Anistia cobra responsabilidade do Estado e de terceirizada sobre massacre
Para além da responsabilidade pelos assassinatos de 56 detentos, as investigações deverão apurar qual a responsabilidade do Estado no massacre ocorrido nessa segunda-feira (2) no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, uma vez que os mortos estavam custodiados pelo poder público – ainda que a unidade esteja sob concessão da iniciativa privada --e não tiveram resguardadas as condições de segurança.
A avaliação é da assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, Renata Feder, para quem também a concessionária terceirizada que administra o presídio desde 2014, a Umanizzare, deve ser alvo de investigação.
Em entrevista ao UOL, a assessora lembrou que a situação no complexo prisional já havia sido denunciada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), órgão ligado ao Ministério da Justiça, em relatório publicado há um ano. O documento, de janeiro de 2015, constatou que nos presídios do Estado do Amazonas não apenas os presos se "autogovernam", como a ação da administração penitenciária "é bastante limitada e omissa diante da atuação das facções criminosas".
“Precisa ser apurada para além da responsabilidade de quem matou esses presos. A responsabilidade é também do Estado e do consórcio que fazia a cogestão –uma vez que uma das responsabilidades dele era garantir a segurança interna da unidade”, afirmou.
Para a representante da Anistia, o massacre desta semana –o pior, desde o que deixou 111 presos mortos no Carandiru, em São Paulo, em outubro de 1992 --é a “típica tragédia anunciada”.
“Isso é o que mais nos chamou a atenção com esse massacre, depois, obviamente, da quantidade de presos mortos. Porque o sistema prisional do Amazonas não chegou nisso da anoite para o dia: estava se deteriorando durante muito tempo, mas o Estado do Amazonas tinha sido alertado e cobrado”, defendeu.
A assessora lembrou dos mutirões realizados pelo CNJ, na unidade prisional, nos anos de 2010 e 2013, os quais apontaram problemas como a superlotação e as péssimas condições carcerárias. Já o MNPCT, destacou, enviou uma missão ao complexo no final de 2015 para o relatório que seria divulgado em janeiro de 2016.
“Os responsáveis pela missão visitaram o complexo e outras unidades e alertou para a superlotação citando, inclusive a presença de armas de fogo dentro delas, entre os presos”, destacou. “As autoridades estavam alertadas para as medidas necessárias a se evitar uma tragédia. Imagina o que não poderia ter sido feito desde então para se evitar o que aconteceu esta semana?”, indagou.
Assessora defende responsabilização de presos, "mas sem violar direitos humanos"
Neder defende que, no longo prazo, governos e sociedade atuem no sentido de se “repensar a política de segurança pública, como um todo, e qual o papel do sistema de justiça”.
“Em geral, hoje as pessoas pensam no presídio como uma espécie de vingança – isso faz com que se justifiquem superlotação e maus tratos nos presídios brasileiros. É aquela ideia de que ‘quem está preso tem mais é que sofrer’, e não para ser ressocializado. Isso precisa ser desconstruído, e as já tradicionais políticas de linha dura, como maior armamento das forças de segurança e aumento das penas, têm mostrado que não funcionam”, mencionou, para ressalvar: “As pessoas têm que ser responsabilizadas pelos crimes que cometeram, mas sem que isso implique em violação dos direitos humanos, tortura ou execução, para que esse preso seja ressocializado e reinserido de forma adequada na sociedade”, concluiu.
A reportagem falou com a assessoria de imprensa da Umanizzare sobre as críticas da Anistia Internacional, mas foi informada que apenas o comitê de crise instalado esta semana após o massacre –do qual participam Estado e concessionária – se manifestaria. Procurado sobre o assunto, o governo amazonense, por meio da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, não respondeu as indagações até esta publicação.
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