Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro, em pele de cordeiro, é a própria candura em entrevista. É mesmo?

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/05/2023 16h37

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Acabo de ler a entrevista de Jair e Michelle Bolsonaro à "Veja". Nada como experimentar o pensamento profundo da tradicional família brasileira, que o casal tão bem representou ao longo de quatro anos. É mesmo do balacobaco.

Leio um homem cortês, educado — que também se manifestou nesta quinta, em visita a Flavio, o filho senador —, e nada remete ao presidente da República que ameaçou o país com golpe de estado dia sim, dia também; que se dedicou ao negacionismo fanático; que, mais de uma vez, deu de ombros para o sofrimento da população diante da Covid; que buscou atropelar as instituições; que corrompeu — no sentido moral — as Forças Armadas; que incentivou ao armamentismo; que transformou as minorias em alvos; que se beneficiou de milícias digitais, empestando o ambiente político de ódio; que é um dos grandes responsáveis pela vacinação infantil no Brasil ter chegado ao mais baixo índice de sua história.

Golpe de Estado? Ora, jamais pensou nisso. Nem quando ameaçou o Supremo na porta do QG do Exército, em Brasília. Ou quando gritou para o tribunal: "Acabou, porra!"

Com a candura de que são capazes os mentirosos contumazes ou alguns que vivem clinicamente numa realidade paralela, ele afirma:
"Desde que assumi, sou acusado de tentar dar um golpe. O que eu fiz desde o começo, e arranjei inimizade por causa disso, foi repetir que "nós temos que jogar dentro das quatro linhas". Muitos diziam que 'os caras lá estão fora das quatro linhas'. Em muitos casos, estavam mesmo. E quais seriam as consequências de se tomar uma medida de força? Como ficaria o Brasil perante o mundo? Resposta: o país iria acabar, virar uma Venezuela mais rápido do que o PT conseguiria com a desgraça econômica que se está pintando no horizonte."

É mentira. Ameaçou o país com a não realização de eleições e dizia que o faria justamente para evitar a venezuelização.

Indagado sobre quem falava em golpe, volta a distorcer miseravelmente a história:
"Ninguém defendia, era desabafo de alguns, fora do gabinete. Eles estavam revoltados com essa situação de interferências no Executivo. Eu recebia em média uma ação por semana do Supremo Tribunal Federal. Mas isso foi antes das eleições"

Que diabo isso quer dizer? Quais "interferências"? O Supremo ajudou a fazer aquilo que ele e sua turma não conseguiam: governar o Brasil. Especialmente durante o surto da Covid-19. O tribunal garantiu a "PEC de Guerra", que liberou recursos para enfrentar a pandemia; permitiu que se fizesse o distanciamento social, ou o desastre teria sido muito maior. E, como se sabe, impôs ao governo brasileira a compra das vacinas.

Ele posa de manso, claro, mas não pode deixar de alimentar seus valentes. Leiam pergunta e resposta:
Essa perseguição que o senhor alega seria promovida pelo STF ou por algum ministro em particular?
Não quero polemizar nessa área. Está acontecendo uma conscientização no Brasil e não é só em relação ao meu caso. Eu não quero botar lenha na fogueira. Tem gente de várias formações criticando o que está acontecendo. Não precisa ser muito inteligente para saber de onde vem o problema.

E o 8 de janeiro? Ele faz a sua análise:
"Foi uma coisa infeliz o que aconteceu, só prejudicou a direita, a mim e deu um fôlego à esquerda. Muitos inocentes presos, lamentavelmente. Nada justifica entrar e quebrar patrimônio. Marginais fizeram aquilo. Todo mundo do governo sabia que isso ia acontecer. Graças a Deus houve vazamento de imagem. Apareceu o G.Dias lá numa boa. Imagine se eu estivesse no Brasil? Talvez viessem me buscar aqui em casa como autor intelectual, como mentor daquilo. A perseguição atinge toda a minha família"

Coisa infeliz? Foi uma tentativa de golpe de estado.

Cadê o Bolsonaro da jornalista "que queria dar o furo"; que mandava a imprensa "calar a boca"; que não seria derrubado por uma "gripezinha", que dizia enfrentar a Covid porque não era covarde; que nos convidou a não ser um país de maricas; que recusou a vacina porque a pessoa poderia "virar jacaré" ou porque os homens "passariam a falar fino" e as mulheres passariam a ter barba; que bradou "chega de frescura e de mimimi!" diante de milhares de mortos; que, indagado sobre o morticínio, respondeu que não era coveiro; que imitou uma pessoa sufocada pela doença, fazendo ironia?

Onde está o lobo, o carnívoro, o sanguinolento? Está ali, na pele do cordeiro, à espera da oportunidade. E, por tudo o que fez, é evidente que a democracia não pode vacilar uma segunda vez.