Começa hoje o julgamento de PMs e guarda acusados da maior chacina de SP
Previsto para durar entre sete e 12 dias, começa às 13h desta segunda-feira (18), no Fórum Criminal de Osasco, o julgamento de três dos quatro acusados pelo MP (Ministério Público) de terem participação em 17 assassinatos e em sete tentativas de homicídio ocorridos no dia 13 de agosto de 2015 em cidades da Grande São Paulo.
Ao todo, 23 pessoas foram mortas em 8 e 13 de agosto daquele ano nas cidades de Osasco, Barueri, Itapevi e Carapicuíba. O episódio ficou marcado como a maior chacina da história democrática de São Paulo.
Segundo a Promotoria e a Polícia Civil, as mortes ocorreram por retaliação às mortes de um policial militar e de um guarda municipal. De acordo com relatório do TJM (Tribunal de Justiça Militar), os acusados integravam uma milícia paramilitar.
No dia 8 de agosto, seis pessoas foram mortas a tiros. No dia 13, outras 17 foram assassinadas, na mesma região.
Ao todo, oito pessoas foram indiciadas por suspeita de envolvimento nos crimes: sete PMs e um guarda civil. Três PMs e o guarda foram presos e são réus. Os outros quatro foram afastados do trabalho operacional. Para o promotor Marcelo Oliveira, o fato de haver quatro presos para 23 mortes atesta que há assassinos ilesos.
Os acusados são os PMs Victor Cristilder Silva dos Santos, 32, Thiago Barbosa Henklain, 30, e Fabrício Emmanuel Eleutério, 32, além do guarda Sérgio Manhanhã, 43. O julgamento de Cristilder será, contudo, em outra data (ainda não marcada), porque ele foi o único a recorrer contra a sentença que os mandou a júri popular.
Os policiais estão detidos no presídio militar Romão Gomes, na zona norte de São Paulo, e o guarda, no 8º DP (Distrito Policial), no Brás.
Contra os quatro acusados, pesam o reconhecimento de Eleutério por um sobrevivente; o suposto reconhecimento de Henklain em imagens em que atiradores assassinam frequentadores de um bar em Barueri; e uma comunicação feita pelo aplicativo WhatsApp entre Cristilder e Manhanhã, antes, no meio e depois dos ataques a tiros.
Segundo a Justiça de SP, 43 pessoas, sendo 31 homens e 12 mulheres, foram relacionadas para depor. Entre elas, policiais militares, civis, guardas civis, sobreviventes, testemunhas, parentes das vítimas e dos acusados. Elia Kinosita Bulman é a juíza responsável pelo julgamento.
"Está todo mundo com medo do julgamento"
Familiares, amigos e vizinhos das vítimas temem retaliação em decorrência do julgamento independentemente de seu resultado.
"Eu estou tensa. Está todo mundo tenso. A informação que está sendo passada na favela, na última semana, é toque de recolher. É só andar acompanhado", afirma Zilda Maria de Paula, 64. Ela é mãe de Fernando Luiz de Paula, morto com um tiro na testa aos 34 anos, enquanto bebia cerveja em um bar de Osasco no dia 8 de agosto.
De acordo com Zilda, que é empregada doméstica, "todo mundo está com medo porque a informação é de que, se eles [acusados] forem absolvidos, vão comemorar aqui [no bairro onde vive e o filho foi morto]. Já se forem condenados, os amigos do batalhão prometem nova matança", diz.
"Imagina você sair e voltar de casa com esse medo de morrer? Depois do filho já ter sido morto --e pela polícia? É assim que estou vivendo", afirma a empregada doméstica. "Será que na Vila Madalena ou nos Jardins [bairros nobres de SP] a população também tem esse medo?", questiona.
Zilda e outra familiar foram chamadas para depor nesta segunda-feira. "Vou falar que não fui testemunha, porque não vi, mas é o depoimento de como ele [Fernando] era, o que eu sei da história", disse. "Já me falaram, do próprio MP, para não criar muita expectativa [do resultado]. Mas alguma coisa deve acontecer", complementou.
"Independentemente de pegarem dez, 20 anos de prisão, meu filho não vai voltar. A falta de um filho, morto pelo Estado, é algo que não quero que ninguém sofra", afirmou.
Acusados se dizem inocentes
Os quatro acusados afirmam que são inocentes. Em cartas entregues à reportagem do jornal "Folha de S.Paulo", publicadas nesta sexta-feira (15), eles dizem que a investigação tem falhas, reforçam a admiração pela corporação e pedem ao júri e a Deus a absolvição.
Fabrício Eleutério afirma que a Justiça, "que tanto defendeu", hoje "comete uma injustiça por um depoimento mentiroso e cheio de dúvidas e contradições. Provo que sou inocente, com diversas provas, entre elas testemunhas, celulares, rastreadores, ligações e filmagens", escreveu. "Com um simples reconhecimento duvidoso dessa pessoa [testemunha], estou preso há dois anos e alguns dias, longe de minha família, noiva, amigos, profissão que tanto amo e tenho orgulho", complementou.
Thiago Henklain disse: "Colaborei com a Corregedoria da Polícia Militar e com a Polícia Civil em todo o momento, mesmo sabendo dos abusos cometidos e das inconstitucionalidades, de direitos não preservados, por parte de autoridades que até então eu confiava. A verdade é que quiseram me transformar em um monstro, em um assassino. A Justiça é feita com base na verdade real e não com ilações, com acusações mentirosas. Desses crimes que me acusam, eu não cometi."
Cristilder, chamado pelos companheiros, segundo o MP, de "boy", disse que foi "acusado e transformado em um criminoso inescrupuloso por meras suposições e uma convicção subjetiva e tendenciosa de delegados e promotores. Como cidadão e policial também ansiava pela prisão e identificação dos criminosos. Mas, em hipótese alguma, imaginei que criariam um culpado e menos ainda que seria eu a vítima de tamanha injustiça."
Já o guarda municipal disse que sua prisão é "ilegal e foi alicerçada com diversas mentiras, que se arrastaram até aqui. Fizeram isso com base em ilações a partir do enterro de um guarda municipal no dia dos crimes e de uma mensagem que troquei com um dos réus presos [um policial militar]."
PMs devem ser demitidos
Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que foi aberto processo de demissão contra seis PMs suspeitos de integrarem a milícia paramilitar, depois de intensa investigação, na qual foram ouvidas cerca de cem pessoas.
"Os inquéritos da Corregedoria da PM e do DHPP foram concluídos com o indiciamento de seis PMs e 1 GCM. Posteriormente, a Promotoria ofereceu a denúncia contra sete indiciados. A Justiça Criminal de Osasco acatou denúncia contra quatro deles --os 3 PMs Fabiano Emmanuel Eleutério, Thiago Barbosa Henklain e Victor Cristilder os Santos, além do GCM Sérgio Manhanhã-- que estão presos e são réus no processo", afirmou a pasta, em nota.
"A juíza rejeitou a denúncia contra os outros, que foram afastados do trabalho operacional", complementou, por meio de nota, a secretaria da Segurança.
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