaristas e incentivada por setores influentes da imprensa. Mundo afora, diga-se, o jornalismo foi majoritariamente crítico a Elon Musk porque reconhece o caráter deletério de sua atuação para as democracias e sua intimidade com populistas de extrema-direita. Em Banânia, apanhou mais quem decidiu que a ninguém se reserva o direito de descumprir decisão judicial ou as leis do país.
O comando da OAB não surpreende porque suas pendengas com Moraes são conhecidas, bem como suas afinidades eletivas com o bolsonarismo, o que ficou claro nas palavras do então presidente na reunião golpista de 5 de julho de 2022. Como vocês poderão constatar no vídeo abaixo, depois de definir um roteiro sobre como melar a eleição, Bolsonaro disse que Simonetti deveria ser procurado porque sua ajuda seria "importantíssima".
O presidente da OAB negou, posteriormente, qualquer proximidade com o golpismo, mas se recusou a assinar o manifesto organizado pela USP em defesa da democracia. Redigiu o seu próprio. Bem mais anêmico.
E olhem que não estou aqui a dizer que a OAB é obrigada a gostar deste ou daquele, embora, dadas as suas atribuições, não pareça aceitável certos adernamentos ideológicos. Mas até isso parece menos grave do pôr sua expertise a serviço de uma leitura absolutamente exótica e deformada do que seja uma ADPF, seja por ideologia, seja por ódio a Moraes. Nessa hora, resta uma mancha que também é de natureza técnica. Afinal, é a OAB que faz o exame profissional que já barrou milhares de candidatos.
Temo o que possa vir no futuro sobre uma eventual questão a respeito do cabimento de ADPFs...
Segue o vídeo com trecho da reunião golpista, em que o "capitão" expressou o sua admiração por Simonetti e a certeza de que contaria com a ajuda do presidente da OAB naquela empreitada tão nobre...
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