Acervo material do museu também se perdeu, diz Leandro Karnal

O historiador Leandro Karnal afirmou nesta terça-feira (22) ao UOL que o incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, destruiu também o acervo material local, constituído de peças representativas das culturas indígena, africana e europeia, matrizes da língua portuguesa.

"Isso tudo também se perdeu", lamentou. "Muitas eram peças mais ilustrativas, não eram peças únicas de arte, é verdade, mas tinham sua importância e valor."

Segundo Karnal, esse acervo estava reunido no espaço "Palavras Cruzadas" (também conhecido como "Lanternas das Influências"), que ele ajudou a montar como curador, à época da constituição do museu, inaugurado em março de 2006.

De acordo com o historiador, a seção "Palavras Cruzadas" apresentava ao público totens multimídias sobre as influências que a língua portuguesa recebeu ao longo dos séculos --e também artefatos materiais, entre eles, estátuas e máscaras indígenas, africanas e europeias, compradas em antiquários.

Era, diz Karnal, o único espaço do museu que dispunha de acervo material propriamente dito, uma vez que a proposta museológica local era oferecer interatividade e experiência mais lúdica ao visitante, sem manter acervo fixo.

Nesta terça-feira, porém, o governo estadual paulista negou a existência dessas peças no local, em nota assinada pela secretaria da Cultura: "A secretaria esclarece que todo o acervo do museu era virtual, por isso, sua recuperação plena será possível após a reconstrução do edifício".

Leandro Karnal tinha comentado o incêndio no museu, em sua página no Facebook, nesta terça-feira:

Insegurança

Karnal, que é doutor em história social pela Universidade de São Paulo e pesquisador das áreas de historiografia, religiões e cultura, também se disse preocupado com a situação de insegurança a que está submetida a população brasileira, revelada mais uma vez pela destruição do Museu da Língua Portuguesa.

"O incêndio na boate Kiss não ensinou nada ao Brasil", criticou, referindo-se à tragédia ocorrida no dia 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria (RS), quando 242 pessoas morreram e 680 ficaram feridas.

Segundo Karnal, o incêndio no museu colocou sob suspeita todos os outros museus de São Paulo. "Temos de levantar agora a dúvida sobre a visitação a esses espaços em termos de segurança. Foi uma questão que se abriu."

O estudioso lembrou o fato atenuante de que o incêndio aconteceu numa segunda-feira, quando os museus tradicionalmente fecham. "Mas se tivesse acontecido num dia normal de visitação, a tragédia poderia ter sido enorme." O Museu da Língua Portuguesa, o quinto mais visitado na cidade de São Paulo, é local de atividades regulares de alunos da rede paulista, por exemplo.

Reconstruir e renovar

Prometida na segunda-feira (21) pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e reiterada na nota divulgada pela secretaria estadual da Cultura (leia abaixo), a reconstrução do museu, parte do complexo da Estação da Luz, tombado pelo patrimônio histórico, é vista como incerta por Karnal.

A questão, para ele, é sobretudo financeira, uma vez que o museu foi criado num contexto econômico favorável, oposto ao de agora.

Entretanto, confirmada a esperada reconstrução, Karnal defende mudanças, de forma a atualizar a tecnologia local, um dos grandes atrativos do museu. "O que era vanguarda há nove anos hoje não é mais. Será hora de fazer uma profunda reflexão sobre a própria estrutura do museu."

Sem, contudo, pondera o historiador, alterar sua finalidade maior, que é a de celebrar e refletir sobre a língua portuguesa, suas origens, seus usos, seus futuros, seu lugar no mundo.

Leia a seguir a íntegra da nota divulgada pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo:

"A Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo lamenta o falecimento do bombeiro civil Ronaldo Pereira durante o combate ao incêndio ao Museu da Língua Portuguesa, na última segunda-feira. A destruição parcial do prédio é uma grande perda, mas nunca comparável à vida humana, essa sim, insubstituível. Nos solidarizamos com seus familiares.

A secretaria esclarece que todo o acervo do museu era virtual, por isso, sua recuperação plena será possível após a reconstrução do edifício, medida já anunciada pelo governador Geraldo Alckmin e que será priorizada pela gestão estadual em conjunto com diversas entidades historicamente parceiras e apoiadoras da instituição.

O museu atendia a todos os requisitos necessários para a segurança e circulação de visitantes e funcionários e os procedimentos de segurança eram verificados periodicamente. Além disso, possui seguro contra incêndio da ordem de R$ 45 milhões".