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"Quero seguir em frente", diz jovem da Fundação Casa aprovada no vestibular

Internas e mães da Fundação Casa, unidade Chiquinha Gonzaga - PAMI - UOL - UOL
O Pami (Programa Materno Infantil) é um alojamento separado dos demais e abriga apenas mães e seus bebês
Imagem: UOL

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

07/05/2017 04h00

Maria, 17, quer ser professora de línguas. Regina, 21, comemora a aprovação no vestibular. Audrey, 18, está decidida a estudar design gráfico. Já Cristina, 17, e Ana, 19, encontraram no universo da estética uma boa área para estudar e entrar logo no mercado de trabalho.

Os sonhos e expectativas das jovens se assemelham aos de tantas outras, mas existe um obstáculo que as une: elas vivem na Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, antiga Febem) e não sabem ao certo quando estarão em liberdade para seguir seus objetivos.

Muitas delas chegaram à Fundação antes mesmo de terem concluído o ensino médio. Foi na unidade Chiquinha Gonzaga, localizada na região leste de São Paulo, que parecem ter feito as pazes com a sala de aula diante de novas perspectivas construídas com o dia a dia do centro de internação.

Regina é a mais velha no grupo, mas é a mais nova de tempo de internação. Interna da Fundação Casa há oito meses, a jovem é firme ao dizer que com a perspectiva de fazer faculdade quer deixar para trás os erros do passado.

“Acho que a educação em si abre novos horizontes e estando aqui dentro abre novos horizontes para mim porque se antes eu não acreditava mais, agora eu acredito. Antes de tudo, eu tive que fazer isso por mim mesma”, afirmou.

No final do ano passado, Regina recebeu a notícia de que havia passado no vestibular de pedagogia de uma universidade particular. E o melhor: com duas bolsas, uma do Prouni e outra oferecida pela própria instituição. “Escolhi fazer pedagogia e não vou pagar nada”, comentou.

A alegria e a satisfação da jovem pareciam não caber em seu rosto. O desejo de dar orgulho para a mãe e a avó foi o que motivou seus estudos durante a internação, com direito a simulados e provas dos vestibulares anteriores oferecidos pelas professoras da unidade.

As aulas estão previstas para começar no meio do ano e ela acredita que será liberada ainda neste mês. Para ajudar nos custos que terá com a graduação, Regina pretende trabalhar como cabeleireira, prática que aprendeu no curso profissionalizante oferecido pela unidade. “Quero trabalhar para comprar os livros, comer um lanche, tirar minha carta, ter uma vida estável, viajar bastante”, explica.

Segundo a Fundação Casa, duas adolescentes foram aprovadas no vestibular entre o final do ano passado e o início de 2017, ela na Chiquinha Gonzaga e outra jovem na Casa Feminina Parada de Taipas, zona noroeste de São Paulo. As duas aprovações foram no curso de pedagogia.

Outra jovem que pretende aproveitar o aprendizado no curso feito durante a internação é Cristina, que mora na unidade há dois anos e um mês. Para ela, os seis meses do curso foram de novas descobertas.

Antes eu não sabia o que eu gostava de fazer, não me conhecia em relação à profissão. Agora quero dar continuidade lá fora, fazer uma faculdade de estética, montar meu salão”

Cristina*, interna da Fundação Casa

“Meu sonho é fazer um curso de estética, trabalhar e dar o exemplo para que meu filho não cometa os mesmos erros que eu”, afirmou Cristina. A jovem é mãe do Pedro*, de 2 anos, e chegou grávida à Fundação. O pequeno nunca conheceu uma rotina fora do centro de internação. Desde que nasceu, só sai do local para ir ao médico.

Mães e filhos durante atividade no PAMI (Programa Materno Infantil) na Fundação Casa - UOL - UOL
Mães e filhos durante atividade cultural na Fundação Casa
Imagem: UOL

“O Pedro ter vindo na minha vida foi uma bênção. Não vou dizer que ele me mudou completamente porque vou estar mentindo, mas os meus pensamentos hoje se referem a ele. Se eu não tivesse um filho, eu não ia estar nem aí com nada. Às vezes, eu me encontro desmotivada e o que me dá motivação assim é ele”, disse. 

Ana é outra jovem que pretende trabalhar como cabeleireira assim que sair da Fundação Casa. Mas o emprego será temporário, segundo ela. O objetivo mesmo é juntar dinheiro para cuidar da filha de um ano e sete meses, que também teve durante a internação, e poder pagar uma faculdade de psicologia.

“Fiz o curso de cabeleireiro e gostei muito. Aprendi o corte, hidratação, colorir o cabelo. Foi muito legal. Estou muito ansiosa para ir embora. Vida nova, fazer outras coisas diferentes na minha vida. Quero mostrar para ela [filha] que o que eu passei aqui dentro foi muito difícil para mim”, afirmou Ana. Ela é interna da unidade há dois anos e três meses.

Já a realização dos sonhos de Audrey caminha para o lado das artes. Foi na Fundação Casa que ela diz ter descoberto o gosto e o talento pelos desenhos.

Quero seguir carreira nisso, fazer design gráfico, desenhar uma série, um filme”

Audrey, interna da Fundação Casa

Apesar do desejo de trabalhar como designer, Audrey é bem prática. Ela considera que a área não é valorizada e, por isso, vai fazer um curso de radiologia para poder entrar logo no mercado de trabalho e ter mais tempo para cuidar de sua filha, de um ano e dez meses. Depois que conseguir juntar dinheiro, pretende retomar o antigo sonho.

“Se tenho medo? Tenho dúvidas porque não me imagino sair desse portão para fora. Acho que vai ser estranho pisar lá na rua. Mas medo não porque eu tenho minha família e minha família é minha base."

Agora estando aqui, de tudo que eu passei, eu não quero mais ter uma situação dessa na minha vida, quero seguir em frente”

Regina, interna da Fundação Casa

Mães e filhos privados de liberdade

Das cinco internas entrevistadas pela reportagem, quatro oscilam entre as angústias pessoais e a força que seus filhos trazem para aguentar a sonhada liberdade. Segundo elas, o fato de serem mães na adolescência não é mais complicado do que ter a consciência de que seus filhos nunca tiveram a oportunidade de viver fora das grades do centro de internação.

Ricarda Maria de Jesus, psicóloga do Pami (Programa Materno Infantil) na unidade, explica que manter os bebês com as mães do nascimento até o fim da internação ajuda na criação e/ou fortalecimento do vínculo materno das jovens com seus filhos. A prática, segundo ela, contribui diretamente no processo de ressocialização das adolescentes.

“Elas criam vínculos e acabam repensando suas escolhas na vida”, explica.

O Pami é um alojamento separado dos demais da unidade e abriga apenas mães e crianças. Atualmente, há dez bebês e duas gestantes. O centro Chiquinha Gonzaga ainda abriga quatro gestantes, que aguardam completar oito meses de gravidez para serem transferidas para o Pami.

Para a jovem Maria, a gravidez durante a internação “foi tranquila”, principalmente por conta da ajuda da mãe, que a visitava e tentava acalmá-la. Além disso, ela conta que todas as funcionárias do local sempre a ajudaram desde que o Gabriel* nasceu. 

“É um ambiente tranquilo. A gente se ajuda. Quantas vezes eu já não ajudei bebês recém-nascidos aqui com cólica? Acaba criando esse vínculo, meio de família”, contou.

A longo prazo, Maria tem o desejo de se formar, trabalhar e ter sua independência. A curto prazo o objetivo é apenas um: comorar o aniversário do filho-- celebrado no meio deste ano-- na casa da família.

“Hoje minha meta é o Gabriel fazer dois anos em casa, fazer a festa dele com a família. Só isso. Agora é importante ele criar um vínculo com a minha família, conhecer meu pai, meus irmãos”, ressaltou.

*Os nomes das jovens e das crianças foram alterados.