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Construtora aceita acordo para pagar operários submetidos a trabalho escravo em obras da CDHU

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

23/04/2012 15h56

Em audiência no Ministério Público do Trabalho (MPT) em Bauru (SP) nesta segunda-feira (23), representantes da construtora Croma concordaram em assinar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para pagar os salários de 50 operários flagrados na última quinta-feira (19) em condições análogas às de escravos nas obras de um conjunto da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) em Bofete (189 km de São Paulo).

Segundo o MPT, a empresa se comprometeu a pagar até amanhã (24) todos os salários atrasados dos empregados das empreiteiras J. Pereira e Hércules Emilson Jacinto ME, que prestavam serviços para a Croma, assim como indenizações individuais no valor de R$ 500 para cada migrante encontrado em situação irregular.

Em um dos itens do acordo, a construtora assumiu a obrigação de providenciar passagens de ônibus aos trabalhadores para que eles se desloquem até o seu estado de origem ; os migrantes vieram do interior do Maranhão, Ceará e Piauí. Os custos com alimentação decorrentes do traslado também ficam por conta da Croma, afirma a procuradoria.

O depósito dos valores referentes ao FGTS (Fundo de Garantia sobre Tempo de Serviço) dos trabalhadores deve ser providenciado até o dia 14 de maio; no dia 15, segundo o acordo, a Croma deve comprovar nos autos do processo o cumprimento das obrigações, juntando cópias das guias de depósito e das passagens.

Caso algum operário não tenha interesse em voltar para o estado de origem, a empresa deve entregar uma declaração assinada pelo operário, na qual ele afirma não ter interesse no deslocamento, prevê o acordo assinado hoje.

De acordo com o MPF, Cada item descumprido gera uma multa diária de R$ 10 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. O juiz da Vara do Trabalho de Botucatu (SP) chegou a deferir a liminar pedida pelo MPT, determinando o bloqueio das contas bancárias da Croma e se seus dois sócios. Com o acordo, a ação civil pública ajuizada pelo MPT será extinta.

Entenda o caso

Procuradores do MPF e fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram 50 trabalhadores em condições análogas às de escravidão nas obras da CDHU, estatal do governo do Estado, em Bofete. A obra está sendo executada pela construtora Croma.

Empresa tem dezenas de contratos com CDHU e
Minha Casa Minha Vida

A construtora Croma foi fundada em 1990 em Ribeirão Preto e hoje tem sede no bairro da Bela Vista, região central da capital. No site, empresa diz ser responsável por “obras significativas, que contribuem para o desenvolvimento do Estado e do país, como a construção e reforma de escolas, urbanização de comunidades carentes e a construção de empreendimentos.”

Atualmente, a Croma é responsável por cinco obras de conjuntos da CDHU em cidades do interior, que totalizam cerca de 1.900 moradias. A empresa também tem contratos com a Caixa Econômica Federal para execução de sete projetos do programa Minha Casa Minha Vida, que juntos somam 1.520 unidades habitacionais.

Com relação a obras já inauguradas, a Croma foi responsável pela construção de 5.300 moradias em 28 unidades da CDHU. A empresa também construiu 597 unidades habitacionais populares financiadas pela Caixa.

As irregularidades foram denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Bauru. Os operários estavam trabalhando há dois meses em condições péssimas de trabalho, de domingo a domingo, sem receber salário, segundo a procuradoria.

A Croma diz que as condições de trabalho nos canteiros de obras e alojamentos estão dentro das normas exigidas e nega que a jornada de trabalho esteja sendo desrespeitada. A empresa reconhece que os trabalhadores não estão recebendo salários, mas responsabiliza um intermediador, também conhecido como "gato", que teria recebido o dinheiro para o pagamento, mas não repassou aos trabalhadores.

No local, os procuradores constataram o aliciamento dos trabalhadores, que foram trazidos da cidade de origem por “gatos” em ônibus clandestinos, com falsas promessas de remuneração e moradia, segundo o MPT.

A procuradoria afirma que eles foram contratados diretamente pelas empresas J. Pereira Comércio e Empreiteira de Mão de Obra e Hercules Emilson Jacinto-ME, que prestam serviços para a Croma na obra da CDHU.

A investigação do MPT apontou que os operários foram encaminhados a canteiros de obra na cidade de Ribeirão Preto, onde a Croma possui matriz, e em seguida foram enviados para Bofete para trabalhar nas obras do conjunto habitacional.

Segundo a procuradoria, os trabalhadores estavam sem receber salários há dois meses e não tinham equipamentos de proteção ou treinamento adequados para a prestação de serviços. A jornada de trabalho era excessiva: eles trabalhavam de domingo a domingo, sem direito a descanso semanal ou sequer a intervalos para fazer suas refeições, segundo a investigação.

Segundo o MPF, as condições das moradias onde moravam os trabalhadores eram precárias. Já de acordo com Jorge Cabanilha, coordenador de obras da Croma, as instalações dos trabalhadores seguem a norma NR18, que regulamentam as condições de trabalho em obras. Ele afirma ainda que a empresa está acompanhando a obra.

“Sempre que possível acompanhamos a situação deles. A gente nunca deixou alguém em situação de salubre. A mão-de-obra é o item mais importante e valioso da obra. O mais prejudicado em uma situação como essa seria a própria construtora”, afirma Cabanilha.

O representante da construtora diz que as irregularidades encontradas pelo MPT podem ter sido “plantadas” pelos funcionários para exigir o pagamento dos salários. Sobre a jornada de trabalho, Cabanilha diz que os operários trabalham de segunda à quinta das 7h às 17h, e na sexta das 7h às 16h, com uma hora de intervalo de almoço.

Procurada pela reportagem, "a CDHU diz que não compactua com qualquer tipo de conduta irregular e determina às construtoras contratadas que sigam rigorosamente a legislação trabalhista". A companhia afirma ainda que "mantém uma gerenciadora e uma fiscalizadora nos canteiros de obras, que acompanham  todo o trabalho realizado pelas construtoras."