Reinaldo Azevedo

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Opinião

Sem imunidade! Mourão cometeu crime ao pregar levante militar contra o STF

É claro que o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) cometeu um crime em seu discurso ontem no Senado. Ele tem o direito de pensar o diabo sobre a operação "Tempus Veritatis", sobre o Supremo, sobre o governo, sobre o virado à paulista, sobre a rebimboca da parafuseta, hipótese em que poderia, fazer, estou certo, um discurso arrebatador. Mas a imunidade parlamentar, material ou formal, não abriga o crime.

O que foi que disse o valente mesmo? Isto:
"No caso das Forças Armadas, os seus comandantes não podem se omitir diante de processos arbitrários que atingem seus integrantes ao largo da Justiça Militar. Existem oficiais da ativa sendo atingidos por supostos delitos, inclusive oficiais generais. Não há o que justifique a omissão da Justiça Militar. Nem Hitler ousou isso no começo de sua ascensão (...)"

É crime? É. Já volto ao ponto. Noticiou-se que parlamentares teriam entrado com uma petição no Supremo, junto ao ministro Alexandre de Moraes, pedindo a prisão do senador. Não creio porque certamente sabem que isso seria impossível. Segundo o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, desde a diplomação, parlamentares só podem ser presos por flagrante de crime inafiançável.

E se disse ainda que pediram a Moraes a aplicação de medidas cautelares contra o desbocado. Também não é possível. Ele não é investigado no inquérito. Parece que nem os golpistas quiseram saber do então vice-presidente. Não o convidaram para a festinha de lesa democracia. E não que lhe faltem convicções antidemocráticas...

Uma notícia-crime seria, sim, cabível, hipótese em que o ministro a remeteria à Procuradoria-Geral da República. Esta se manifestaria, então, ao STF em favor ou contra a abertura de um inquérito. Nesse caso, o relator não é obrigado a seguir a manifestação do MPF. E, parece-me, o mais adequado é entrar diretamente com uma representação na PGR, que, então, seguirá o caminho final da hipótese anterior.

O CRIME
Resta evidente que o Mourão está incitando as Forças Armadas a se levantar contra o Supremo. Aí depende com que rigor se quer analisar a coisa. Na hipótese mais suave, o senador incide no Artigo 286 do Código Penal:
"Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade"

Esse Parágrafo Único foi introduzido no CP em 2021 pela Lei 14.197, a mesma que lá acrescentou o Artigo 359L:
"Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Bem, só a investigação pode dizer, não é?, se estamos diante de potencial ofensivo maior ou menor. Mourão é militar reformado. Eu lá sei se ele está ou não se articulando com outros? Sem investigação, não posso adivinhar. Suas palavras não sugerem coisas boas.

A QUESTÃO DA IMUNIDADE
O mesmo Artigo 53 define no seu caput:
"Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

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"Quaisquer" significa que tudo é possível? Nem vou me estender sobre se diriam "sim" à minha indagação no caso de apologia da pedofilia, do terrorismo ou do sequestro. "Ah, quem faria isso?" Não importa. Se tudo é tudo, nada se exclui. Mas a pergunta é outra: a imunidade, como garantia fundamental do parlamentar, pode servir para a pregação de um golpe de Estado, o que poria fim à própria ordem democrática em que ele exerce o mandato, com a devida imunidade?

Não é o que faz Mourão quando, escondendo-se na imunidade, prega que os militares atropelem o Judiciário? Como escreveu meu querido amigo Lênio Streck:
"Se a imunidade serve para proteger o mandato, o mandato não pode servir para acabar com a democracia. Logo, não há imunidade autodestrutiva. O mandato parlamentar não pode servir para destruir o seu suporte: a democracia parlamentar. Parece evidente isso, pois não?"

Ou por outra: a imunidade, nem vou entrar aqui no mérito se material ou formal, serve ao exercício do mandato, não ao cometimento de crimes. E pregar que os fardados se levantem contra os togados não é parte das atribuições de um parlamentar.

ENCERRO
Ademais, se querem saber a diferença entre um discurso apenas reacionário e um outro criminoso, cotejem com o destampatório de Mourão o que disse ontem o senador Rogério Marinho (PL-RN).

O líder do PL no Senado criticou o Supremo, acusou a parcialidade de Moraes, pediu a sua suspeição, falou inverdades sobre a ação picareta do seu partido, que pedia a anulação de 250 mil urnas... Falácias, mistificações, engodos. Mas crime não cometeu.

Mourão pregou um levante armado contra o Supremo, crime que a imunidade não abriga. E, se a abrigasse, o próprio Parlamento estaria em risco.

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Não é tão difícil de entender.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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