Polícia do Piauí investiga 9 denúncias contra obstetra por violação sexual
Pelo menos nove mulheres formalizaram denúncia na Delegacia da Mulher de Teresina e na Delegacia Geral da Polícia Civil do Piauí acusando o médico Felizardo Batista de violação sexual supostamente praticada durante exames ginecológicos e obstétricos. Os dois últimos registros na polícia ocorreram nesta sexta-feira (17).
Segundo a polícia, as vítimas relataram que os supostos abusos ocorreram em duas clínicas particulares da capital piauiense, das quais o ginecologista e obstetra é sócio e faz parte do corpo clínico. Batista nega as acusações, continua trabalhando nos dois locais e sua defesa chama as denúncias de “inconsistentes”.
A Polícia Civil informou que as denúncias de pacientes começaram a ser registradas em janeiro, quando uma mulher procurou a Delegacia da Mulher para abrir um B.O. (Boletim de Ocorrência) sobre a conduta do profissional. Depois que o caso foi divulgado pela imprensa local e a polícia garantiu que a identidade das denunciantes seria preservada, outras mulheres se encorajaram e procuraram a delegacia para também relatar supostos abusos.
“Nesta sexta-feira (17), atendemos mais outras duas mulheres que relataram supostos atos de violação sexual cometidos durante exames feitos pelo médico em questão. Agora já são nove relatos semelhantes dados por pacientes que não se conhecem e nunca tiveram contato com outras mulheres que também denunciaram a conduta do médico”, disse o delegado-geral do Piauí, Ridel Batista dos Santos.
Por se tratar de investigação sobre violência sexual, o caso corre em segredo de Justiça para preservar a identidade das supostas vítimas. A polícia não pode repassar detalhes dos depoimentos.
Carícias e exames doloridos
O UOL entrevistou duas das supostas vítimas do médico sob a condição de mantê-las em anonimato. As mulheres relataram à reportagem que se sentiram abusadas devido à forma como foram examinadas por Batista, mas por vergonha ou medo, não procuraram logo a polícia.
Mariana*, de 29 anos, estava com 32 semanas de gravidez quando começou a sentir fortes dores e procurou o atendimento de urgência na Clínica e Maternidade Santa Fé. O médico plantonista era Felizardo Batista e ela não o conhecia – havia feito pré-natal com uma médica.
“Cheguei na Santa Fé porque estava sentindo muita dor. Ele pediu para entrar em outra sala para ser avaliada, era o exame de toque. Eu nunca tinha feito aquele exame antes. Quando ele fez, ele demorou e forçou muito, ficou doendo o canal vaginal. Durante o exame, ele ficou dizendo para eu relaxar e quando terminou, ele passou a mão no meu rosto e sorriu”, contou a jovem, que precisou ficar internada.
“Achei muito estranha essa atitude do médico, mas meu esposo pensou o mesmo que eu na hora, que podia ser uma forma de ‘apoiar’ porque eu ia ficar internada. Fiquei sentindo incômodo no canal vaginal devido ao exame por quase dois dias. Depois, fiz três exames de toque com minha médica e percebi que realmente não dói, é um exame rápido, diferente de como ele fez comigo na maternidade”, relatou a suposta vítima na quarta-feira (15).
Nesta sexta(17), a reportagem conversou com uma segunda pessoa que registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher denunciando a conduta do médico depois que viu que outras mulheres procuraram a polícia. Clara* contou que não tem plano de saúde e pela dificuldade de conseguir o exame ginecológico pelo SUS (Sistema Único de Saúde) procurou a Clínica Batista, indicada por ter preços populares.
"Quando vi a cara dele [no noticiário], com o nome, lembrei logo daquela situação que passei e, por vergonha, por medo, na época, não fui à polícia, mas agora está tudo aí. Nunca mais voltei naquele médico", contou.
Ela relatou que durante exame ginecológico, o médico teria acariciado as pernas dela, tocado em sua vagina de forma diferente e ainda feito perguntas sobre sua vida sexual que não eram relacionadas ao exame realizado naquele momento.
“Quando deitei na maca, ele pediu para eu colocar as pernas para cima, no suporte, e começou a alisar minhas pernas dizendo: ‘relaxe, relaxe!’, isso sem luvas. Eu me contraindo e ele dizendo que eu relaxasse, abrindo minhas pernas e pegando na minha vagina. Fiquei morrendo de medo porque estávamos sozinhos na sala, não tinha enfermeira com ele. Depois, eu muito constrangida, sentei na cadeira para ver com ele a data da entrega do exame e ele ficou me fazendo perguntas sobre quando eu perdi a virgindade, se foi bom, se sangrou, se doeu”, disse a mulher.
Um médico ginecologista e obstetra consultado pelo UOL nesta sexta-feira, que atua há pelo menos 25 anos em Maceió e tem seu nome aqui preservado por questões éticas, disse que para evitar mal entendidos durante exames ginecológicos, por serem realizados em áreas delicadas, é recomendada a presença de uma enfermeira na sala, inclusive para auxiliar na preparação da paciente.
Ele explicou que o exame do toque, indicado no final de gestações e no trabalho de parto, não deve ser demorado e a paciente não sente dor durante e nem depois. O exame consiste em observar como se encontra o colo do útero e avaliar a dilatação para decidir pelo parto normal ou cesárea. O médico, com luvas e usando lubrificante, introduz dois dedos no canal vaginal até chegar ao colo e examinar se há abertura ou não do local. O exame não dura mais que um minuto.
Relatos semelhantes
As primeiras denúncias contra o médico Felizardo Batista começaram a ser investigadas pela Delegacia da Mulher em Teresina, onde foi registrado o primeiro Boletim de Ocorrência em janeiro. Porém, neste mês, a Delegacia Geral de Polícia decidiu designar uma delegada especial e mudou o local em que as oitivas estão ocorrendo. Os trabalhos iniciados por Vilma Alves foram repassados para a delegada especial Carla Brizzi.
“O caso é complexo e requer atenção especial às vítimas. A Delegacia da Mulher tem outras demandas e, no início, observamos que as vítimas estavam muito expostas. A estrutura da Delegacia da Mulher não facilitava a oitiva da vítima preservada, por isso, mudamos para a Delegacia Geral”, explicou o delegado-geral da Polícia Civil do Piauí, Ridel Batista dos Santos.
“Há grande coincidência na conduta do médico relatada pelas vítimas. São pessoas que não se conhecem, de classe social diferente e relataram que sofreram situação similar durante atendimento médico. Por se tratar de caso com difícil prova testemunhal, o depoimento da vítima tem uma força maior”, destacou o delegado, relembrando o caso do médico cassado Roger Abdelmassih, que foi condenado a 248 anos de prisão por estupro e atentado violento ao pudor cometido contra pacientes. Naquele caso, ocorrido em São Paulo, os depoimentos das vítimas tiveram maior peso nas acusações feitas contra o médico à Justiça.
A delegada da Mulher, Carla Brizzi, afirmou que já colheu depoimento de 20 pessoas, dentre vítimas, o acusado e testemunhas. O inquérito ainda não foi concluído devido à quantidade de denúncias e detalhes a serem apurados. A polícia solicitou à Justiça dilação de prazo para mais 30 dias para conclusão das investigações.
“O inquérito foi aberto com base nos três primeiros Boletins de Ocorrência registrados por mulheres contra o acusado. As demais vítimas fizeram Termo de Declaração, que é uma declaração inicial à polícia, mas agora, todas já registraram B.O.s, com depoimentos colhidos de supostas vítimas e testemunhas”, explica a delegada, destacando que não pode repassar detalhes das acusações porque o caso está em segredo de Justiça.
Segundo a delegada, o caso se insere no artigo 215 do Código Penal, que trata na sua redação sobre o crime de violação sexual: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. A pena, em caso de condenação para quem comete este tipo de crime, varia entre dois a seis anos de prisão.
Outro lado
O advogado do médico Felizardo Batista, Palha Dias, informou que não vai comentar sobre o assunto porque “ainda não existe acusação formalizada”. Dias disse que acompanhou o cliente durante o depoimento dado à polícia e que as denúncias são “inconsistentes”.
O assessor jurídico do CRM-PI (Conselho Regional de Medicina), Ricardo Abdala Cury, informou que o órgão não vai se pronunciar sobre as investigações policiais sobre a conduta de Felizardo Batista, “pois o caso corre em segredo de Justiça”. Cury se recusou a informar se existem denúncias contra o médico feitas por pacientes no CRM-PI, mas afirmou que o conselho apurará toda e qualquer denúncia que chegue ao CRM-PI.
A Clínica e Maternidade Santa Fé informou que não recebeu qualquer denúncia ou reclamação de atendimentos sobre o médico Felizardo Batista e que ele continuará atuando normalmente no corpo clínico. “O profissional de reputação ilibada em quase 30 anos que participa do Corpo Clínico da maternidade, sendo, atualmente, um dos profissionais mais requisitados pelas pacientes.”
A Clínica Batista informou, nesta sexta-feira (17) que Batista continua trabalhando normalmente no local. A clínica afirmou que nunca recebeu denúncia de pacientes sobre a conduta do médico.
* Foram usados nomes fictícios a pedido das entrevistadas
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