Prédios tortos de Santos (SP) terão de apresentar laudo de segurança
Quarenta anos depois dos primeiros debates técnicos sobre o assunto, a Prefeitura de Santos (72 km de São Paulo) chamará síndicos de 65 edifícios da cidade para discutir as condições de segurança das construções.
Todos esses prédios são “tortos”, com inclinação de 50 centímetros a 1,80 metro entre a base e o topo, e ficam na quadra mais próxima da praia –numa espécie de atrativo turístico à parte.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Edificações deve começar a entregar as correspondências a partir desta quarta-feira (29). Cada síndico receberá a cópia de um relatório técnico sobre a inclinação de seu prédio e um convite para participar de uma reunião, em data ainda incerta.
No encontro, todos serão notificados a providenciar laudos técnicos da estrutura dos edifícios. Com base nas análises, a prefeitura poderá exigir medidas de estabilização ou, mesmo, de realinhamento. A prefeitura não divulga a relação dos prédios.
O secretário Ângelo José da Costa Filho afirma que os apartamentos poderiam se desvalorizar caso a lista fosse aberta. Também justifica que a inclinação é apenas uma “evidência” de risco à estrutura, não o fator principal.
O delegado regional do Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) em Santos, Carlos Manoel Neves Ferreira, calcula que imóveis em edifícios inclinados valeriam “de 30% a 40% mais”, em média, se estivessem no prumo. Em contrapartida, “o realinhamento custaria 15% do valor do imóvel”.
Síndicos de 65 prédios situados nas quadras da praia em Santos (SP) serão chamados
Custo assusta
Moradores de prédios tortos, porém, se dizem mais preocupados com o custo dos laudos técnicos do que com uma eventual valorização imobiliária. Sob anonimato, o síndico de um deles diz que os orçamentos transmitidos por empresas de engenharia variam entre “R$ 40 mil e R$ 60 mil”.
“Este é um prédio com moradores aposentados, de baixa renda. Já tem gente receosa de uma despesa violenta, sem condições de ser paga, e que fala em pôr seu apartamento à venda para ir embora”, afirmou o síndico.
“O custo do laudo não terá de ser pago todo de uma vez e poderá ser dividido pelo número de apartamentos. É uma questão de segurança dos próprios moradores”, afirma Orlando Carlos Batista Damin, engenheiro da Seção de Inspeção de Estruturas da prefeitura.
Oito anos de estudos
Damin participou de um estudo, entre 2004 e o ano passado, para apurar as informações técnicas disponíveis e a inclinação dos 651 edifícios existentes em 2004 nas 49 quadras da orla (praia).
O desaprumo de todos os prédios foi medido entre 2010 e 2012. O trabalho foi feito em convênio entre prefeitura, Unisanta (Universidade Santa Cecília, de Santos) e USP (Universidade de São Paulo).
Ao analisar os resultados, engenheiros da prefeitura concluíram que os moradores dos 65 prédios mais desalinhados devem contratar engenheiros calculistas, a fim de providenciar laudos que atestem a segurança (ou não) dos prédios e sua vida útil, com análise dos possíveis efeitos causados pela inclinação –como o desgaste de estruturas de concreto e trincas em pilares e paredes.
Com o laudo técnico a ser exigido, “o engenheiro [a ser admitido em cada prédio] vai pegar o projeto original e verificar as consequências da inclinação que está havendo”, disse o secretário de Infraestrutura e Edificações.
Atualmente, por lei, os síndicos devem enviar à prefeitura todo ano a medição do desaprumo de seus edifícios. Segundo Costa Filho, “na maioria das vezes, a estrutura absorve isso. Mas, apenas visualmente, não temos como saber”.
Dezenas de prédios erguidos na orla de Santos (SP) têm fundações pouco profundas
Fundações curtas
Entre as décadas de 1950 e 1960, construíram-se em Santos dezenas de prédios à beira-mar, parte deles com apartamentos pequenos cujo público-alvo eram veranistas. Nas obras, fincaram-se fundações curtas (menos de dez metros de profundidade) para sustentar edifícios em um terreno instável, onde fragmentos de rocha mais sólidos estão a cerca de 50 metros de profundidade.
Essa situação foi exposta em 1973, no primeiro seminário promovido pela Prefeitura de Santos para a discussão dos problemas estruturais. “Não houve estaqueamento por questão econômica [custaria mais caro]”, diz o engenheiro Orlando Damin.
Poucos anos depois, em 1977, a prefeitura mandou interditar um edifício no bairro Boqueirão que estava se inclinando e tinha uma rachadura do térreo ao 17º andar. Moradores e lojistas deixaram o prédio e só voltaram um ano depois. O prédio foi estabilizado, mas ainda tem forte inclinação.
Apenas em 1995 a prefeitura cogitaria a realização de análises técnicas para o reaprumo dos prédios tortos da orla. E, em 1998, começaram as obras de realinhamento do prédio que era o mais inclinado da orla.
O condomínio Nuncio Malzoni, no Boqueirão, com 17 andares e desaprumo de 2,10 metros, teve seus dois blocos realinhados. O primeiro deles, em 2001, ao custo total de R$ 1,5 milhão.
O engenheiro responsável pela obra, Carlos Eduardo Moreira Maffei, professor-titular da Escola Politécnica da USP, afirma que os custos do realinhamento poderiam baixar caso houvesse vários prédios sendo reaprumados ao mesmo tempo.
Força invisível
Entrar em um prédio torto dá impressão de desequilíbrio a quem não está acostumado. O proprietário de dois apartamentos em um edifício do bairro Embaré, inclinado para a frente, autorizou a entrada do UOL nesses imóveis, em andares e localização diferentes.
Subir as escadarias requer uma espécie de compensação de peso. Nos degraus desse edifício, há a sensação de que uma força invisível empurra o corpo para o lado direito, e é preciso se equilibrar pendendo para a esquerda.
Num dos apartamentos, lateral, o visitante tem a impressão de andar de lado. Ao sair, é como estivesse percorrendo uma ladeira. No outro imóvel, de frente para o mar, a caminhada em direção à janela parece uma descida.
A reação é controlar a velocidade da caminhada, num estranhamento que se desfaz após poucos minutos dentro do apartamento. Tanto os imóveis quanto o prédio não têm sinais de rachaduras nem remendos nas paredes.
“Você não moraria aqui?”, pergunta o dono dos apartamentos, sob anonimato e que considera “um absurdo” ter de contratar estudos para confirmar a estabilidade do edifício.
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