"É o minha tábua, minha vida", diz desabrigado 3 anos após tragédia do Bumba
O desabrigado Paulo Mara Martins, 59, perdeu tudo o que tinha quando a chuva de abril de 2010 devastou o morro da Maravilha, em Niterói, onde morava. Ele está entre as cerca de 400 pessoas que vivem no lugar onde funcionava o 3º Batalhão de Infantaria do Exército, em São Gonçalo, e reclamam do abandono e da falta de condições higiênicas e estruturais do lugar.
“Aqui é isso, 'minha tábua, minha vida'. É escuro, uma caloria só.” Quando mostra o lugar onde mora, Martins faz referência ao programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Ele aponta para paredes improvisadas, feitas de madeira, que separam seu "cômodo" de mais outras três famílias.
O local tem janelas, porém, lacradas. Ele lembrou o programa de habitação por causa da notícia que ele e os demais desabrigados receberam na última quarta-feira (20): dois dos prédios para onde seriam transferidos no segundo semestre deste ano, em construção no bairro do Fonseca, em Niterói, apresentam rachaduras e podem ter de ser demolidos.
Muitos perderam não só a casa e objetos levados pela lama que devastou o morro do Bumba e diversos outros morros em Niterói. Parte perdeu também amigos e parentes e agora sente que perdeu a dignidade por causa da condição precária em que vive.
Mesmo três anos após a tragédia, Martins e as outras famílias ainda estão no abrigo provisório e reclamam do abandono, da falta de higiene e de estrutura do antigo batalhão. Os desabrigados relatam a rotina de sujeira, doenças, infiltrações, rachaduras e, principalmente, falta de perspectiva de sair dali para suas próprias casas.
"Até 2016 estaremos aqui! O Maracanã está quase pronto. Quando viemos pra cá, a obra do Maracanã nem tinha começado”, afirmou o desabrigado, que antes da tragédia vivia de biscates e atualmente vive dos R$ 400 para o aluguel social, realidade similar à de muitas outras famílias que vivem no abrigo improvisado.
Além de desabrigados do morro do Bumba, devastado pelas chuvas que completam três anos em abril, no 3º batalhão também habitam famílias de diversas favelas que foram parcialmente destruídas. Eram favelas que ficavam nas comunidades do morro do Castro, Cova da Onça, Santa Rosa, Bonfim, Morro do Céu, Caramujo, Riodade, entre outras.
"Todo mundo chega aqui procurando o pessoal do Bumba, mas esquece que aqui tem gente de um monte de lugares", disse a técnica de enfermagem Daniele Pereira Leite, 34, que mora com dois filhos no lugar. Ela diz que ficou “desabrigada duas vezes", pois há duas semanas uma caixa d'água do cômodo em que morava com os filhos estourou e danificou toda a mobília que ainda tinha. "Eu tinha guarda-roupa, sofá, cama. Estragou tudo e ninguém falou nada. Nunca aparece ninguém", afirmou a técnica de enfermagem.
A falta de assistência da prefeitura é reclamação de todos ouvidos pela reportagem. Porém, nesta quinta-feira (21), uma equipe da Secretaria de Habitação da prefeitura estava no local para falar com os moradores sobre as notícias dos prédios que os abrigaria e apresentar problemas.
"Estamos abandonados. Os banheiros não têm vasos, o esgoto vive entupido. Semana passada vieram capinar aqui, mas fazia dois anos que não apareciam. Aqui tem tudo: hepatite, sarna, dengue e ratos. A água é contaminada", afirmou Selma Ferreira de Lima, 57, que vive com o marido no batalhão. A reportagem do UOL viu ao menos um ponto do lugar onde o esgoto brotava de uma rachadura do chão.
Carolina Fontoura da Silva, 18, vive com três filhos - o mais novo com um mês - e o marido em um dos espaços do batalhão e disse que dois recém-nascidos, um deles seu primo, morreram de pneumonia no lugar. "É muito úmido e gelado, as crianças não aguentam. Não temos pediatra, nenhum médico, só enfermeiras, que não podem dar remédio", reclama a desabrigada.
As caixas d'água também são fontes de reclamação. Segundo Daylane Pereira, 26, os três filhos vivem com virose. Ela atribui o problema à "água contaminada". "As caixas estão sempre sujas. Estamos jogados aqui como cachorros", afirmou a moradora.
Cheiro insuportável
A reportagem deu uma volta em um dos prédios com a servente de pedreiro Elaine Martins Luz, 28. Ela mostrou os lugares onde as famílias são abrigadas. O mau cheiro dos corredores era forte por causa dos banheiros, que segundo ela vivem entupidos. Alguns cômodos vazios viram depósitos de móveis quebrados --em um deles, havia um pequeno viveiro de frangos, criados e vendidos por um morador do local.
As paredes do prédio são emboloradas e em algumas partes o forro se desprende. Um desses, certa vez, quase atingiu a cabeça de Orlando Miguel, 3, filho de Elaine. "Saí de lá por causa disso, quase cai na cabeça dele. Mas queria que vocês vissem como é", disse a servente, que agora mora em outro cômodo do batalhão.
Mesmo com o trabalho e o aluguel social, ela diz que não tem como alugar uma casa, porque também arca com as despesas dos pais. "Meu pai é doente, tem problema no olho, não pode trabalhar", conta Elaine.
Por meio da assessoria de imprensa, a Prefeitura de Niterói informou que a Clin (Companhia Municipal de Limpeza de Niterói) atua regularmente no abrigo. Atualmente, seis profissionais, entre psicólogos e assistentes sociais, da Secretaria de Assistência Social, atuam no local de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
Segundo a prefeitura, também há equipe da Secretaria de Saúde, composta por uma coordenadora de enfermagem, quatro enfermeiros e quatro técnicos de enfermagem, de segunda a sexta, das 9h às 17h. A Secretaria de Conservação e Serviços Públicos executa serviços de limpeza das caixas e desobstrução das redes, de acordo com a nota.
O texto informa ainda que os moradores serão transferidos para os conjuntos habitacionais Zilda Arns 1 e 2 assim que forem concluídos e apresentarem condições de segurança.
De acordo com a Caixa, responsável pelo Minha Casa, Minha Vida, a obra nos conjuntos vinha sendo feita normalmente, sem nenhuma evidência de problemas construtivos, com acompanhamento semanal do banco. O dano, segundo a nota, foi um sinistro decorrente de movimentações do solo provocadas pelo excesso de chuvas. Estudos técnicos estão sendo feitos pela Caixa, pela construtora e pela seguradora. Os dois blocos serão demolidos.
Na hipótese de se confirmar que as causas foram exclusivamente o alagamento, estará configurado Sinistro de Danos Físicos e, consequentemente, os custos da demolição e reconstrução dos dois blocos serão arcados pela seguradora. Caso contrário, o custo será da construtora. Após a conclusão dos laudos técnicos, o cronograma da obra será reprogramado. A Caixa informou que ela e a construtora trabalham com a possibilidade de entregar os prédios em etapas, na medida em que sejam concluídos.
Rachaduras
Dois prédios que integram o conjunto habitacional Zilda Arns 2, situado no bairro do Fonseca, apresentaram rachaduras. Os edifícios fazem parte do programa Minha Casa Minha Vida, e deveriam ser entergues a obreviventes da tragédia do morro do Bumba, quando deslizamentos de terra causados pela chuva provocaram a morte de mais de 50 pessoas e deixaram dezenas de desaparecidos em 2010. Engenheiros civis, geólogos e arquitetos agora devem preparar um laudo que será entregue à prefeitura.
A inauguração dos apartamentos estava prevista para julho deste ano, mas as obras foram parcialmente paralisadas pela empreiteira Imperial Serviços Limitada. Na quarta-feira (20), representantes da Caixa Econômica Federal e da Imperial participaram de uma reunião a fim de debater o problema. Na versão da empreiteira, as rachaduras teriam sido causadas por acúmulo de água no solo.
As vítimas que seriam beneficiadas vivem há três anos nas dependências do antigo 3º BI (Batalhão de Infantaria do Exército), em São Gonçalo, cidade vizinha a Niterói. De acordo com a Caixa Econômica Federal, foram liberados R$ 22 milhões para a construção dos dois conjuntos habitacionais, com recursos do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial). O custo individual de cada prédio é de aproximadamente R$ 2 milhões.
Os representantes da Imperial Serviços não foram localizados para comentar o assunto. Já a Caixa afirmou que aguardará a conclusão dos laudos técnicos para "reprogramar os prazos de entrega" dos apartamentos.
Após a tragédia, veio à tona que a favela do morro do Bumba havia sido construída por cima de um antigo lixão. O excesso de lixo, a presença de gás, características topográficas, ocupação desordenada e chuvas intensas teriam sido os fatores que causaram o desabamento.
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