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Com menos castrações, política de proteção animal de Crivella é alvo de críticas

Cão em abrigo da Suipa, ONG que está proibida de receber novos animais - Leonardo Coelho/UOL
Cão em abrigo da Suipa, ONG que está proibida de receber novos animais Imagem: Leonardo Coelho/UOL

Leonardo Coelho

Colaboração para o UOL, no Rio

09/02/2018 04h00

A política de proteção animal do governo Marcelo Crivella (PRB) é alvo de críticas de protetores e veterinários. O primeiro ano de gestão do prefeito do Rio de Janeiro foi marcado pelo fechamento pela polícia da clínica de seu principal abrigo, pela redução em 27% do total de cirurgias de castração e por falta de equipamentos em postos de atendimento. A Subem (Subsecretaria de Bem-Estar Animal), que alega ser vítima de "perseguição política", ainda dispõe de orçamento menor ante a gestão anterior de Eduardo Paes (MDB).

Atualmente sob o guarda-chuva da Casa Civil, a Subem foi criada sob a estrutura do gabinete de Crivella para substituir a SEPDA (Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais). Seu objetivo principal é “promover o bem estar de todos os animais trabalhando com os pilares: bem estar, educação, castração e adoção.” A pasta pontua também como missão criar políticas públicas permanentes e erradicar o abandono de animais na cidade, que tem uma população canina e felina estimada em quase 670 mil.

Entretanto, segundo informações da própria Subem, houve 28% menos castrações de animais em 2017 na comparação com o ano anterior --redução de cerca de 46 mil esterilizações para 33 mil. O índice de castrações é o mais baixo em nove anos, levando-se em conta evolução divulgada pela administração Paes.

A redução das castrações preocupa especialistas porque essas cirurgias são consideradas fundamentais para diminuir o número de animais abandonados e ajudar a prevenir zoonoses, doenças transmitidas de animais para humanos.

No entanto, para a veterinária Suzane  Rizzo, coordenadora da Subem, os números apresentados pela gestão anterior são duvidosos. “Esses registros da SEPDA não têm comprovação e, por isso, estamos abrindo um inquérito administrativo interno para averiguar a legitimidade dos dados”, afirmou ela, em entrevista ao UOL.

O orçamento disponível para a área também foi reduzido --de R$ 11,4 milhões, em 2016, para R$ 8,2 milhões no ano passado.

Desde dezembro, quatro manifestações organizadas por protetores e veterinários denunciaram o que chamam de sucateamento e abandono da política de proteção animal no município. Um abaixo-assinado virtual, com mais de 4.000 assinaturas, que pede a exoneração de Rizzo também revela insatisfação com a atual gestão.

Um dos gatilhos para os protestos foi a informação, revelada por um funcionário da Subem em reunião na Câmara Municipal do Rio, no dia 5 de dezembro, de que, em agosto, nenhuma castração teria sido realizada. A lista apresentada na ocasião continha as prévias mensais dessas cirurgias em 2017.

A subsecretária justificou a ausência de registros em agosto, dizendo que esse foi um mês complicado financeiramente, coincidindo com o lançamento de um sistema de agendamento online para as castrações, o que dificultou a catalogação dos dados.

"Realmente tivemos um número reduzido de esterilizações. Por isso focamos mais nos machos, que são mais simples de operar”, disse Suzane, pontuando que, também nessa época, houve transição de prestadoras de serviço e o esgotamento do orçamento. O total de castrações daquele mês não foi, contudo, divulgado.

“O prefeito, ao final de setembro, me designou uma verba suplementar sem compensação de R$ 3 milhões porque não era um orçamento que conseguia comportar os contratos que eu tinha naquele momento.”

Para Vinícius Cordeiro, advogado e ex-secretário da SEPDA de Eduardo Paes, a política de proteção animal está vivendo um retrocesso por conta da crise financeira no Rio. “Mas não são apenas os cortes na pasta que explicam essa situação.”

Uma veterinária que já prestou serviços para a Subem por meio da empresa terceirizada Crisec, responsável pela contratação de veterinários e gestão dos postos de atendimento, relatou ao UOL como o orçamento menor afeta o cotidiano dos dez postos de atendimento no município.

“No posto de Bangu [zona oeste] sequer havia autoclave, aparelho que serve para esterilizar material cirúrgico”, disse ela, assinalando que os instrumentos eram desinfetados quimicamente, e por pouco tempo. “O volume de cirurgias era muito alto no meu posto. Às vezes fazíamos mais de 20 cirurgias por dia, o que aumenta o risco de erros. Alguns faziam até mais do que isso.”

Mesmo com o grande volume de atendimentos nos postos, segundo a Subem, o número de atendimentos clínicos também diminuiu, chegando a 14.174 no ano passado, o que configura queda de 17% em relação a 2016.

Outra veterinária que também preferiu não ter a identidade revelada disse ter feito denúncias sobre a situação estrutural dos postos de atendimento, excesso de horas trabalhadas e atraso no salário ao conselho regional da profissão.

Cães - Leonardo Coelho/UOL - Leonardo Coelho/UOL
Os cães Pompom e Fofão esperam por adoção em um lar temporário na Tijuca
Imagem: Leonardo Coelho/UOL

Prefeitura rebate denúncia de nepotismo

Outra denúncia feita nos protestos contra a pasta foi a de que teriam acontecido indicações de familiares de assessores para cargos comissionados.

De acordo com manifestantes, Alexandre Cordeiro Laurentino e Daiane Rodrigues Batista Oliveira são primo e irmã do assessor nível 2 Tarcísio Andrade de Oliveira.

Segundo consta no Diário Oficial do Município, ambos foram indicados nos dias 2 e 20 de outubro para o cargo de assessor nível 1. Alguns dias antes, no final de setembro, Tarcísio foi nomeado tanto como novo ordenador das finanças como substituto legal de Suzane Rizzo para faltas eventuais.

Uma fonte da Subem disse ao UOL que o suposto loteamento já vinha sendo denunciado à prefeitura desde outubro passado, mas até agora sem resultado. Outra funcionária relatou à reportagem que é notório que os indicados são parentes do assessor Tarcísio. “A atual subsecretaria deu total poderes para ele.”

Segundo Suzane, a denúncia de nepotismo é falsa no caso do assessor Alexandre. Ela admite, contudo, que Daiane é meia-irmã por parte de pai de Tarcísio. "Mas não há nenhum impedimento quanto a isso [atuação na Subem]”, disse ela, acrescentando que Daiane tem currículo para o cargo, com dupla graduação. A subsecretária também relatou que a Procuradoria do município foi acionada para avaliar a situação e deu aval à contratação.

A assessoria de imprensa informou que as pessoas citadas não comentarão as denúncias.

Para Manoel Peixinho, professor de Direito Administrativo da PUC-Rio, cargos comissionados devem ser ocupados por pessoas com qualificação. “Pode até ser que não exista uma ilegalidade presente, mas o direito tem discutido bastante os princípios da moralidade e impessoalidade no serviço público”, disse ele, reforçando que o superior hierárquico de qualquer gabinete precisa fiscalizar os subordinados.

A subsecretária se disse vítima de suposta perseguição política por grupos de protetores. Chamando-os de “indústria do abandono”, Suzane definiu o grupo como uma "máfia dentro do coração da proteção animal voluntária no Rio", acusando-o de venda de vagas para castrações. Denúncia semelhante é feita contra funcionários do gabinete por parte dos protetores.

“Esses ataques vêm dificultando muito nossos programas”, afirmou a gestora da Subem. Ela diz acreditar que possam haver mais animais abandonados nas ruas, mas que isso seria consequência da irresponsabilidade dos opositores à sua gestão.

Prefeitura crê em sabotagem em abrigo

Uma gata pode, em sete anos de período fértil, parir de forma direta e indireta --através de seus filhotes-- cerca 8.000 felinos. O cálculo, feito informalmente pelo veterinário Hélio Pradera, chama a atenção para a importância da castração em animais domésticos, sobretudo em uma cidade como o Rio de Janeiro, que atualmente se vê com abrigos lotados.

A Fazenda Modelo, abrigo de animais da prefeitura em Guaratiba (zona oeste) que deveria ser a referência municipal para acolhimento de animais sem donos, tem sido cada vez mais questionada e até mesmo investigada pela polícia.

Uma ação da DPMA (Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente) no último dia 9 lacrou parcialmente a instituição por conta da presença de produtos vencidos. Até a publicação esta reportagem, o abrigo operava normalmente, mas a clínica do local continuava fechada.

Suzane Rizzo diz acreditar que houve sabotagem às instalações. “Eu afirmo que esses remédios vencidos foram plantados lá. Nós nunca usamos medicamentos vencidos e eu estive lá no dia anterior em vistoria.”

Em resposta ao fechamento da clínica, a subsecretária disse que foi até o governador Luiz Fernando Pezão (MDB) no dia 10 de janeiro em busca de aconselhamento para investigar o suposto ato de subversão. Pezão teria orientado Suzane a falar diretamente com o chefe da Polícia Civil, Carlos Leba.

A assessoria de Pezão confirmou a orientação e a indicação para que ela procurasse a polícia. A Polícia Civil afirmou apenas que as investigações estão em curso.

Para Marcelo Mattos, presidente da Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais) --ONG mantida por doações no bairro do Jacaré (zona norte)--, o quadro atual de proteção animal na cidade é delicado. Atualmente, a instituição, que é referência na cidade, está impedida por força de ação civil pública de receber novos animais além dos 5.000 por ela já tutelados.

“A verdade é que não tem mais onde enfiar bicho”, diz Hélio Pradera que, há mais de 40 anos na área, denuncia o que chama de falta crônica de políticas preventivas.

Um exemplo desse descaso é o aumento de 400% dos casos esporotricose no município desde 2015. Essa zoonose, que passa do gato para seres humanos, nasce a partir do descontrole populacional, quando gatos sem dono se espalham e, ao ar livre, começam a arranhar cascas das árvores que contêm o fungo que transmite a doença.

Para o especialista, a superpopulação da Suipa, que muitas vezes advém do abandono, poderia ser minimizada a partir de castrações e feiras de adoção que, segundo ele, não têm acontecido com a frequência necessária. Em nota, a Subem afirmou que fez 746 adoções em 2017, 37 a menos do que no ano anterior.

A protetora Rosana Guerra, que há anos trabalha na área da Fazenda Modelo, afirmou que é comum que ela e colegas resgatem animais da própria fazenda para levá-los a clínicas particulares para tratamento e posterior adoção.

No último ano, Rosana contabilizou mais de 200 animais retirados do local e tratados, sempre às suas custas. “Eu não tenho problema em fazer o que eu faço e arcar com isso, mas é preciso ter algum apoio da prefeitura.”

Lares temporários

Uma solução que tem se mostrado eficaz, deixando de lado a briga política, são os chamados lares temporários.

Segundo Jennifer Melo, 19, protetora da Baixada Fluminense, a ideia é usar as redes sociais para encontrar pessoas dispostas a doar sua casa e tempo de forma provisória. “Nesse período, a pessoa pode ajudar a pagar o tratamento do animal até que ele esteja pronto para adoção.”

É exatamente isso que fez Rita Paschoal, moradora da Tijuca, bairro da zona norte carioca. Há pouco mais de seis meses um casal que precisou fugir da comunidade do Turano após ter sido expulso por traficantes deixou os filhotes de vira-lata com ela. Hoje, os já nomeados Pompom e Fofão têm casa, comida e pelo lavado, e esperam para serem adotados.

No início do ano, tradicionalmente, cresce o número de abandonos --a capital fluminense registra em média aumento de 40%, segundo a Subem.

“Quando descobrem que você é defensora começa a aparecer bicho na sua casa”, disse a protetora Patrícia Guerra, 32, moradora da zona oeste. “Uma vez vi que tinha um pacote no meu jardim. Dentro dele tinham vários filhotes de gato. Jogaram por cima da minha cerca”, relata.

Hélio Pradera chama atenção para o compromisso assumido por quem adota um animal."Muitas vezes a pessoa adota no dia 25 de dezembro e o abandona no dia 2 de janeiro, quando descobre que o filhotinho que ele adotou é um animal, que faz sujeira e precisa ser educado”, lamenta.