Topo

"Eu quero a minha neta, chama ela de volta", diz avó em enterro das vítimas do massacre no Rio

Fabíola Ortiz e Marcela Rahal

Especial para o UOL Notícias <BR> No Rio de Janeiro

08/04/2011 15h10

Centenas de familiares e amigos se reuniram na manhã desta sexta-feira (8) nos cemitérios Jardim da Saudade, em Sulacap, e Murundu, em Realengo, ambos na zona oeste do Rio de Janeiro, para prestar uma última homenagem aos estudantes assassinados no massacre ocorrido nessa quinta-feira (7) na escola municipal Tasso de Oliveira, em Realengo. No total, nove  vítimas já foram enterradas. 

O último adeus foi marcado pela comoção e tristeza. “Olha ali, ela está ali”, dizia o pequeno Bruno, de apenas cinco anos, apontando para a sepultura de Larissa dos Santos Atanázio, 13, a primeira a ser enterrada por volta das 11h20. Ai minha filha... ”, exclamava aos prantos a avó Sônia Atanázio, que criou Larissa. Ela teve que ser amparada por paramédicos durante o enterro.

Segundo relatos do pai, Robson Atanázio dos Santos, 35, Larissa tinha o sonho de ser modelo e dançarina e já estava ansiosa preparando a festa de aniversário de 15 anos em dezembro de 2012.

“Deus está ao lado dela e cuidará dela. Não tinha razão para o que ele (Wellington Oliveira) fez isso. Eram só crianças com um futuro brilhante pela frente. A Larissa era uma pessoa doce, amiga, saudável, gostava de brincar, tratava as pessoas bem”, afirmou Robson.

Karine queria ser atleta

O segundo enterro foi o de Karine Lorraine Chagas de Oliveira, 14. Ainda no velório, a avó Nilza da Cruz, 63, com quem Karine morava também passou mal. Aos gritos chamava pela neta. “Eu quero a minha neta, chama ela de volta”.

Os familiares estavam visivelmente comovidos e abalados. Já Karine tinha o sonho de ser atleta. Seus amigos de treino carregavam faixas com os dizeres, “Karine Lorraine participava do projeto desportivo de atletas do Ideal Brasil”.

A paixão pelo esporte aproximou Karine do atletismo. A adolescente começou a treinar atletismo no Instituto Ideal no começo do ano e, segundo explicou uma colega de treino Olga Amaral, “ela estava começando a conhecer as suas potencialidades”.

“Era uma menina sempre alegre que treinava com a gente todo dia”, disse Jéssica da Silva Augusto, 17, que também estudou no colégio Tasso da Silveira há dois anos. “Eu sempre estudei no colégio e ontem à tarde eu iria ao colégio treinar. Quando soube da notícia eu fui para lá. Moro a dez minutos da escola.”

Para Jéssica, vai ser difícil visitar de novo o colégio em Realengo após o massacre. “Não sei se vou ter coragem para voltar. Eu tenho acesso livre ao colégio. Assim como eu, ele, o Wellington, um ex-aluno, entrou. Liberaram para que ele entrasse e aconteceu isso”.

Jéssica conta que fez bons amigos no seu período de estudante, e, além de Karine, conhece alguns estudantes que foram feridos.

Luiza Paula da Silveira, 14, foi a terceira vítima a ser enterrada, ao lado de Karine. As duas eram amigas e estudavam na mesma sala. “Ela estudou comigo, era inteligente e estudiosa”, disse Vitor Prates, 15, da 8ª série, amigo de Luiza.

Ele não tinha aula de manhã e só iria à escola no período da tarde, mas assim que soube pela televisão, ele foi correndo para a escola. “Estudo numa das salas do primeiro andar. Pelo que meus colegas relataram, os alunos achavam que o barulho era de bombinhas que estavam sendo jogadas no corredor”.

“Vai ser difícil voltar para a escola”

Vitor disse que o professor que dava aula na sua sala, no térreo, conseguiu trancar a porta e evitar que o atirador entrasse. Para ele também vai ser difícil voltar a estudar na mesma escola e “subir na escada que ele foi assassinado”. “Parece que foi um filme de terror. Muitos alunos e pais de alunos não querem voltar a estudar lá”, disse.

No quarto enterro consecutivo, de Rafael Pereira da Silva, 14, os familiares e amigos vestiam uma blusa com uma foto com os dizeres: “Brasileirinho, que se foi tão cedo. Saudades eternas”.

Rafael teve uma infância sofrida, por ter sido abandonado pela mãe biológica e não ter tido contato com pai. Ele foi criado por dois tios. O padrinho e tio de Rafael, Wagner Assis da Silva, 38, disse que o adolescente estava querendo trabalhar como menor aprendiz.

“A meta de Rafael era retirar o CPF para ser menor aprendiz. Ele era um menino caseiro e gostava de rock”, lembrou o padrinho. Para ele, a escola Tasso de Oliveira deveria ser demolida e, no lugar, ser construído um jardim com flores em homenagem as crianças.

Cemitério Murundu

As estudantes Laryssa Silva Martins, 13, Mariana Rocha de Souza, 12, foram as primeiras a serem enterradas, no cemitério do Murundu, em Realengo, às 11h. Segundo parentes, Géssica Guedes Pereira, 15, foi velada no mesmo local, mas, ao contrário do que foi publicado anteriormente, ela foi sepultada por volta das 14h15 no Cemitério Ricardo de Albuquerque. Por volta de 15h, começou o enterro de Milena dos Santos Nascimento, 14, que durou cerca de 25 minutos.

Sandra Tavares, tia da Laryssa, disse que a sobrinha "era uma menina muito meiga, muito calma". "Ela queria trabalhar na Marinha. Era o xodó do pai. É um brutalidade, é uma brutalidade", repetia ela durante o enterro. A família doou as córnias da estudante.

O tio de Mariana, o técnico de enfermagem Luiz Alberto Rocha, mostrava a indignação dos parentes das vítimas. "Ele matou a família inteira, esse animal. Ela era alegre, estudiosa e queria dar uma casa pra a mãe", disse ele após o enterro da sobrinha.

Bianca Rocha Tavares, 13, que estudava na escola com a irmã gêmea Brenda, foi enterrada pouco depois das 14h. Muitos familiares passaram mal, chegando até a desmaiar no enterro da jovem devido à emoção e ao calor no local. Brenda foi baleada no ataque e continua internada. A família não deu informações sobre seu estado de saúde

As mães das três estudantes enterradas no Murundu passaram mal e precisaram ser atendidas pelas equipes médicas que estavam de plantão no cemitério.  Sônia Atanásio, avó de Larissa, também precisou ser atendida pelos médicos.

Durante o sepultamento, a Polícia Civil do Rio fez uma homenagem às alunas, jogando pétalas de rosas de um helicóptero que sobrevoava o cemitério.

O local é o mesmo onde está enterrada a mãe do atirador Wellington Oliveira, Dicéa. Na carta em que deixou, Wellington disse que gostaria de ser enterrado “ao lado da mãe”.

O corpo do atirador permanece no IML(Instituto Médico Legal) Afrânio Peixoto, no centro da cidade, e ficará disponível para reconhecimento durante 15 dias. Se neste período nenhum familiar fizer o reconhecimento, o corpo de Wellington poderá ser enterrado como indigente, segundo fontes do IML.

Mais vítimas

Os corpos de Samira Pires Ribeiro e Ana Carolina Pacheco da Silva já foram liberados pelo Instituto Médico Legal (IML). Ana Carolina será cremada, mas ainda não foram divulgados local nem horário, e o enterro de Samira será às 15h, mas ainda não se sabe o local.

Igor Moraes da Silva, 13, que chegou a ser atendido mas não resistiu e foi a última vítima a falecer, deve ser sepultado no cemitério Jardim da Saudade, às 16h.