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Moradores de cidade no Rio aproveitam caos na limpeza urbana e criam comércio de transporte de lixo

O serviço improvisado é oferecido na localidade conhecida como Barro Vermelho e nas proximidades da favela Gogó da Ema - Zulmair Rocha/UOL
O serviço improvisado é oferecido na localidade conhecida como Barro Vermelho e nas proximidades da favela Gogó da Ema Imagem: Zulmair Rocha/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

08/11/2012 06h00

Moradores de Belford Roxo, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, estão aproveitando a paralisação da coleta de lixo --que teve início no primeiro turno da eleição municipal, no dia 7 de outubro-- para faturar uma renda extra transportando lixo doméstico.

Segundo relatos da população da região, há pessoas que cobram de R$ 2 a R$ 50 pelos serviços. Os meios de transporte variam entre carrinhos de mão --no caso dos que cobram preços módicos--, charretes e veículos fretados (como kombis).

A maioria dos detritos é levada para um terreno baldio nas proximidades da favela Gogó da Ema, apelidado de "lixão da Carminha" (em referência ao personagem da atriz Adriana Esteves na novela "Avenida Brasil"), situado bairro Jardim Bom Pastor.

O mesmo tipo de serviço improvisado é oferecido na localidade conhecida como Barro Vermelho, uma das mais pobres do município, onde há lixo por toda parte. Em algumas ruas, a circulação de automóveis é inviabilizada pelo acúmulo de detritos, que são despejados, segundo os moradores, pelas pessoas que cobram pelo transporte clandestino. "Estão tirando o nosso direito de ir e vir", afirmou o morador Michel Arlei, 37.

A paralisação da coleta de lixo se deve, segundo a prefeitura, à irregularidade na apresentação das certidões da Locanty, empresa que prestava serviço de limpeza urbana para o governo municipal. Em nota, a prefeitura afirmou estar "dando prosseguimento à licitação para contratação de nova empresa para a prestação desse serviço".

Uma ação emergencial, que teve início nesta quarta-feira (7), mobilizou 40 veículos para recolhimento do lixo acumulado (25 caminhões, cinco compactadores e dez "burrinhas" --carros pequenos que sobem aos morros) e aproximadamente 200 garis, na versão da prefeitura.

Micose

O acúmulo de lixo na porta de casa trouxe preocupação e transtorno para a comerciante Priscila Alves dos Santos, 29. Seu filho mais novo, Davi dos Santos Avelino, 3, que costuma brincar na rua onde há duas grandes pilhas de lixo impedindo a circulação de automóveis, foi diagnosticado com micose.

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    Davi costuma brincar na rua onde há duas grandes pilhas de lixo impedindo a circulação de automóveis e foi diagnosticado com micose

Desde a semana passada, quando recebeu a notícia, Priscila já gastou de R$ 80 reais, o que representa um percentual significativo de sua renda diária, com a compra de antibióticos e pomadas.

"A médica perguntou se eu tinha cachorro em casa. Eu disse que não, que tinha muito lixo perto da minha casa, e que ele gostava de brincar na rua, jogar bola, andar de bicicleta. Tem tanto rato e mosca por causa desse lixo que só falta carregar a gente", disse.

'Gato não dá conta'

Em uma localidade próxima ao "lixão da Carminha", conhecida como Tucum, o acúmulo de lixo tem dado trabalho não só para os moradores da região. Até o animal de estimação da doméstica Lucila Glória, 65, o gato Túlio, sofre com o problema.

"Meu gato não dá conta de pegar mais rato. O pobrezinho nunca teve tanto trabalho", disse ela, que é vizinha da aposentada Lahy Carvalho dos Santos, 80. Segundo a idosa, cuja porta de casa está tomada de lixo, o descaso em relação à limpeza urbana agravou sua gastrite nervosa. "Já tive que ir para o hospital por conta desse mau cheiro. Minha gastrite nervosa não aguenta", afirmou.

Pilha de lixo perto de escola

Uma grande pilha de lixo se formou a cerca de 30 metros da porta da Escola Municipal José Mariano dos Passos, na estrada Belford Roxo, o que vem prejudicando a rotina dos alunos, segundo uma das coordenadoras da instituição.

"A cozinha fica cheia de moscas. Até dentro da sala de aula é possível sentir o mau cheiro. Para piorar a situação, eles cortaram a água para manutenção", disse ela, que preferiu não se identificar por ser funcionária da prefeitura.

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    Uma grande pilha de lixo se formou a cerca de 30 metros da porta da Escola Municipal José Mariano dos Passos

De acordo com Gisele Castro, moradora da região, a Secretaria Municipal de Educação marcou uma reunião com representantes do colégio a fim de tentar resolver o problema.

Protestos

O governo municipal tem sido alvo de reclamações e protestos nos últimos dias. Na terça-feira (6), populares colocaram lixo na porta da sede da prefeitura e picharam os muros com mensagens de insatisfação.

No mesmo dia, garis que prestavam serviço para a Locanty colocaram fogo em sacolas de lixo nas proximidades da garagem da empresa, na avenida José Mariano dos Passos --o Corpo de Bombeiros precisou se dirigir ao local para conter as chamas.

A Locanty afirmou continuar atuando no serviço terceirizado de limpeza urbana. Na versão da empresa, o valor acordado no processo de licitação feito pela Prefeitura de Belford Roxo não é pago há quatro meses.