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Vídeo com som de tiroteios no Alemão viraliza e expõe rotina de guerra no Rio

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

04/05/2017 04h00

“Eu acho que é da Síria”, responde um. “Afeganistão?”, pergunta outro. Pessoas entrevistadas no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, ouvem, em fones de ouvidos, sons de tiros, rajadas de metralhadores e explosões. Elas tentam adivinhar de qual “guerra” vêm aqueles sons.

O áudio tem um minuto e meio, mas não foi gravado em confrontos no Oriente Médio. Foi captado por moradores no último dia 27 no Complexo do Alemão e mostrado aos entrevistados, o que rendeu o vídeo “O Som da Guerra”, produzido pelo jornal "Voz da Comunidade", que atua há 11 anos no complexo de favelas na zona norte carioca.

Em cerca de 24 horas, o trabalho, publicado em uma rede social do jornal, alcançou aproximadamente 700 visualizações. Um dos autores, o cinegrafista e jornalista Betinho Casas Novas, afirmou que a ideia era mostrar qual sensação se tem enquanto se ouvem os tiroteios.

“Estamos sofrendo um onda de violência nos últimos dias. Até a sexta-feira [passada], foram 12 horas de tiroteios por duas semanas, sem parar. Foram cinco mortos e três policiais feridos. Resolvemos fazer vídeo para impactar as pessoas”, afirmou o jornalista, que atribuiu o volume de tiroteios à instalação de uma torre blindada na UPP Nova Brasília, uma das comunidades do complexo.

“Fizeram a instalação sem planejamento, sem inteligência, sempre em horário escolar, quando as pessoas estavam indo e vindo. Tinham que entrar com caminhões, guindastes e para isso faziam uma operação militar”, contou.

Nos últimos dias, a situação na região está “mais calma”, diz Casas Novas, apenas com “tiroteios rasos”, que acontecem espaçadamente, ao longo do dia, sem tanta intensidade. “Tem uma pausa, aí acontecem uns tiroteios. Hoje mesmo [dia 3] foram dois”, afirmou o cinegrafista.

Alemão - Júlio César Guimarães/UOL - Júlio César Guimarães/UOL
Vista do Complexo do Alemão, no Rio
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL
A rotina de tiroteios vem crescendo desde 2013, relata ele, o que obriga a comunidade a mudar a rotina. “Criamos novos hábitos, costumes novos de sobrevivência. Checamos em redes sociais onde há troca de tiros, evitamos sair da comunidade e voltar tarde. Não dá para ir em festa, fazer uma social”, afirma Casas Novas, morador da comunidade Alvorada.

"Aquele samba no bar, aquela atividade cultural, crianças na laje, não há mais. Aquela imagem de crianças felizes sorrindo vista na época da pacificação não existe mais", acrescenta.

Essas populações [das favelas] estão tendo que conviver com um nível de violência insuportável que é pior que um país em guerra

Julita Lemgruber, socióloga

Reações de tristeza

Quando os entrevistados no vídeo são informados que os sons de disparos são no Complexo do Alemão as reações são de surpresa e demonstrações de tristeza.

“Imagina você estar ‘de boa’ jantando com seus filhos e, do nada, todo mundo indo para o chão. Deve ser bizarro”, comenta uma das entrevistadas.

A reação das pessoas abordadas também chocou Casas Novas. “Ficamos surpresos que nossa realidade não chega até lá [a zona sul]. Por que não está chegando? Estamos calados? Ninguém está vendo, por isso queremos continuar repercutindo o vídeo”, disse o jornalista.

Para a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, a escalada da violência como a observada no Complexo do Alemão e a demonstrada por criminosos na última terça-feira (2), em que incendiaram nove ônibus e tentaram tomar a comunidade da Cidade Alta, indica que o Rio pode voltar a atingir patamares de criminalidade dos anos 1990.

“É o fracasso da política da UPPs. O tráfico se fortaleceu e está mostrando que tem envergadura. Paralisaram grande parte da cidade [na terça]. Há uma falta de articulação na segurança pública do Rio, que por um lado faz incursões quase diárias em favelas, mas, com o crescimento da disputa entre as facções, crescem tiroteios. Essas populações estão tendo que conviver com um nível de violência insuportável que é pior que um país em guerra", afirmou.