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"Tribunal" da periferia tem ausência de tucano, vaia a secretário de Haddad e PM "condenada"

Representantes de entidades de direitos humanos fazem "julgamento" simbólico - Reinaldo Canato/UOL
Representantes de entidades de direitos humanos fazem "julgamento" simbólico Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Marcos Sergio Silva

Colaboração para o UOL, em São Paulo

19/11/2016 17h45Atualizada em 19/11/2016 18h03

Duas das centenas de cadeiras plásticas ficaram vazias no salão do Santuário Santos Mártires, no Jardim Ângela (zona sul de São Paulo), enquanto entidades de direitos humanos da periferia de São Paulo faziam um “julgamento” simbólico das ações policiais do Estado.

Elas estavam reservadas ao secretário da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Mágino Alves, e ao procurador-geral do Estado, Gianpaolo Poggio Smanio, que defenderiam o Estado de eventuais abusos cometidos pela PM. Assim, não puderam observar os ataques às ações de suas entidades, por fim condenadas por unanimidade naquele “tribunal”.

Marcado para a véspera do Dia da Consciência Negra, o Tribunal Popular pelo Fim dos Genocídios das Juventudes Negras, Indígenas, Pobres e Periféricas pediu explicações sobre recentes matanças de jovens em regiões pobres da cidade de São Paulo.

A última delas aconteceu no dia 21 de outubro deste ano, quando cinco jovens desapareceram no Jardim Rodolfo Pirani, (zona leste de São Paulo). Os corpos foram encontrados no dia 6 de novembro.

Embora haja suspeitas de participação de policiais, o que a Secretaria de Segurança Pública até hoje nega, apenas um guarda municipal de Santo André foi preso, ao confessar ter planejado a emboscada a partir do velório de um colega de guarda, morto ao ter um automóvel roubado. 

Secretário Haddad - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
O secretário da Segurança Urbana da gestão Fernando Haddad (PT), Benedito Mariano
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

O evento teve apenas um “acusado” no banco dos réus: o secretário da Segurança Urbana da gestão Fernando Haddad (PT), Benedito Mariano, ouvidor das polícias na gestão Mário Covas (PSDB) no governo do Estado (1995-2000). O vereador eleito Eduardo Suplicy (PT), ex-secretário de Direitos Humanos e Cidadania de Haddad, esteve presente, mas não discursou.

Mariano fez duas intervenções antes de responder acusações à Guarda Metropolitana, sob sua responsabilidade. Na primeira, pediu que sua fala acontecesse antes dos cinco inscritos como “testemunhas de acusação”, pois tinha um compromisso. O pedido, negado, foi acompanhado de vaias de parte dos presentes no salão.

Na outra intervenção, pediu para sentar ao lado da “acusação”. Mariano, por fim, teve que responder ao que os acusadores rotularam como a ausência de políticas públicas da gestão Fernando Haddad para a periferia da cidade e fez mea-culpa sobre a ação da guarda, como proibição de perseguições e tiros contra suspeitos.

Em junho deste ano, um menino de 11 anos foi morto por um tiro de um guarda municipal que perseguia um Chevette roubado em Cidade Tiradentes. O guarda responde por homicídio culposo – quando não há intenção de matar. A criança estava no banco de trás do veículo.

Pároco - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
O pároco, o irlandês Jaime Crowe, durante ato contra violência policial em São Paulo
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

A paróquia de Santos Mártires é conhecida como um centro de resistência às ações de grupos de extermínio e à violência policial. O pároco, o irlandês Jaime Crowe, participou dos combates às execuções do Cabo Bruno, justiceiro condenado por mais de 50 assassinatos e morto em 2012, dos grupos de extermínios que agiam na região do Capão Redondo, os Highlanders, e dos homicídios no Jardim Ângela, que ficou conhecido como o “mais violento do mundo” em 1996.

Na época, a taxa era de 120 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, superior, por exemplo, à região mais violenta de Cáli, na Colômbia, então dominada pelo tráfico – lá, era de 80 para cada 100 mil habitantes. Embora ainda tenha um alto índice de homicídios, o Jardim Ângela, que compreende a área do 100º DP (Jardim Herculano), teve 32 mortes violentas em 2015 para uma população de 245.805 habitantes – quase um décimo do índice de 1996.

Criamos ações para resgatar a vida”, disse Crowe. “Nossas caminhadas até o Cemitério São Luiz [para onde vão os mortos no Jardim Ângela e que acontecem todo dia 2 de novembro] continuam. A grande questão é a impunidade, e ainda quem mais mata é a PM. Queremos a vida dos jovens, e não a morte. Nenhuma morte a mais, nenhuma vida a menos.”

Os ataques mais contundentes foram para o governo do Estado, ausente na reunião. “Não me surpreende a ausência do governo do Estado”, afirmou a educadora Andreia Arruda, do Forum em Defesa da Vida e moradora do bairro. “A ausência mostra a maneira como eles nos tratam. Para o Estado, nós não somos nada.”

Houve embates inclusive entre quem acusava a omissão do Estado. Um dos debatedores disse que o salão paroquial não era o lugar mais apropriado, pois as colunas, pintadas de vermelho, tinham “o sangue de negros e índios assassinados” com a conivência da Igreja Católica. “Este prédio é território inimigo”, disse. Uma das presentes interveio: “Esse local é de resistência!”

No final, depois das declarações de acusadores e da única testemunha de defesa presente, os cerca de 100 participantes decidiram por “condenar” a ação policial do governo. O “tribunal” terminou com gritos de “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.

A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa da Secretaria de Segurança Pública e do Ministério Público Estadual, mas ainda não obteve resposta.

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