É "conversa mole" dizer que fere o direito de ir e vir, diz deputado que defende toque de recolher para menores em SP
“O cara faz um filho e o educa para a vida. Mas se nesse caminho ele [o filho] é interceptado e acaba burlando a lei, e a mãe ou o pai não veem isso, o Estado é obrigado a fazer alguma coisa”.
A declaração é do deputado estadual de São Paulo Joogi Hato (PMDB), autor de um projeto de lei que proíbe menores de 18 anos de estarem nas ruas ou em estabelecimentos comerciais desacompanhados, das 23h30 às 5h, sob pena de recolhimento.
O projeto de Hato prevê o toque de recolher para todo o Estado, ainda que, admita o parlamentar, menos da metade dos 645 municípios paulistas que ele afirma ter consultado tenha respondido sobre o que achava da iniciativa.
Pela proposta defendida, de acordo com o deputado, a retirada caberá a conselheiros tutelares.
“Me baseei no crescimento do número de usuários de crack no Estado e no fato de que muitos desses jovens que consomem a droga e estão na rua nesses horários da noite, na verdade, burlam a aula, não vão à escola e acabam indo a locais de alto risco”, disse. “Aí acabam enveredando também para o álcool”, completou.
O parlamentar preferiu dar outra roupagem à proposta: “É toque de ‘acolher’. E as características desse problema são semelhantes nas cidades”, define, ele que classifica a medida como “preventiva” e como uma “grande sacada” de apoio a outras ações que visem ao combate do tráfico de drogas.
Outras experiências
FERNANDÓPOLIS (SP)
Em 2005, foi uma das primeiras a adotar o toque de recolher à noite para menores. Também foi implantado, em agosto de 2010, o toque escolar, que aborda os jovens que estão fora da escola em horário letivo.
SANTO ESTÊVÃO (BA)
Implantado em 2009. Segundo levantamento feito pela Folha neste ano, toque de recolher reduziu em 71% as ocorrências envolvendo uso de drogas por menores.
JATEÍ (MS)
De acordo com o Conselho Tutelar, medida diminuiu furtos e vandalismo.
MASSARANDUBA (SC)
Toque de recolher proibia que menores de 16 anos estivessem nas ruas após as 22h sem os pais ou responsáveis. A medida foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de SC neste ano.
Indagado se a medida não fere princípios constitucionais como a liberdade de ir e vir do cidadão, Hato foi enfático na negativa. Na definição do peemedebista, família e polícia também devem ser responsáveis. A mão para reprimir, reforça, deve ser pela lógica do recolhimento.
“Claro que esse projeto vai passar na Assembleia. E quem achar que isso fere direito de ir e vir, digo que isso é conversa mole. Quero ver se for o filho dessa pessoa que está lá, na madrugada, sozinho. Do jeito que está, não dá para os nossos herdeiros”.
Hato é pai de três filhos de idades de 30, 28 e 26 anos. “Todos médicos”, fez questão de frisar.
O projeto tramita pelas comissões da Assembleia e ainda não foi a votação. Para o autor, contudo, a proposta segue a plenário ainda este ano.
Medida é "higienista", alerta especialista
Para a coordenadora do curso de Pedagogia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Maria Estela Santos Graciani, a proposta de Hato tem caráter “privatista” de liberdade e “higienista”. "Além do mais, pelo próprio ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], essa nunca foi atribuição de conselheiro tutelar", disse.
Maria Estela é diretora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC e conselheira estadual da Criança e do Adolescente, além de ex-conselheira nacional e municipal.
“O que falta é toque de acolher, mas por meio de um desenvolvimento peculiar que envolve a educação de qualidade, o brinquedo e a brincadeira e a poesia”, defendeu.
Na opinião da especialista, o toque de recolher “significa confinar, colocar em abrigos ou albergues” onde, afirma, “educadores ainda estão em processo de formação de como atender de forma qualificada a infância e adolescência”.
“É isso que está faltando: educação de qualidade para que essa criança ou esse adolescente tome para sai a responsabilidade que compete a um cidadão. Esse recolher como aprisionar, confinar, retira do olhar social esse dever de olhar civil de acolher, além de ser uma visão higienista para os ingleses verem que somos democráticos”.
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