Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Meta e um Bolsonaro citam "1984"; é tolice. UE faz projeto parecer refresco

George Orwell e a capa de "1984", um de seus livros mais citados. Seria conveniente que o lessem também. De quem é mesmo aquele olho vigilante hoje em dia? - Reprodução
George Orwell e a capa de "1984", um de seus livros mais citados. Seria conveniente que o lessem também. De quem é mesmo aquele olho vigilante hoje em dia? Imagem: Reprodução

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

E não é que, ao montar a resistência ao PL das "fake news", uma representante de uma das "big techs" — no caso, a Meta — falou uma tontice que seria repetida horas depois pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o filho Zero Três do Mito golpista? É aquele democrata que, em companhia do pai — e de outros — espalhava "fake news" sobre as urnas eletrônicas, que eram potencializadas, depois, pelas plataformas da Meta, entre outras. Voltando um tanto: é o rapaz que disse, na campanha em 2018, que, para fechar o Supremo, bastaria um cabo e um soldado, sem nem precisar de um jipe. Eis, sem dúvida, uma bela companhia quando se trata de defender, como é a mesmo?, a "liberdade de expressão". Explico.

Representantes das "big techs" acharam uma boa ideia marcar um almoço com parlamentares da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo) para armar a resistência ao PL. Sei. Nessa reunião, a senhora Monica Guise, chefe de Políticas Públicas da Meta, criticou duramente o texto. Chegou a dizer que o dever do cuidado — as redes não tolerarem, por exemplo, pregação de golpe de Estado — remetia a uma "obrigação de vigilantismo quase que chinês". Huuummm... Ainda volto a essa questão.

Mas ela resolveu ser mais ousada e apelas à literatura. Afirmou:
"Se eu fosse traduzir para uma linguagem mais comum, que está presente no nosso imaginário até literário, nós entendemos a introdução dessa entidade quase que como um Ministério da Verdade".

Era uma alusão ao livro "1984", de George Orwell. É mesmo?

Esse é um meme que a extrema-direita espalha por aí. Um dos parlamentares que apelaram nesta terça à mesma metáfora tosca foi justamente o Zero Dois, aquele do golpe sem jipe. Quando a representante de uma empresa que reúne Facebook, Instagram e WhatsApp escolhe essas companhias e essa argumentação, estamos diante da evidência de que se trilhou o mau caminho.

Nem ela nem Eduardo e outros citadores leram o livro de Orwell. Se o fizeram, não entenderam. Naquela distopia, jamais uma proposta de regulação estaria fundada na proteção a direitos fundamentais. Nem seria implementada pela via democrática. Lessem o livro, veriam que a coisa mais próxima que temos do universo antevisto por Orwell são justamente as redes sociais e plataformas, que, por intermédio de algorítimos, entre outros instrumentos, podem vigiar hábitos de consumo, de navegação e de leitura.

Se há coisa, senhora Guise, que lembra a "teletela", de "1984", são as redes sociais e plataformas de conteúdo. A senhora errou de companhia e de livro. Ademais, convenham, brandir a "ameaça chinesa" é próprio do terrorismo que fazem as milícias digitais fascistoides. Um deputado do Novo, diga-se, marcou Elon Musk, aquele dos foguetes que explodem, num tuíte, na pegada da diretora da Meta. Escreveu ao chefão do Twitter, em inglês:
"A Câmara dos Deputados do Brasil está prestes a expulsar do país as redes sociais; a liberdade de expressão está sob severo ataque. O projeto de lei de censura é de autoria de um deputado do Partido Comunista. Não podemos deixar o Brasil se tornar a China".

Tão vigilante deputado participou de uma audiência no Senado, no dia 30 de novembro do ano passado, em que se defendeu abertamente que se impedisse Lula de tomar posse. O rapaz nunca falou contra o golpe, mas queria CPI contra o STF e o TSE. Convém que as "big techs" vejam bem a quem dão o braço quando o assunto é democracia e "vigilantismo".

Guise disse ainda, argumentando contra a urgência do projeto, que foi aprovada nesta terça:
"Não faz sentido, com esse nível de consequência, a gente aprovar na correria, aos 48 do segundo tempo, uma proposta que tem tanta novidade e que tem tanta consequência para o ecossistema digital no Brasil".

O debate já dura três anos.

No mesmo almoço, Fernando Gallo, do Tik Tok, não tergiversou:
"Com muita humildade, nós queremos pedir que as senhoras e os senhores parlamentares rejeitem a urgência desse PL e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema".

Ah, sim, quase me esqueço de alertar aquele parlamentar preocupado com o "perigo chinês" que o Tik Tok pertence a uma empresa de tecnologia chinesa chamada ByteDance. Outra lembrança: os carros da Tesla fabricados na China são os mais vendidos pela empresa de Musk. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, é um dos "comunistas" que defendem o texto. Bem, as gigantes têm o direito de escolher os patetas que falam o que querem ouvir.

UNIÃO EUROPEIA
Leio na Folha matéria da AFP:

"A União Europeia publicou nesta terça-feira (25) uma lista com 19 plataformas digitais, incluindo gigantes como Google, Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, que estarão sujeitas a controles mais rigorosos a partir do final de agosto deste ano.
De acordo com as novas regras, as empresas terão de se submeter a auditorias anuais e cumprir procedimentos para combater a desinformação e a retórica de ódio.
Entraram na lista plataformas online e mecanismos de busca que possuem mais de 45 milhões de usuários ativos mensais na UE. O critério de enquadramento é baseado na legislação sobre serviços digitais europeia, que determina que sites com essa quantidade de acessos são considerados "sistêmicos" e requerem observação especial. Também terão controle mais rigoroso.
No caso do Google, a regra afeta o Google Search, o Google Maps, o Google Shopping e o Google Play, assim como o Youtube.
Também foram classificados como empresas gigantes a rede profissional LinkedIn, a App Store do sistema operacional iOS da Apple, a enciclopédia online Wikipedia, o serviço de mensagens Snapchat e o site Pinterest.
A maioria das empresas listadas tem sede nos Estados Unidos, mas a regra ainda inclui plataforma de vídeo TikTok e a de serviço de varejo online AliExpress, ambas da China, assim como o grupo de varejo online de roupas alemão Zalando. O site de reservas de hotéis e passagens aéreas Booking também foi enquadrado, assim como o buscador Bing.
A UE adotou duas leis muito rigorosas, uma sobre os serviços digitais (DSA) e a outra sobre os mercados digitais (DMA), em um esforço para impor ordem às operações dos gigantes digitais no espaço europeu.
A legislação diz que empresas que não cumprirem as regras terão de pagar multas que chegam a até 6% de suas receitas mundiais, e podem até enfrentar uma proibição temporária de operar na Europa.
As companhias terão de expor os seus algoritmos de funcionamento a especialistas da Comissão Europeia (o braço executivo da UE), além de disponibilizar seus dados a pesquisadores selecionados que contem com o respaldo da União Europeia."


ENCERRO
Guise, aquela que partilha citações com Eduardo Bolsonaro e outros extremistas, e o tal deputado aflito devem estar convictos de que a União Europeia está virando uma verdadeira China... Afinal, o PL daqui fica parecendo refresco, dada a regulação em curso por lá.

A verdade é que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que ainda vigora o vale-tudo.

A propósito, Gallo: como é o Tik Tok na China? Vamos lutar para que seja tão livre como será o do Brasil, inclusive depois de aprovado o PL? Topa entrar na minha campanha? Caramba! Acabo de me lembrar: não existe Tik Tok na China.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, Eduardo Bolsonaro é o filho 03 do ex-presidente, e não o 02. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL