Topo

Segurança de clube no Rio é acusado de racismo e agressão a adolescente

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

27/03/2013 16h13

A mãe do estudante identificado apenas como G., 13, registrou boletim de ocorrência por agressão e ameaça, na terça-feira da semana passada (19), contra um segurança do Marina Clube, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, depois que o funcionário supostamente segurou o braço do menor.

Em depoimento, Gracielle Mariano afirmou à polícia que a atitude do acusado foi motivada por racismo, uma vez que o jovem "é negro e estava de chinelos e mal vestido", diferentemente do padrão estético dos outros jovens que frequentam o clube. Na ocasião, G. andava de skate por uma quadra de tênis e foi repreendido pelo vigilante.

"Meu filho frequenta o Marina há muito tempo. Temos título [a família é sócia do clube há 29 anos]. Meu filho, que fez tênis lá desde os cinco anos de idade, usava o skate para pegar uma bolinha que tinha caído em uma outra quadra, a pedido do professor. Ele estava fazendo um favor ao professor. O segurança seguiu o meu filho e o pegou pelo braço. Perguntou a idade dele: 'Quantos anos você tem, moleque?'. Meu filho pergunto o motivo da pergunta e o segurança disse que, se ele perguntasse de novo, ele 'iria ver o que vai acontecer'", disse a mãe.

"Ele seguiu, constrangeu e agrediu meu filho porque se tratava de uma criança negra e com roupa não apropriada para jogar tênis [o menor vestia uniforme escolar], e tinha certeza absoluta de que estava tratando com uma pessoa que não daria nada para ele", completou.

O presidente do Marina Clube, Phillipe Lantos, confirmou a versão de que o segurança efetivamente segurou o braço ao abordar o menino, porém argumentou que a atitude não teria sido "truculenta", tampouco que a mesmo teria sido resultante de uma postura racista. Ele afirmou reconhecer que a abordagem do funcionário fora equivocada, e disse ainda que ele será afastado como forma de punição.

"O que está acontecendo é muito desagradável. A criança burlou o regulamento e foi chamada atenção por isso, mas a mãe se estressou. Nada foi falado, em momento algum, sobre racismo. O vigilante também é negro. O vice-presidente do Marina, que estava na quadra de tênis ao lado e viu o que aconteceu, também é negro. Não existe racismo no Marina. O que ocorreu é que a criança burlou uma das regras [andar de skate na quadra de tênis] e houve a repreensão. O que ela [mãe] está fazendo é uma acusação muito grave e nós vamos nos defender judicialmente. O Marina possui sócios de todos os credos, raças e tipos", argumentou.

MÃE INDIGNADA

A denúncia também serve para acabar com essa palhaçada. Um preconceito que não se justifica. Não quero que o Marina seja penalizado, estou apenas querendo defender o meu filho. O Marina não me interessa em nada. O que me interessa é o agressor. (...) Ele [segurança] efetivamente não xingou, mas agiu de acordo com as características do meu filho naquela situação

Gracielle Mariano, mãe de um jovem negro que teria, segundo ela, sido vítima de preconceito racial no Marina Clube

O caso foi registrado na delegacia da Barra da Tijuca (16ª DP), que abriu inquérito para investigar se o menor foi, de fato, agredido e ameaçado pelo segurança. Se a acusação de preconceito racial sustentada pela família do estudante for confirmada no decorrer da investigação, o vigilante também poderia responder pelo crime de racismo conforme a Lei 7.716/89 --"praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

As versões

Segundo Gracielle Mariano, durante a abordagem do segurança, o motorista da família se aproximou para ver o que estava acontecendo. O vigilante teria dito que o motorista não era o responsável pelo menor, e os três se dirigiram, na versão da mãe, para a secretaria de esportes do clube. Ao estudante teria sido negado o direito de registrar uma reclamação pelo fato de ele ter menos de 18 anos.

"O segurança viu que a confusão estava armada. Meu filho já tinha se desculpado com ele, dito que ele só estava andando de skate na quadra de tênis para pegar uma bola. Até esse momento, ele não sabia que o meu filho era sócio. Na secretaria, o meu motorista foi colocado para fora da sala igual cachorro pelo diretor de esportes. E o meu filho não pôde reclamar por ser menor", disse Mariano.

"Durante a conversa, eu estava no telefone com o meu filho e ouvi o diretor de esportes falando para ele: 'É por isso que o segurança te puxou pelo braço. Porque você é abusado'. A partir desse momento, eu orientei o meu filho a não falar mais nada com eles. Eles não poderiam fazer isso com criança nenhuma. Era uma forma aberta de preconceito: um 'neguinho' pedindo desculpa em um ambiente onde todos os jovens se acham acima do bem e do mal. Ele quis crescer para cima do meu filho", completou.

Ao chegar na sede do clube, Gracielle conversou com Phillipe Lantos durante cerca de 50 minutos. Na versão da mãe, o presidente do Marina disse que aquele era "um dia infeliz", e que o segurança não teria "um histórico de agressividade", sendo ele "acostumado a separar brigas e a ser tratado por outros adolescentes como alguém inferior". "Por esse motivo, considero que a atitude dele foi racista. Se fosse qualquer outra pessoa, bem vestida e com outras características [estéticas], ele agiria da mesma forma?", questionou Gracielle.

Ao UOL, o presidente do clube confirmou ter conversado com a mãe de G. após a suposta agressão. "Ela se queixou que o filho tinha sido agredido, mas em momento algum falou de racismo. Esse é um outro movimento que não me cabe apontar. Ainda não tomamos conhecimento da denúncia na delegacia, mas já notificamos os nossos advogados. (...) Vamos fazer uma contraqueixa e acioná-la judicialmente por calúnia", afirmou.

"O erro que o segurança cometeu foi tocar no braço do garoto. Essa é uma norma que não aceitamos aqui, até porque, hoje em dia, o fato dele encostar a mão já pode ser interpretado como tentativa de assassinato, a essa altura. Mas ele não bateu, não empurrou, não agrediu e não xingou. Não há nenhuma testemunha para essas acusações. Pelo contrário, o professor de tênis e o vice-presidente do clube estavam na quadra ao lado. O próprio menino disse que sabia que era proibido andar de skate na quadra", explicou Lantos.

O presidente do Marina declarou ainda não existir qualquer "tipo de restrição" entre as normas do clube, tais como proibição de babás uniformizadas, por exemplo. Segundo ele, responsável pelo local há seis anos, nunca houve qualquer tipo de reclamação de tal natureza desde que o clube foi fundado, há cerca de 30 anos. "O menino não foi grosseiro com ele [segurança], mas agiu como se estivesse o enfrentando. Não houve truculência. Tentamos resolver a situação de uma forma amigável, conversando com as partes, mas a mãe optou por ir à polícia", completou.

Gracielle disse ao UOL que o filho de 13 anos continua frequentando o clube, e que o presidente afirmou garantir, em e-mail enviado posteriormente ao fato, que não haveria risco para a segurança do estudante em função do impasse. "Meu filho ficou com medo, chorou muito naquele dia, mas ele precisa se sentir seguro em relação aos direitos dele. Não vou admitir que maltratem o meu filho em lugar algum do mundo. Ele vai continuar frequentando, pois, do contrário, seria uma total inversão de valores", declarou Gracielle.

"Ele não sabe o que é preconceito"

Para a mãe do menor, a argumentação quanto à suposta atitude racista do vigilante não foi compreendida pelo presidente do Marina por ele "não saber o que é preconceito". "Ele não estava, não sofreu e não sabe o que é isso. Eu, que sou mãe de uma criança negra, sei que na Barra da Tijuca --bairro tido como de classe média alta-- não há muitas crianças negras. No geral, meu filho é um ou dois no meio da multidão", disse.

"A denúncia também serve para acabar com essa palhaçada. Um preconceito que não se justifica. Não quero que o Marina seja penalizado, estou apenas querendo defender o meu filho. O Marina não me interessa em nada. O que me interessa é o agressor. (...) Ele [segurança] efetivamente não xingou, mas agiu de acordo com as características do meu filho naquela situação", completou.

De acordo com o advogado da família, Rosemberg Gouvea Ferrão, a Polícia Civil já convocou o segurança envolvido na suposta agressão e o motorista da família, que presenciou o fato, para que eles prestem depoimento --o que deve ocorrer na próxima semana. Mãe e filho já apresentaram suas versões na 16ª DP. O presidente do Marina Clube também deve ser chamado.

PROTESTO

  • Reprodução/Facebook

    Página criada por Munk e Celeste no Facebook já foi "curtida" por quase cem mil pessoas

Racismo na Barra

Há dois meses, também na Barra da Tijuca, um funcionário da Autokraft, revendedora autorizada da BMW, foi acusado de ter cometido atitude racista contra um menino de apenas sete anos. O fato teria ocorrido nas dependências da concessionária enquanto os pais do menor buscavam informações sobre os veículos.

A BMW Group afirmou ter tomado conhecimento dos fatos, mas argumentou que "nenhum funcionário seu esteve presente na data do acontecimento", uma vez que o acusado é vinculado à concessionária.

Na versão dos pais adotivos do menor, Ronald Munk e Priscilla Celeste --criadores da página "Preconceito racial não é mal-entendido"--, a suposta vítima teria sido confundida com uma criança de rua ao se aproximar do casal.