Topo

Mulher que matou ex com 12 tiros e foi absolvida vive agora rotina de medo

Gaúcha diz ter sofrido torturas de ex-namorado - Getty Images/iStockphoto
Gaúcha diz ter sofrido torturas de ex-namorado Imagem: Getty Images/iStockphoto

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

24/11/2016 13h21

No último dia 17, Ana Raquel Santos da Trindade foi inocentada por unanimidade em júri popular em Florianópolis (SC) pelo assassinato de Renato Patrick Machado de Menezes, a quem matou em 2014 com 12 tiros. Mas a absolvição, apesar do alívio trazido, não encerrou o drama da gaúcha, que até hoje, dois anos após o crime, lembra das torturas sofridas na mão do ex-namorado e do desfecho trágico para o relacionamento.

“A coisa mais difícil para mim hoje em dia é sair de casa. Tenho medo, tenho vontade de gritar, vontade de chorar, não consigo sair sozinha, não quero que as pessoas me olhem. Parece que ele vai aparecer e começar tudo de novo”, relatou Ana, por e-mail, em entrevista ao UOL.

Apesar dos 12 tiros, a massoterapeuta contou com a compreensão dos jurados e do promotor Andrey Cunha Amorim, que consideraram que ela não tinha mais recursos diante da ineficiência do serviço de proteção à mulher. Ana havia registrado 20 boletins de ocorrência contra o agressor e apelado ao Judiciário por uma medida protetiva, que foi negada.

“Foram inúmeros [boletins], foram vários corpos de delito. Inúmeras vezes fui falar com delegado, tanto na delegacia dos Ingleses [bairro de Florianópolis] como na delegacia das mulheres. Algumas vezes escutei que eles não tinham nada que pudessem fazer”, lembrou Ana, que apesar de ter se tornado um marco na luta contra a violência doméstica, não confia na eficiência da Lei Maria da Penha. Nas delegacias, ouviu várias vezes que vivia “uma simples briga de casal”.

O crime ocorreu no dia 16 de novembro de 2014, quando Renato tentou invadir sua casa pela última vez. Dez dias antes, na penúltima invasão, ela decidiu que compraria uma arma na tentativa de proteger o filho, na época com quatro anos.

“Meu maior medo sempre foi que ele fizesse algo contra o meu filho. Ele o odiava, dizia que o amor que eu dava para o meu filho nunca daria para ele”, contou a gaúcha, que após um breve relacionamento com o paranaense, aceitou um convite dele para trabalhar em um spa em Curitiba. O local era, na verdade, uma casa de prostituição, e Ana passou a ser estuprada e torturada por Renato e outros homens.

A violência sofrida deixou marcas psicológicas graves em Ana, que não consegue se relacionar com outras pessoas desde o drama vivido com Renato.

“Eu não consigo confiar. Até tentei me envolver, mas não dá certo e eu sei que a culpa é minha. Tenho meus medos, meus traumas, minhas inseguranças. Para mim, é muito difícil, é algo que afeta toda a minha convivência com as pessoas”, lamentou.

Mudança também de profissão

Além da dificuldade de se relacionar, a tragédia também levou Ana Raquel a querer mudar de profissão. Ela já trabalhou com diversos tipos de massagens, como tântrica, pedras quentes, desportiva, quick, drenagem linfática.

“Eu trabalho com o tantra desde 2011. Sempre impus respeito no meu trabalho, não sou uma pessoa muito de sorrisos. Fui assediada sim, porém estas mesmas pessoas pediram desculpas, e por mais de três anos atendi os mesmos clientes, sem envolvimento, sem problemas”, explicou. “Mas infelizmente, em Florianópolis, o tantra é mal visto, assim como outras massagens, devido ao grande número de garotas de programa que se dizem massagistas. Por isso, não tenho tanto interesse em voltar a trabalhar com massagens”.

Seu objetivo agora é estudar Direito. Ela conta que diariamente recebe pedidos de ajuda de mulheres de diversos lugares do Brasil. “A Justiça é muito falha. E os políticos não dão atenção às leis de proteção. Talvez eu possa ajudar”, disse.