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Especialistas veem bom senso em metas de Doria, mas lacunas no combate à desigualdade

Prefeito João Doria no dia do lançamento do plano de metas para São Paulo Imagem: Chello/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Guilherme Azevedo e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

08/04/2017 04h00

Lançado no último dia 30, o plano de metas da administração João Doria (PSDB) para a cidade de São Paulo contém objetivos a serem atingidos até o fim do mandato, em 2020. Na avaliação de especialistas, há metas importantes e bom nível técnico, mas também lacunas, como a falta de metas regionalizadas, correndo o risco de reforçar as desigualdades na cidade. Em entrevista ao UOL, o secretário de Gestão da prefeitura, Paulo Uebel, afirmou que a versão final do plano terá metas regionalizadas.

As 50 metas do plano se dividem em cinco eixos de desenvolvimento: social, humano, urbano e ambiental, econômico e gestão e institucional (clique aqui e veja as metas na página da prefeitura). A população pode propor mudanças e acrescentar sugestões em audiências públicas realizadas durante este mês. A prefeitura deve concluir a versão definitiva do plano até o fim do semestre.

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Para Jorge Abraão, coordenador da organização não governamental Rede Nossa São Paulo, o “plano apresenta bom nível técnico, tem eixos, projetos e linhas de ação”. “Além disso, integra-se aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). Isso é interessante.”

Ele aponta, no entanto, fragilidades como a falta de regionalização das metas e a timidez na ampliação de equipamentos. “O plano não regionaliza as metas. Dessa forma, a gente perde a chance de ver onde o plano vai atuar, se vai resolver carências e desigualdades entre os cidadãos e entre os bairros. Não se sabe onde as ações serão executadas. O plano corre o risco de manter ou ampliar as desigualdades”, ressalta Abraão.

“É também tímido no quesito ampliação de equipamentos. Ele fala do aumento do potencial dos equipamentos instalados. Não há como criticar a melhora da eficiência, mas, se não criar equipamentos, haverá distritos que continuarão zerados em termos de biblioteca e lazer esportivo, por exemplo.”

Criada em 2007 e inspirada em um movimento de Bogotá, capital da Colômbia, a Rede Nossa São Paulo iniciou a mobilização para que a capital paulista adotasse em lei o sistema de metas por gestão. São Paulo aprovou a norma em 2008 e foi seguida por 49 cidades brasileiras, que também adotaram o sistema.

O médico Stephan Sperling, vinculado à FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), também defende a descentralização e a regionalização da gestão como forma de atender às demandas de cada território.

Veja abaixo o que especialistas ouvidos pela reportagem comentaram a respeito de três áreas: educação, saúde e desenvolvimento urbano. 

Educação

Nessa área, a gestão de Doria relaciona dez metas. A prefeitura projeta, por exemplo, “expandir em 30% as vagas de creche, de forma a alcançar 60% da taxa de atendimento de crianças de 0 a 3 anos”.

Havia, no fim de 2016, 66 mil crianças na fila de espera por uma vaga em creche, segundo a própria prefeitura. “A meta está correta”, diz Priscila Cruz, presidente executiva da organização Todos pela Educação. A idade até três anos é considerada decisiva para o bom desenvolvimento da criança. “Mas senti falta de instrumentos de avaliação da qualidade da oferta.”

Outro objetivo da gestão diz respeito à melhoria do desempenho dos alunos da rede: “Atingir Ideb de 6,5 nos anos iniciais e 5,8 nos anos finais do ensino fundamental”, descreve a meta do plano.

Em 2015, os alunos do fundamental 1 da rede municipal (1º ao 5º ano) progrediram no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mede a qualidade do aprendizado no país, alcançando 5,8 pontos. Mas o desempenho dos alunos do fundamental 2 (6º ao 9º ano) caiu para 4,3, um ponto abaixo da meta fixada pela gestão anterior, de Fernando Haddad (PT).

Para a dirigente da Todos pela Educação, a meta de 6,5 para o fundamental 1 “é factível”, mas a meta para o fundamental 2 “é bem desafiadora”. “O fundamental 2 não tem tido muito sucesso no Brasil como um todo. Precisamos de um novo modelo de gestão para alcançar essa meta.”

CEU São Mateus, na zona leste de São Paulo Imagem: Junior Lago/UOL

CEUs e alfabetização

Quanto aos CEUs (Centros Educacionais Unificados), a prefeitura estabelece que todos os 46 estabelecimentos serão “transformados em polos de inovação em tecnologias educacionais e práticas pedagógicas”. A executiva do Todos pela Educação é reticente: “A ênfase foi exagerada em tecnologia. Os CEUs são muito mais do que isso, eles são o centro da comunidade”.

Em relação à alfabetização, a prefeitura estipula como meta “95% dos alunos com, no mínimo, nível de proficiência básico na Prova Brasil, nos anos iniciais e finais do ensino fundamental”.

A Prova Brasil compõe a nota final do Ideb e é aplicada em alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental, com questões de língua portuguesa (foco em leitura) e matemática (foco em resolução de problemas). Para Cruz, não ficou claro qual será o parâmetro utilizado pela gestão paulistana para aferir se um aluno saberá de fato ler. “É muito diferente ser alfabetizado de ser plenamente alfabetizado”, pondera. “Poderiam ter definido melhor o que a prefeitura entende por alfabetização.”

E os professores?

Cruz diz ter sentido falta de uma meta clara para o professor, especificando o que a prefeitura projeta e quer para o corpo docente da rede em termos de salário, carreira, formação e condições de trabalho. “É como se a educação existisse sem o professor”, aponta. “Não se tem rede de qualidade sem professor de qualidade.”

Para ela, também falta no plano um direcionamento claro para a articulação com secretarias como as de Cultura, Saúde, Assistência Social e Esporte. “Não é só trabalhar a meta de forma isolada.”

Saúde

A prefeitura estabelece metas como “aumentar a cobertura da atenção primária à saúde para 70% na cidade de São Paulo”, “reduzir em 5% a taxa de mortalidade precoce por doenças crônicas não transmissíveis selecionadas”, “certificar 75% dos estabelecimentos municipais de saúde conforme critérios de qualidade, humanização e segurança do paciente” e “diminuir a taxa de mortalidade infantil em 5%, priorizando regiões com as maiores taxas”.

“O plano encerra diretivas importantes para o fortalecimento do sistema de saúde e parece sensível às necessidades técnicas e políticas da rede municipal. Metas como ampliação do acesso à porta de entrada do sistema --a Atenção Primária à Saúde-- são relevantes. A atenção às doenças crônicas não transmissíveis é, com limitações, um norte razoável para se pensar a revisão da rede municipal”, diz Stephan Sperling, tutor do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade da FMUSP.

Sperling adverte, porém, que a prevenção, isoladamente, não será “responsável pela superação das inúmeras iniquidades e contradições presentes no cuidado das pessoas”. Ele considera “extremamente negativa a possibilidade de formação de equipes de Atenção Primária por especialistas (como pediatras e ginecologistas)”. “O profissional formado e especializado para atender às demandas da Atenção Primária à Saúde e, assim, atuar como guardião da porta de entrada do sistema é o generalista ou médico de família e comunidade.”

E o setor privado?

Defensor do sistema público e gratuito, o médico vê com apreensão a falta de previsão da participação do setor privado em um momento de crise econômica. “Um gestor não pode ignorar e deixar de prever a participação do setor privado na assistência e a necessidade de regulação de sua atuação.” Para ele, as metas deveriam apresentar as justificativas técnicas para as parcerias com a iniciativa privada e projetar as ações dela.

Sperling avalia que o plano carece de propostas de gestão descentralizada e regionalizada. Além disso, ele diz que o plano não indica novas formas de repensar a integração com a rede estadual, administrada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), padrinho político do prefeito.

Ele também demonstra preocupação com a ausência de referência à consolidação da integração da rede com as universidades. “Não há nenhuma meta, igualmente, dialogando com as contradições a que as trabalhadoras e os trabalhadores de saúde estão sujeitos em seus locais de trabalho e sob os diversos regimes contratuais a que estão impostos. O plano não aborda o cuidado com os trabalhadores, expostos a situações de violência institucionalizada ou a assédios em seus processos de trabalho.”

Desenvolvimento urbano

Na área de desenvolvimento urbano, o plano coloca metas como “reduzir o índice de mortes no trânsito para valor igual ou inferior a 6 a cada 100 mil habitantes/ano”, “aumentar em 10% a participação da mobilidade ativa” e “aumentar em 7% o uso do transporte público”.

“São todas metas de bom senso e que já estão na pauta da cidade, mas a lista não traz algumas questões contundentes de que a cidade vem precisando há algum tempo”, afirma Valter Caldana, professor do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Mackenzie e membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas.

Minhocão, em dia que fica fechado para carros e abre só para o lazer Imagem: Rafael Roncato/UOL
Caldana entende que a prefeitura falha ao não colocar a descentralização administrativa como meta e diz que a falta de menção a investimentos em novos parques é uma “ausência importante”.

O professor do Mackenzie também vê com preocupação a meta de “valorização do Centro da cidade de São Paulo, com a implantação de projetos de requalificação urbana”. Para ele, a meta não contempla mudanças de que o Centro necessita.

“Isso tem sido feito nos últimos 20 anos, mas falar em valorização sem falar em retirar o Minhocão e os três terminais de ônibus (Parque Dom Pedro, Bandeira e Princesa Isabel) do Centro é postergar a adoção de soluções estruturais para a região e manter soluções paliativas. Os terminais de ônibus são entraves, barreiras muito fortes.”

Metas diferentes em habitação

Em relação à habitação, a prefeitura fala em entregar 25 mil casas se contar com verbas dos governos estadual e federal e reduz a meta para 6.600 caso conte apenas com recursos próprios. O beneficiado poderia comprar o imóvel ou ter acesso a ele por um programa de locação social.

A colocação de metas diferentes de acordo com a disponibilidade de verbas também acontece em relação à intervenção em assentamentos precários, como as favelas. A prefeitura promete beneficiar 27,5 mil famílias se contar com investimentos estaduais e federais e baixa a meta para 14,1 mil se tiver somente verbas próprias.

“As questões ligadas à habitação continuam dependentes de financiamento externo. Isso fragiliza a política habitacional do município”, diz Caldana. “O lado positivo é a locação social ser colocada em pé de igualdade com a aquisição de imóveis. A prefeitura reconhece a locação social como mecanismo de agilização de atendimento do deficit habitacional.”

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