Reinaldo Azevedo

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Opinião

Kamala à frente no país em que se pode perder ganhando; quem de fato decide

Kamala Harris, vice-presidente dos EUA, parece um fenômeno irresistível. Será mesmo? Vamos ver. Nunca se arrecadou um montante de US$ 100 milhões para uma campanha em 24 horas. É inédito na história das eleições. Essa grana veio de 1,1 milhão de doadores, e 62% disseram que era a primeira contribuição que faziam para essa disputa. Ou por outra: 682 mil pessoas ainda não haviam repassado um miserável tostão para o pleito de 2024 e o fizeram depois que Kamala assumiu o lugar de Joe Biden como o nome dos democratas. Isso quer dizer alguma coisa? É claro que sim! Se será o suficiente para que ela tire o pirulito da boca do golpista laranja, bem, aí vamos ver.

Pesquisa Reuters/Ipsos divulgada ontem, com levantamento feito entre segunda e a própria terça, ouvindo 1.241 americanos adultos, com margem de erro de três pontos para mais ou para menos, aponta Kamala numericamente à frente de Trump: 44% a 42%. Nada mal! O que se tinha como certo é que, aos democratas, só restava o lamento pesaroso. Agora não. Trump falou como eleito, na quinta, na convenção dos republicanos e chegou até a dar uma espécie de ultimato aos democratas. Tratou-os ora com benevolência fingida, ora como Trump... E ele aparece atrás nas pesquisas dois dias depois da desistência de Biden.

O diabo é que, nos EUA, um indivíduo não vale um voto. Assim, lembremos de novo: os republicanos ganharam, nas urnas, a sua última eleição em 2004, no segundo mandato de Bush Filho. O primeiro, em 2000, ele perdeu para o democrata Al Gore. Mas levou a Casa Branca. Trump foi derrotado por quase 3 milhões de votos por Hillary Clinton em 2016. O Colégio Eleitoral fez o milagre de dar a vitória ao derrotado, o que já aconteceu cinco vezes no país — três delas no século 19.

Pois bem: em 24 horas, Kamala obteve o apoio de todos os governadores democratas que se colocavam como postulantes; teve o nome endossado pelas lideranças do partido nas duas Casas do Congresso; conquistou o número necessário de delegados e arrecadou, sem pedir, aquela montanha formidável de dinheiro. No sistema brasileiro, talvez se estivesse diante de uma ascensão irresistível. Mas, por lá, o busílis é outro.

Numa contagem mais ampla, os Estados ditos "pêndulos", nem democratas nem republicanos inamovíveis, seriam 12, somando 161 dos 538 votos do colégio eleitoral — logo, é preciso obter 270 apoios para vencer. Numa avaliação mais rigorosa, considera-se que são sete as unidades da federação que realmente definem a eleição, a saber — informo o número de delegados de cada um em 2024: Wisconsin (10), Pensilvânia (19), Arizona (11), Michigan (15), Geórgia (16), Nevada (6) e Carolina do Norte (16). No total, 93 votos. Na eleição de 2020, os republicanos só venceram neste último Estado. Neste ano, em pesquisas anteriores ao tsunami de eventos, o democrata só levava em Wisconsin.

Exceção feita a Maine (4) e Nebraska (5), que indicam delegados segundo a proporcionalidade, quem ganha num Estado leva todos os delegados. No pleito de 2020, Biden venceu Trump nas seguintes unidades da federação:
- por 49,5% a 48,8% no Wisconsin (10);
- por 49,8% a 48,9% na Pensilvânia (19);
- por 49,45 a 49,1% no Arizona (11);
- por 50,5% a 47,9% em Michigan (15);
- por 49,5% a 49,2% na Geórgia (16);
- por 50,2% a 47,5¨em Nevada (6);
E perdeu por 50% a 48,6% na Carolina do Norte (15).

Perceberam a distância ínfima? Querem ver como são as coisas? Em 2020, Biden obteve uma montanha de votos a mais (7.050.804) do que Trump. No Colégio Eleitoral, o placar pró-democrata foi de 306 a 232: uma diferença de 74. Os sete estados-pêndulo listados acima somam 92 cadeiras. O atual presidente só perdeu na Carolina do Norte (15). Fosse Biden o candidato à reeleição, dizem as pesquisas, só lhe sobraria desta feita, nesse grupo, o Wisconsin. Os outras 82 poderiam ficar com Trump.

Por que faço essas observações? Vejam a vantagem mínima dos democratas em 2020, em termos percentuais, nos Estados listados. Em termos numéricos, ele obteve as 77 cadeiras em razão de uma vantagem, nesse grupo, de meros 288.167 votos. É visível que o modelo está estupidamente errado.

VOLTO A KAMALA
Os dois pontos percentuais que marcam a liderança de Kamala sobre Trump na pesquisa são importantes, sim, para indicar a mudança de ânimo. Até domingo à tarde, antes de Biden anunciar a desistência, a derrota era a única coisa certa para os democratas. Uma mudança e tanto! Mas reparem como o colégio pode distorcer a realidade. Em 2016, a democrata Hillary Clinton obteve 65.853.516 votos, contra 62.984.825 de Trump -- uma dianteira nas urnas de 2.868.691 votos, mas ela ficou com 227 delegados no Colégio Eleitoral, e ele, com 304: 77 a mais. O republicano venceu em Wisconsin, Pensilvânia, Arizona, Michigan, Geórgia e Carolina do Norte. Juntos, eram 86 delegados.

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É visível que os republicanos estão ainda um tanto zonzos com o "furacão Kamala". De súbito, é o algoz de Biden a virar o "velho gagá" da disputa, pecha que os republicanos imputavam a Biden. Espera-se uma reação pesada nas próximas horas. Por enquanto, é Kamala quem está desenhando a biografia do adversário ao afirmar, com fez na segunda, que, na condição de promotora, já enfrentou "predadores de mulheres, fraudadores e trapaceiros", emendando: "Eu conheço tipos como Donald Trump". Nesta terça, mais alguns petardos contra o adversário em evento em Wisconsin: trata-se de escolher, afirmou, entre a "liberdade e o caos".

Que seja a liberdade.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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