Fake news e exploração infantil: o que dizem autoridades sobre caso Marajó
O caso da exploração sexual de crianças e adolescentes no arquipélago de Marajó, no estado do Pará, viralizou novamente nas redes sociais e fomentou o compartilhamento de antigas notícias falsas sobre o caso.
O que se sabe
"Evangelho de Fariseus", música entoada pela cantora evangélica Aymée, que faz um alerta sobre casos de exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó, no Pará, foi apresentada no programa de música gospel Dom Reality, no YouTube, e viralizou
Políticos e personalidades do espectro bolsonarista voltaram a divulgar vídeos e falas distorcidas, como as da ex-ministra Damares Alves durante um culto evangélico em outubro de 2022, que as agências de checagem já haviam rotulado como falsos ou descontextualizados.
Fake news. Damares chegou a dizer, à época, que crianças do Marajó tinham dentes arrancados para não morderem durante a prática de sexo oral e eram traficadas para exploração sexual. Elas ainda comeriam comida pastosa para o intestino ficar livre para o sexo anal. Essa fala com informações já rotuladas como falsas voltou à tona, assim como um vídeo em que diversas crianças aparecem em um carro para mostrar o tráfico de crianças em Marajó. A cena foi gravada no Uzbequistão e não tem nada a ver com o contexto. Também é falso que um vídeo em que um homem beija uma criança em um barco tenha sido gravado na região. A filmagem foi feita em Mato Grosso do Sul.
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O que dizem as autoridades
Procurados pelo UOL, o governo estadual do Pará, o Ministério Público e o governo federal não negaram a prática de abusos sexuais contra crianças e adolescentes. O consenso é de que o problema existe, mas que ações efetivas já vêm sendo realizadas na região para combatê-lo e minimizar seus impactos.
Segundo o MP-PA (Ministério Público do Pará), o estado é "destaque negativo", quando se trata de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Alguns estudos estimam que cinco crianças são abusadas por dia, número que pode ser ainda mais elevado, pois são "delitos com elevada subnotificação".
Não há registro de tráfico de crianças, como sugerem posts com fake news. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o estado possui uma taxa de 3.648 casos, acima da média nacional de 2.449 casos no que se refere a crimes dessa natureza. Em 2022, foram registrados 550 casos de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes no arquipélago do Marajó. Desses, 407 foram estupros de vulnerável.
A violência sexual no arquipélago é um dos problemas graves da região em que estão três dos municípios com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país.
O MP alega que os problemas enfrentados no Marajó são reflexo de anos de ausência de políticas públicas e informou que está trabalhando no fortalecimento da rede de proteção, com reuniões nas comunidades e ações de fiscalização.
Discussões que enfatizem a violência sexual sem estudos e dados oficiais e, sem propósito de efetivar políticas necessárias ou, pelo menos, a apuração de casos concretos, em nada contribuem para mudar a realidade social tão sofrida da população marajoara. Ministério Público do Pará, em nota.
Acolhimento
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirma, em nota, que desde maio do ano passado vem cumprindo na região um programa de enfrentamento dos problemas sociais, denominado Cidadania Marajó.
O Ministério enfatiza o compromisso em não associar imagens de vulnerabilidade socioeconômica ou do próprio modo de vida das populações do Marajó, em especial, crianças e adolescentes, ao contexto de exploração sexual.
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Quero receberA realidade de exploração sexual na região sabe-se preocupante e histórica, mas não autoriza sua utilização de forma irresponsável e descontextualizada, diz o Ministério. "Isso apenas serve ao estigma das populações e ao agravamento de riscos sociais".
As vivências das populações tradicionais do Marajó não podem ser reduzidas à exploração sexual, já que é uma população diversa, potente em termos socioambientais e que necessita sobretudo de políticas públicas estruturantes e eficientes, com a inversão da lógica assistencialista e alienante de sua realidade e modos de vida. Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, em nota.
O governo cita entre ações prioritárias uma parceria com a Universidade Federal do Pará, com investimento de R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil voltados ao Marajó, para implementar a Escola de Conselhos no Pará. Ela deve atender dezenas de conselheiros tutelares e os conselheiros de direitos do Marajó - além de incluir outros atores do Sistema de Garantia de Direitos da região.
O Governo do Pará informou que realiza o acolhimento psicossocial de crianças e adolescentes vítimas de violência e exploração sexual. Com esse objetivo, foi criada a Unidade Integrada à Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca).
São realizadas constantemente palestras e capacitações visando qualificar educadores, as famílias, ou seja, todos, para reconhecerem sinais de abuso e saber lidar com esses casos de maneira adequada e sensível, inclusive incentivando as denúncias. Governo do Pará, em nota.
Corte de verba e Abrace o Marajó
Segundo relatório do Cidadania Marajó publicado no ano passado, a situação de violação de direitos humanos se agravou durante o governo Bolsonaro. Mesmo sendo um território com índices de vulnerabilidade preocupantes, nos últimos quatro anos o governo federal diminuiu investimentos nos municípios, sobretudo na assistência social, área estratégica para o sistema de garantia de direitos
O relatório mostra que em 2021, durante a pandemia de covid-19 e vigência do "Abrace o Marajó", houve redução drástica dos recursos transferidos em relação ao ano anterior. Mesmo em 2022, em 11 dos 17 municípios os valores repassados nesse ano não alcançaram os valores repassados em 2020. Em Cachoeira do Arari, os repasses de 2022 representam apenas 48,35% dos valores repassados em 2020, o que inviabilizaria o funcionamento do sistema de assistência social no município.
O programa Abrace o Marajó, criado durante a passagem de Damares Alves pelo ministério, foi alvo de diversas denúncias, informa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Um relatório da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados mostra que não houve participação social ou articulação entre os poderes estaduais e municipais. Há acusações de que o programa teria sido utilizado para exploração de riquezas naturais e para beneficiar interesses estrangeiros, sem benefício ou participação social da população local.
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