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Mito: brasileiros e argentinos nem sempre se entendem em portunhol

Giselle Sousa Días

Do Clarín, em Florianópolis

07/02/2014 14h13

Quando a pessoa chega ao Brasil deve saber que o portunhol às vezes ajuda e que outras vezes pode deixá-la a ver navios ou fazendo um papelão.

Se você for comprar um biquíni, não peça “um novo corpiño" (parte de cima do biquíni, em espanhol), porque seu corpinho, embora esteja um pouco flácido e barrigudo, não está tão mal.

Se você, argentino, contar sua melhor piada e te responderem “que engraçado” não olhe para o cabelo (engrasado, em espanhol, é sujo de graxa): eles estão te dizendo apenas que algo é divertido.

Se você quiser xavecar com classe, não comece a frase dizendo “presuntamente” (em português: “supostamente”) porque aqui presunto é o salgado usado no sanduíche.

O verão começou, os argentinos chegaram e aí começa o mito: esse que diz que todo mundo se entende falando portunhol.

Essas palavras que soam parecidas, mas significam coisas diferentes e às vezes opostas, são chamadas aqui de “falsos amigos”. (Veja aqui uma lista)

Elas provocam tantas confusões - às vezes engraçadas e outras trágicas - que motivaram Claudio Budnikar, um argentino de San Antonio de Padua, que mora em Florianópolis há 11 anos, a criar o Hispanoluso, no Facebook: uma espécie de dicionário que tenta esclarecer quais são as palavras e frases que costumam gerar confusões.

“Vou pondo lá todas as confusões que eu vou escutando na rua. Tem algumas engraçadas: uma vez, uma garota brasileira disse na frente de um grupinho de argentinos que se sentia embaraçada (em espanhol, embarazada é grávida) por uma situação que não queria explicar. Os argentinos, que não sabiam que aqui embaraçada significa envergonhada, começaram a rir e lhe disseram: ‘Não precisa explicar, nós sabemos qual é a situação que leva à gravidez’.

E houve outras trágicas, como a do turista argentino que entrou desesperado em um bar porque um amigo estava se afogando e gritava: ‘Un banhero, un banhero!’. E os clientes, pensando que ele estava fazendo nas calças, lhe mostravam a porta do banheiro: o toalete. Mas ele estava buscando um salva-vidas (que na Argentina é chamado de bañero).

Aqui em Florianópolis a gente escuta os argentinos inventando muito: que a cartinha (carta = menu), que o vacinho (vaso = copo), que o tenedorcinho (tenedor = garfo). Ninguém pede o cardápio para o garçom, nem o copo nem o garfo. Muitos garçons sabem e muitos outros não: salsa é aquela que se dança e não a que vem com a comida, portanto se você pedir raviólis com salsa, você está pedindo massa e que mudem a música. (Aos brasileiros, salsa em espanhol é molho).

Antes de vir, então, anote: se você for comer fora e o garçom disser alguma coisa sobre a cadeira (cadera = quadril, em espanhol) não fique traumatizado, ele está te oferecendo um assento. E se a alegria grudar em você e você quiser ser muito amável e disser 'a comida está exquisita (deliciosa)', você está dizendo na cara da pessoa que deu a vida por te atender bem: 'garçom, a comida está esquisita'."

Além disso, os brasileiros não dizem “apellido”, mas “sobrenome” (apelido, em espanhol). Portanto se você chegar ao hotel e tiver que preencher uma ficha não coloque: el colorado (o ruivo), el lechón (gordinho) ou el narigueta (narigudo). Dificilmente isso coincida com o seu documento.

Se te acusarem de surdo (canhoto), o que eles estão dizendo que você é surdo.

Aquele cartaz de borracharia (os argentinos lembram de borrachera, bebedeira em português) não é para um bar, mas um lugar onde se conserta o pneu do automóveis."

Texto originalmente publicado no site do Clarín em Português