Lula revogou Abrace o Marajó após criar novo programa contra abuso infantil
Letícia Dauer
Colaboração para o UOL, em São Paulo
29/02/2024 16h08
Publicações nas redes sociais sugerem que o governo Lula (PT) deixou a população do arquipélago de Marajó (PA) desassistida no combate ao abuso e exploração infantil depois da revogação do projeto Abrace o Marajó, lançado no governo Bolsonaro (PL).
Entretanto, a medida só foi tomada pela atual gestão após a criação do Programa Cidadania Marajó, que também tinha o objetivo de combater a exploração sexual na região.
O UOL Confere considera impreciso alegações que trazem dados próximos da realidade, mas que são inexatos; ou para alegações sem contexto suficiente para a compreensão correta do assunto;
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O que diz o post
Vídeo faz uma montagem com um trecho de uma entrevista de Lula ao Flow Podcast, concedida em outubro de 2022, e a manchete do jornal Gazeta Brasil com o título "Lula revoga projeto de Damares contra abuso infantil no Marajó". Sobreposto às imagens, está escrito "E agora??".
No vídeo, Lula diz: "Você veja o discurso dessa Damares outro dia, não sei se você acompanhou, falando de criança, falando de ... É uma coisa tão absurda, é uma coisa tão absurda que na minha cabeça não passa a ideia de que alguém pode falar uma coisa daquela. Não é possível. As pessoas...", afirma o presidente na gravação.
Por que é impreciso
Lula, de fato, revogou Abrace o Marajó, porém criou outro projeto para substituí-lo. Em maio do ano passado, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou o Programa Cidadania Marajó com o propósito de combater a exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. Enquanto, o programa da gestão anterior, criado pela ex-ministra e atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF), foi revogado quatro meses depois —em setembro (aqui e aqui).
Abrace o Marajó é alvo de denúncias. Segundo o relatório da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional de da Amazônia da Câmara dos Deputados (aqui), a elaboração do programa do governo Bolsonaro não contou com a participação da população local e atendeu aos interesses de "fazendeiros e empresários, representados pela Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), a Federação da Agricultura e da Pecuária do Pará (FAEPA) e a BioTec, empresa prestadora de serviço para ambas".
Projeto marcado por polêmicas. Em outubro de 2022, durante um culto evangélico, Damares denunciou supostos casos de abuso e exploração infantil em Marajó. Na época, ela afirmou que crianças tiveram seus dentes arrancados e que comiam comida pastosa para o intestino ficar livre para o sexo anal. Apesar das graves declarações, a ex-ministra nunca apresentou provas dos crimes.
Fala de Damares foi parar na Justiça. O MPF (Ministério Público Federal) no Pará ajuizou uma ação civil pública, em setembro do ano passado, para que a União e a senadora indenizem em R$ 5 milhões a população do Arquipélago do Marajó pelas falas falsas envolvendo abuso sexual e tortura de crianças (aqui).
Boato já foi desmentido. O UOL Confere já checou conteúdo similar em setembro de 2023 (veja aqui). Logo após a revogação do Abrace o Marajó, várias peças desinformativas passaram a circular nas redes sociais. O governo federal também emitiu uma nota de alerta a desinformação contra a população marajoara (aqui).
Viralização. Uma publicação no Instagram com o conteúdo impreciso registrou, nesta quarta-feira (28), 89,1 mil visualizações, 3.691 curtidas e 1.366 compartilhamentos.
Por que o boato voltou a circular?
A cantora gospel Aymeê viralizou após cantar "Evangelho de Fariseus", durante a semifinal do programa Dom Reality - de competição de canto - em 15 de fevereiro. A letra da música denuncia supostos casos de exploração sexual e tráfico de crianças no Arquipélago do Marajó.
Após o programa, publicações desinformativas e antigas falas da senadora Damares voltaram a circular nas redes sociais. O assunto foi impulsionado com compartilhamentos de famosos como Juliette, Rafa Kalimann e Virginia Fonseca.
Em resposta às recentes denúncias, o MP-PA (Ministério Público do Pará) emitiu uma nota oficial (aqui) criticando o tratamento superficial — sem dados ou estudos — sobre um tema complexo e multifatorial como o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na região.
Segundo o órgão, o estado é "destaque negativo", quando se trata de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o Pará apresenta uma taxa de 3.648 casos, ultrapassando a média nacional de 2.449 casos relacionados a crimes dessa natureza.
O MP-PA também afirmou, em reportagem do UOL, que os problemas enfrentados no Marajó são reflexo de anos de ausência de políticas públicas e informou que está trabalhando no fortalecimento da rede de proteção, com reuniões nas comunidades e ações de fiscalização.
Conteúdo similar foi checado pela Reuters (aqui) e AFP (aqui).
Sugestões de checagens podem ser enviadas para o WhatsApp (11) 97684-6049 ou para o email uolconfere@uol.com.br.
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