Versão da Paixão de Cristo na Cidade de Deus terá Jesus negro e queimado em pneus
A Sexta-Feira da Paixão na Cidade de Deus será diferente este ano. O bairro da zona oeste da capital carioca será palco de uma versão mais moderna da crucificação de Jesus Cristo. Sem cruz, coroas de espinho ou via crúcis, a encenação trará um Jesus negro que será queimado em pneus.
Intitulada “Outra Paixão”, a peça será encenada pela Companhia de Teatro Provocação, formada por jovens moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro, no CIEP João Batista, na Cidade de Deus. Antes mesmo de estrear, o enredo da encenação, que aborda questões como o tráfico de drogas e a segurança pública, já está dando o que falar.
“Nós, como artistas, sempre queremos reconhecimento. Mas a gente não estava preparado para essa repercussão toda. O que era uma peça para 100 pessoas agora vai ter, pelos meus cálculos, umas mil”, disse o diretor Adilson Dias ao UOL Notícias.
Na história, a personagem Messias, jovem missionário que é filho de Dona Maria, lavadeira da comunidade, tenta evangelizar um grupo de delinquentes e acaba morto. Bem diferente da crucificação, Messias será queimado em pneus, execução comum no mundo do tráfico, conhecida como “microondas”.
A ideia de criar um novo enredo para a Paixão de Cristo surgiu quando um amigo de Adilson que mora na favela afirmou que naquele lugar só Deus era capaz de resgatar os cidadãos. "'Ele falou: aqui, só Jesus salva'. Comecei a imaginar Jesus chegando ali. O que encontraria se vivesse na atualidade", disse Adilson.
“Fiz essa peça para a comunidade, não convidei [Eduardo] Paes [prefeito do Rio de Janeiro], [Sérgio] Cabral [governador do Rio de Janeiro], sei que eles nos apoiam, mas quero mesmo é que a dona Maria e o seu João venham”, completa o diretor.
Para montar a peça na Cidade de Deus, Adilson diz que não precisou de “autorização”, mas pediu ajuda da UPP do bairro – que segundo ele é a “mais artística” de todas, com policiais músicos e poetas -- para a logística do evento.
Contou com o apoio do major Romeu, de quem acatou a sugestão de evitar repetir a via crúcis de Jesus Cristo pelas ruas da comunidade, já que a procissão teria apenas homens armados – com armas de brinquedo. Com direito a referências a Macunaíma [obra de Mário de Andrade, publicada em 1928] na cena do nascimento de Jesus, o diretor diz que o resto da Paixão de Cristo está toda lá. “A alusão é imediata”.
“Outra Paixão" foi encenada em Niterói, na Baixada Fluminense, na Páscoa do ano passado, mas a repercussão não foi tanta. O motivo?
“A vinda de Barack Obama e minha mudança para a Cidade de Deus”, diz Adilson ao comentar que hoje o local é muito observado no Brasil e no mundo, além da ironia de “queimar o filho de Deus na Cidade de Deus”.
Durante a visita do presidente americano a local, esse ano, Adilson e os atores da companhia apareceram segurando placas e faixas com a frase “Yes, we also can” (Sim, nós também podemos”), em alusão ao slogan da campanha presidencial de Obama, “Yes, we can”.
O diretor é ex-morador de rua e hoje cursa Pedagogia, além de trabalhar na companhia. Teve como professor o ator Sérgio Britto e disse que aprendeu com ele que “o teatro tem que questionar e não responder”.
Com o sucesso da peça na mídia, Adilson diz que muitos atores da companhia conseguirão tirar a DRT, registro profissional, já que entre as exigências está a publicação de matérias sobre a peça que os atores protagonizam. “Vai sair uma companhia profissional da Cidade de Deus. Isso é o que importa”, diz Adilson.
A peça será encenada na sexta, sábado e domingo (24), às 20h, no CIEP João Batista. A entrada é gratuita.
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