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Ativistas fazem ação cultural no Rio contra o Dia de Combate às Drogas da ONU

A ação cultural teve a participação de músicos, grafiteiros e ativistas; <strong> veja mais imagens </strong> - Marco Rezende/UOL
A ação cultural teve a participação de músicos, grafiteiros e ativistas; <strong> veja mais imagens </strong> Imagem: Marco Rezende/UOL

Marina Lemle

Especial para o UOL Notícias <BR> No Rio de Janeiro

26/06/2010 21h48

A praia de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, foi palco neste sábado (26) de um ato cultural “contra a hipocrisia e o preconceito", realizado para protestar contra o Dia Internacional do Combate às Drogas, instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1987 e celebrado todo 26 de junho.

O ato, promovido pela ONG Psicotropicus sob o “Coqueirão” --o maior coqueiro próximo ao Posto 9, ponto de referência para adeptos da maconha-- contou com a participação de músicos, grafiteiros e ativistas. Os manifestantes criticaram a política de drogas da ONU, de caráter “proibicionista”, na avaliação deles.

A ONG é uma das cerca de 50 instituições financiadas pela Open Society Institute que defendem uma reforma na política global de drogas. Os ativistas recolheram assinaturas para um abaixo-assinado internacional por essa reforma.

Para o psicólogo Luiz Paulo Guanabara, diretor-executivo da Psicotropicus, a relação custo-benefício da atual política de drogas é deplorável. “Queremos chamar atenção para a existência desse ‘dia mundial antidrogas’ e mostrar insatisfação com a política proibicionista da ONU, capitaneada pelos Estados Unidos, que só tem gerado mais problemas, mais violência, mais mortes, mais oferta, mais consumo e mais dificuldades na saúde pública e na prevenção de doenças”, disse.

De acordo com Guanabara, a ONU vigia os países signatários de suas convenções para que cumpram suas obrigações de criminalizar o comércio, a produção e o consumo das substâncias tornadas ilícitas nas listas que acompanham as convenções.

“Entre as proibições, há absurdos como a folha de coca e a maconha, que foram colocadas na mesma categoria que a heroína e a cocaína. A folha de coca é usada pelo povo andino há milhares de anos sem nenhum prejuízo à saúde. Pelo contrário, ela combate os males causados pela altitude, entre outras propriedades medicinais. E a maconha, segundo 100 anos de pesquisas, apresenta perigos mínimos em comparação com muitas drogas farmacêuticas. Não mata e não há casos de overdose”, afirmou o psicólogo.

Guanabara acrescenta que a cannabis --nome científico da maconha-- tem propriedades medicinais, alimentícias e industriais. “A melhor fibra e o melhor papel que a indústria poderia produzir seria a partir da cannabis, como eram as velas e os cordames das caravelas que chegaram ao Brasil”, disse.

Em um painel, os ativistas listaram cinco recomendações que consideram adequadas à realidade brasileira: descriminalizar a posse de drogas para uso pessoal; concentrar-se na redução de danos relacionados ao consumo e ao tráfico; assegurar o direito ao cultivo de qualquer planta para consumo próprio; assegurar aos dependentes atenção integral e tratamento nos serviços públicos de saúde, sem preconceito e discriminação; e total respeito aos direitos humanos em qualquer ação de controle de drogas.

Presente à manifestação, o sociólogo Renato Cinco, pré-candidato a deputado federal pelo PSOL, defendeu três mudanças na legislação: a descriminalização do usuário de qualquer droga, a legalização da produção e do comércio da maconha e uma melhor discriminação entre traficante e usuário.

“Hoje, a lei diz que o juiz deve levar em consideração a quantidade, o local da apreensão e a história do indivíduo. Os fatores subjetivos favorecem o preconceito”, afirmou. De acordo com o sociólogo, para acusar alguém de tráfico deveria ser preciso provar que a pessoa de fato vendeu droga.

O sociólogo considerou o ato importante porque estimula o debate em torno da política de drogas. Segundo ele, o movimento iniciado nas ruas em 2002 não está mais restrito a quem usa e quer ter o direito de usar. “A Marcha da Maconha já está consolidada. Apenas os tribunais de São Paulo, Ceará e Bahia ainda insistem em violar a liberdade de expressão”, disse.

O sociólogo destacou três novidades recentes no cenário da política de drogas: a nova lei de 2006, que acabou com a pena privativa de liberdade para usuários; a Marcha da Maconha, que vem crescendo e se legitimando; e as divergências no bloco do poder.

Segundo ele, o debate atingiu outro patamar, com a inclusão das esferas da segurança e da saúde públicas nas discussões sobre o tema. As reformas hoje são defendidas por pessoas de grande influência política, como Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e César Gaviria, ex-presidentes, respectivamente do Brasil, México e Colômbia, que integram a Comissão Latino-Americana de Drogas e Democracia. Integram a Comissão Brasileira os empresários João Roberto Marinho e Pedro Moreira Salles e o presidente da Fiocruz, o médico Paulo Gadelha.

Redução de danos
A enfermeira Maria Luiza Stehling dos Santos, de Juiz de Fora (MG), que passeava pelo local com o filho Daniel, parou para ler os cartazes e se identificou com a causa. Professora da Faculdade de Enfermagem Salgado de Oliveira (Universo) e conselheira do Centro de Testagem e Aconselhamento da sua cidade, ela acredita que o usuário de drogas não deve ficar na marginalidade e deve ter acesso a emprego, renda e assistência. “Nem todo uso de drogas leva a cadeia, hospital e cemitério. O importante é se evitar que chegue nisso”, disse.

Maria Luiza afirmou também que as drogas fazem parte da história e dos rituais da humanidade, com motivos transcendentais. “Os índios usam chás, os padres usam vinho”.

Para a enfermeira, o problema é o uso se tornar disfuncional. “Isso acontece quando entre o prazer e o prazer, só há dor”, disse. “É um trabalho multiprofissional, que envolve profissionais de saúde, assistente social, terapeuta ocupacional, recreador e professor de artes, entre outros, para que a pessoa possa ter satisfação como a que a droga dá no início”, afirmou.

O estudante de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Tiago Villas Boas, o problema não é a droga, mas como o indivíduo se relaciona com ela. Para ele, o abuso deve ser tratado como uma questão de saúde, e não de cadeia. “É a proibição, e não a substância, que gera o problema. Se o tabu fosse quebrado, as pessoas poderiam conhecer melhor os riscos e se prevenir. A política de enfrentamento bélico falhou, a oferta e a demanda não reduziram e o ônus vai para toda a sociedade”, afirmou o jovem.

“Pergunte ao advogado”
A Psicotropicus instalou na praia uma tenda para que o advogado da entidade, João Pedro Pádua, tirasse dúvidas de quem quisesse. O músico A. G. contou sua história: ao chegar numa rave em Pedro Aleixo, perto de Magé, no interior do Estado do Rio, no início da madrugada, foi revistado na entrada por um policial civil, que achou seu “baseado” (cigarro de maconha) na carteira de cigarros.

Foi levado para uma tenda, onde ficou com outros usuários flagrados até as sete da manhã, quando todos foram levados à delegacia de Magé. Autuado pelo artigo 28 (uso de drogas), recebeu, muitos meses depois, uma intimação a comparecer a uma audiência em Magé. Não foi porque tinha compromissos profissionais.

O advogado João Pedro Pádua começou pelo lado bom: “Você não pode ser preso. A nova lei, de 2006, acabou com a possibilidade de um usuário ser preso”. Mas, alertou, se o músico continuar ignorando as intimações, pode acontecer de ser conduzido à audiência por forças policiais. Uma vez diante do juiz, como não há mais pena privativa de liberdade, existem quatro possibilidades: admoestação (advertência feita pelo juiz); pagamento de multa; inscrição em programa educativo sobre drogas; e prestação de serviços à comunidade. Destas, a pena mais severa, segundo o advogado, é a prestação de serviços à comunidade durante seis meses, oito horas por semana.