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Testemunhas ameaçadas enfrentam rigoroso esquema para aderir a programa de proteção

Fabiana Uchinaka<br> Do UOL Notícias

Em São Paulo

07/04/2011 07h00

A coragem de uma mulher que denunciou a execução por policiais militares de um homem em um cemitério de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, chamou a atenção para a segurança e a proteção deste tipo de testemunha. Hoje, os PMs estão presos e ela está sob proteção da Corregedoria da Polícia Militar, mas a Secretaria de Justiça de São Paulo quer colocá-la no Programa de Proteção a Testemunha (Provita). O pedido está sendo analisado pela testemunha, que até o momento prefere ficar aos cuidados da Corregedoria.

A proteção máxima para quem colabora com investigação é necessária, ajuda a acabar com a impunidade e desestimula a coação, mas nem sempre as testemunhas querem entrar no rígido programa, apesar do risco que correm.

Viver sob sigilo absoluto significa largar emprego e estudo para passar de seis meses a dois anos sob vigilância policial, morando em abrigo ou casa alugada pelo Estado, muitas vezes em outra cidade.

De acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), 1.080 pessoas encontram-se atualmente no programa em todo o Brasil. Em São Paulo, desde que o Provita foi implantado, em 1999, mais de 2.100 pessoas foram atendidas.

A adesão é voluntária. Então, quem opta pela proteção do Estado, dificilmente desiste. Apenas 4% das vítimas decidiram deixar o programa. E, segundo a SEDH, até hoje ninguém foi assassinado sob proteção.

Como funciona

A vítima sob proteção recebe alimentação, saúde, atendimento psicológico e dinheiro do governo para pagar despesas, mas precisa comprometer-se a tentar arrumar um novo emprego, prestar depoimentos e não pode dizer a ninguém, seja amigo íntimo ou familiar, onde está. O acesso à internet também é controlado.

Apenas a Justiça, o Ministério Público e a Secretaria de Segurança Pública têm acesso aos dados das testemunhas. Em casos mais graves, a família também pode ser incluída no programa e, em situações de perigo extremo, a pessoa pode até ganhar uma nova identidade.

Relembre alguns casos famosos

Milícia no Rio: Em maio de 2008, uma repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal O Dia, do Rio, foram sequestrados, torturados e mantidos em cárcere privado pela milícia que investigavam na favela do Batan. Eles foram libertados, mas entraram para o programa de proteção a testemunhas.
Caso Mércia: Em junho de 2010, um pescador que afirmou ter visto o carro da advogada Mércia Nakashima, 28, sendo jogado na represa de Nazaré Paulista (SP) no dia em que ela desapareceu (23 de maio) foi colocado pela polícia no programa de proteção a testemunhas.
Chacina da Candelária: Em julho de 2003, seis jovens e dois sem-tetos foram assassinados por policiais militares na Igreja da Candelária, no Rio. Um dos jovens que sobreviveu foi vítima de um segundo atentado e depois foi colocado no programa de proteção. Seu testemunho foi fundamental para reconhecimento dos envolvidos.
Mensalão do DEM: Ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal, Durval Barbosa entrou para o programa em 2009, depois de delatar o esquema de corrupção no governo de José Arruda.
Aliciamento no ES: A viúva do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho foi incluída no programa de proteção a testemunhas com seus dois filhos depois que Barbon foi assassinado em 2007. O jornalista denunciou um esquema de aliciamento de menores que envolvia vereadores de Porto Ferreira (SP).
Chacina na Baixada: Em 2005, cinco policiais militares foram acusados de matar 29 pessoas na Baixada Fluminense. D., que perdeu um amigo na chacina e viu a ação dos policias, sofreu ameaças depois do crime e foi colocado no programa de proteção. Ele depôs vestindo colete à prova de bala e peruca. O único sobrevivente também foi ao julgamento sob proteção e reconheceu o acusado.
Chacina no Barbante: Em 2009, cinco pessoas foram mortas na favelo do Barbante, em Inhoaíba (RJ), pela milícia Liga da Justiça, comandada pelo ex-policial Ricardo Teixeira Cruz, o Batman. As testemunhas também foram colocadas sob proteção.

Segundo a SEDH, para amenizar essa situação, o programa tem um grupo de profissionais de diferentes áreas para ajudar na reinserção social da pessoa ou família no novo ambiente, o que em muitos casos elimina a necessidade de mudanças mais drásticas, como a de nome e de Estado.

As regras para que uma pessoa entre no programa também são rígidas. Os delegados precisam indicar a vítima ao órgão responsável, que faz uma triagem dos casos que serão aceitos. Nem toda informação dada sobre um crime é suficiente para que a pessoa ingresse no programa, embora durante o processo de análise a vítima receba proteção policial.

Só serão aceitas pessoas comprovadamente coagidas ou sujeitas a grave ameaça, que colaborem com o processo criminal e que se comprometam a colaborar com o programa, sem colocar em risco as demais pessoas protegidas. Não são aceitas vítimas já presas ou indiciadas. Nos demais casos, as informações podem ser passadas às autoridades pelo Disque Denúncia, que garante o anonimato e o sigilo absoluto.

As regras servem para evitar que pessoas envolvidas de alguma forma no crime façam uso do programa de forma indevida. Muitas pessoas que procuram a proteção estão envolvidas com o tráfico de drogas e usam a denúncia para tentar se proteger temporariamente das ameaças do crime organizado, ganhando ajuda do governo.

O crime de Ferraz de Vasconcelos

Os policiais militares Ailton Vital da Silva e Filipe Daniel da Silva são acusados de matar Dileone Lacerda de Aquino, 27, no último dia 12, no Cemitério Parque das Palmeiras, em Ferraz de Vasconcelos.

Uma mulher que visitava o túmulo do pai viu a cena e ligou para o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), no número 190. Ela narrou em tempo real o crime: "Olha, eu estou no Cemitério das Palmeiras, em Ferraz de Vasconcelos, e a Polícia Militar acabou de entrar com uma viatura aqui dentro do cemitério, com uma pessoa dentro do carro, tirou essa pessoa do carro e deu um tiro".

Os PMs registraram um boletim de ocorrência de roubo seguido de resistência e morte, alegando que Aquino teria roubado uma van. Eles estão presos no presídio Romão Gomes, na zona norte da capital paulista, e podem ser expulsos da corporação.

A promotora Mariana Apparício de Freitas, do Ministério Público de São Paulo, pediu nesta terça-feira (5) à Justiça a prisão preventiva dos dois, que aceitou o pedido. Eles foram denunciados por homicídio duplamente qualificado (com motivo torpe e com recurso que dificultou a defesa da vítima).