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Janela discreta: carioca filma assaltos no Rio, e vídeos viralizam

Criador do Rio de Nojeira - Júlio César Guimarães/UOL - Júlio César Guimarães/UOL
De boné, para não ser identificado, comerciante grava ações criminosas no centro do Rio
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

07/03/2016 06h00

Ao lado de uma janela discreta, no alto de um prédio comercial no centro do Rio de Janeiro, o comerciante M.B., 50, olha para o computador e comenta: "não imaginava que teria esse alcance todo".

Ele se refere à página de Facebook "Rio de Nojeira" (anagrama de "Janeiro"), criada há onze dias para reunir os flagrantes de assaltos e outras ações criminosas gravados por ele daquele mesmo lugar, desde dezembro do ano passado.

Até a publicação deste texto, mais de 130 mil usuários já seguiam suas postagens. O alcance da página na rede social era de mais de oito milhões de pessoas.

Segundo M.B., que diz temer ser identificado pelos assaltantes que filma e pediu para não ter o nome revelado, o objetivo da publicação dos vídeos é alertar os frequentadores sobre os constantes assaltos na região, além de cobrar providências das autoridades.

A falta de segurança no centro da capital fluminense se reflete tanto nos depoimentos de pessoas que frequentam a área quanto nos dados do (ISP) Instituto de Segurança Pública. O número de roubos a transeuntes registrados na área coberta pela 4ª e pela 5ª DP cresceu 16,3% no último trimestre com dados disponíveis, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Frequentadores reclamam que o patrulhamento na região central da cidade é insuficiente. "Tem dias que eu não vejo polícia nenhuma aqui", conta M.B. "Se a gente for olhar direito, quem tem mais culpa por essa situação é o governo", opina M.B.

Procurada pela reportagem, a Polícia Militar informou que, segundo o comandante do 5° BPM (Praça da Harmonia), tenente-coronel Wagner Guerci, o policiamento feito por duplas de policiais em motos nas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas aumentou desde a última terça-feira (1º), para agilizar o atendimento na região.

"Há também o emprego de policiais à paisana e ações conjuntas com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social", declarou a corporação, em nota.

Após a repercussão quase instantânea da página, M.B. foi procurado por um agente da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescentes), que, segundo a Polícia Civil, solicitou "informações e imagens que possam auxiliar no inquérito em andamento, que apura a atuação de menores em roubos no centro do Rio".

O comerciante anunciou aos seguidores que também foi convidado a ir até o batalhão da PM.

Reações revoltadas

As imagens de violência de algumas das gravações já postadas pelo comerciante --ele conta que já fez mais de mil vídeos através da mesma janela e irá publicá-los aos poucos-- despertam reações de revolta na rede social.

Em uma delas, um homem é derrubado no meio do cruzamento entre as avenidas Rio Branco e Nilo Peçanha depois de ser atacado por um jovem que roubou um cordão que estava no seu pescoço. Mesmo antes da abordagem, M.B. já gravava o assaltante.

"Eu trabalho no centro há 30 anos e já sei quem faz isso. Só pela linguagem corporal, já consigo identificar que ele vai tentar roubar. Os alvos preferidos deles são mulheres e idosos, mas nos últimos tempos eles não estão se intimidando nem com homens fortes. Eles viraram os donos do centro", descreve o comerciante.

Grande parte dos comentários em suas publicações faz críticas aos "defensores de direitos humanos" e pede providências enérgicas contra os assaltantes, que em sua maioria são negros e aparentam ser menores de idade. Há quem clame pela ação de "justiceiros" e até por "esterilização".

Um seguidor disse, por exemplo, que ele "poderia ser um atirador de elite" e que a "caça está aberta". Outro usuário escreveu que reza "todo dia para que um pedaço de chumbo voador acerte bem no meio dos olhos dele. E nos liberte desse filho do capeta", recebendo dezenas de curtidas.

Sobre este tipo de reação, M.B. disse entender a revolta --"tenho três filhos. Se algum dia chegasse a notícia de que um deles foi morto, me desculpe, mas eu iria tomar as minhas providências"--, mas afirmou que jamais vai se envolver com esse tipo de coisa. À reportagem, ele também declarou que, para ele, "esses pivetes são uma praga pior que (o vírus d)a zika".

Polêmica

Entre os vídeos publicados na "Rio de Nojeira", alguns mostram jovens negros e sem camisa caminhando, sem que haja qualquer ação criminosa. As imagens renderam comentários que questionam se o dono da página não estaria sendo preconceituoso --um usuário perguntou se ele filmaria garotos brancos ou pensaria que eles estavam indo à escola.

"Só posto vídeos de moleques que já vi roubando", disse M.B.

Ele também é criticado por estar divulgando uma imagem negativa do Rio de Janeiro e por colocar hashtags citando veículos de imprensa internacionais como "CNN", "BBC" e o jornal "The New York Times". "Estão querendo acabar com nossa cidade? Qual o propósito disso? Isso me cheira um oportunismo político, só pode ser!", questionou um usuário da rede social.

O dono da página fez questão de responder: "Quer viver de mentira ou só vai acordar quando um desses marginais matarem um ente querido seu?".