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CMN debate hoje meta de inflação; Pacheco dá ultimato ao BC à moda mineira
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A incompetência do Banco Central era um sucesso até havia outro dia. E não faltava quem antevisse o naufrágio do governo Lula. Com a certeza dos idiotas. Bem, isso mudou. Quase ninguém acredita mais na bola de cristal de Roberto Campos Neto e do Copom. Os valentes se desmoralizaram. Mantiveram a Selic em 13,75%, embora não soubessem explicar por quê, e ainda fizeram um de seus habituais comunicados meio malcriados. Dada a grita generalizada — até dos tais "Mercáduz" —, resolveram fazer uma ata em que afirmam que a maioria dos membros do comitê tende a ver a possibilidade de queda da taxa em agosto. É mesmo? Onde estava essa tal maioria quando se redigiu o comunicado? O nome disso é "desmoralização". Na ida e na volta.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne hoje. É composto de Campos Neto, o Deus que está sob escrutínio; Simone Tebet, ministra do Planejamento; e Fernando Haddad, titular da Fazenda. Tratarão da meta de inflação. Os reaças do mercadismo de anteontem já alertam para o desastre caso se fale em mudança no sistema de metas de inflação. Assim como previam o caos com a PEC da Transição. Ou o fim dos tempos com o arcabouço fiscal. A Standard & Poor's não dá bola para pitonisas em decadência e vê outra coisa.
Não se vai mexer na meta deste ano, obviamente, que é de 3,25%. A do ano que vem, 3%, com intervalos de 1,5 ponto para mais ou para menos. Haddad já anunciou que não se mexe nesses números. O que se pretende é propor um sistema de avaliação contínua da dita-cuja, sem atrelá-la ao ano-calendário, mas só a partir de 2026. É o que fazem Fed, Banco Central Europeu, Banco da Inglaterra (o BC do Reino Unido) e quase todo o mundo. Só a Tailândia e a Turquia têm o modelo parecido com o nosso.
Mas como é isso no resto do mundo? Estabelece-se uma meta que tem de ser atingida, vamos dizer, num prazo razoável; é um "devir". Caso se perceba que se está longe do pretendido, as taxas de juros vão sendo ajustadas, levando-se em consideração a inflação, claro!, mas também o nível de atividade e o emprego. Aliás, a Lei Complementar 179, que garantiu a tal "autonomia" do BC, reza que os valentes têm de se ocupar dessas três questões.
Se funciona no mundo, por que não funcionaria aqui? Os devotos da seita do banco-centralismo não sabem explicar. Pedem que a gente acredite nas suas antevisões terroristas: "Caso se mude o sistema, a inflação explode". E o país fica atrelado a uma política de juros que inviabiliza o crescimento econômico.
Haddad, Tebet e Campos Neto vão discutir a questão, e é possível, reitere-se, que se acene com alguma mudança a partir de 2026. Foi preciso que parte dos fiéis da seita ameaçassem com uma debandada para perceber que algo pode estar errado com o modelo brasileiro se ele serve — e mal! — à Tailândia e à Turquia, mas não ao resto do mundo.
Só o Senado brasileiro pode dizer com mais dureza ao BC que ele pode muito, mas não pode tudo. Os diretores estão submetidos ao escrutínio da Casa. Nesta quarta, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que tem se revelado um presidente do Senado à altura dos desafios do momento, deu um sinal claro de que é chegada a hora de os valentes do Copom descerem ao mundo real, onde estão os 203 milhões de brasileiros, no número corrigido do IBGE. Afirmou ontem, no encerramento do 11º Fórum Jurídico de Lisboa (veja vídeo no pé do texto):
"Cumprindo o Artigo 11 da Lei Complementar 179, sancionada em 2021 -- que é a da autonomia do Banco Central --, há a previsão, nesse Artigo 11, de que, a cada semestre, o presidente do Banco Central deve expor ao Senado Federal, em arguição pública, as bases de sua política monetária. Então, nós vamos cumprir fielmente -- sem prejuízo de convites feitos por comissões --, no plenário do Senado Federal, já nos primeiros dias de agosto, a arguição pública do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto -- que, se não me engano, aniversaria hoje -- para que possa Sua Excelência demonstrar as razões por que a taxa de juros ainda está a 13,75% no Brasil, considerando todos esses fatores econômico-financeiros que nos temos hoje, muito propícios para a redução da taxa de juros. Eu não tenho dúvida do desejo do presidente Campos Neto da redução da taxa de juros. Mas é muito importante que, nessa arguição pública, fiel ao cumprimento do Artigo 11 da Lei Complementar 179, já comecemos o segundo semestre com esse propósito da redução da taxa básica de juros no Brasil, que, se somada a todas essa bases que nós temos hoje em termos de inflação, moeda, balança comercial, câmbio, safra -- inauguramos o Plano Safra agora, nessa semana; R$ 369 bilhões o Plano Safra brasileiro, 26% a mais do que o ano anterior, justamente dando valor ao que é um artigo muito importante para o Brasil --, que possa a gente trabalhar nessa redução mais imediata da taxa básica de juros no Brasil, de 13,7% para um patamar menor, que, evidentemente, propiciará a geração de emprego e a geração de riqueza para o Brasil".
Não sei se o presidente do Banco Central entendeu. Esse é o modo que a velha e tradicional Escola Política de Minas — e os adjetivos vão aqui em seu sentido mais elogioso — tem de dar um ultimato. "Se não for assim, então o quê?" Então ficará difícil o próprio Senado sustentar uma diretoria do BC contra os interesses do Brasil.
Campos Neto perdeu essa luta para os fatos. "Ah, não fossem os juros, o comportamento da inflação seria outro..." Há muitos meses a "desinflação" e a deflação do IGP-M estavam contratadas. E, portanto, os juros poderiam ter iniciado antes a trajetória de queda. Manter taxa real (Selic menos a inflação) a quase 9% ao ano é uma sandice que não encontra respaldo técnico. E, agora, não tem também o político. Lembro que a primeira crítica de Lula aos juros escorchantes tem menos de cinco meses. E os sectários avançaram na sua jugular.
Manter o sistema anual de metas ainda em 2024 já é uma aberração. Mas é uma concessão que o governo pretende fazer para evitar turbulências. Para evitar que os reaças da seita banco-centralista criem marola, opta-se por manter o erro por mais um ano. Um erro que custa muitos bilhões em dívida pública — cada ponto percentual da taxa corresponde a R$ 38 bilhões em doze meses — e que rebaixa o emprego, a renda e o crescimento e nos empurra para a pobreza.
Há algo de profundamente errado num modelo em que a autoridade monetária precisa ser atraída para o mundo da razão e dos fatos e em que precisa ser pressionada a fazer a coisa certa. Ou faz a errada.
Ah, sim: um ultimato à moda mineira segue sendo um ultimato.