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Doria mantém comandante da PM e põe especialista em PCC para chefiar Civil

07.fev.2013 - Delegado Ruy Ferraz Fontes, enquanto titular do 27º DP, no Campo Belo - Marco Ambrosio/Frame/Folhapress
07.fev.2013 - Delegado Ruy Ferraz Fontes, enquanto titular do 27º DP, no Campo Belo Imagem: Marco Ambrosio/Frame/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

30/11/2018 12h32Atualizada em 30/11/2018 12h51

O governador eleito de São Paulo João Doria (PSDB) anunciou nesta sexta-feira (30) o atual diretor do Denarc (Delegacia de Narcóticos), Ruy Ferraz Fontes, como delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo a partir de 1º de janeiro. O futuro governador também criou o posto de "secretário-executivo da Polícia Civil", que ficará a cargo do ex-delegado-geral, Youssef Abou Chain.

Além disso, o comandante Marcelo Vieira Salles, que teve o trabalho considerado "positivo" desde que assumiu a tropa, em abril deste ano, foi mantido no posto.

Ruy Ferraz Fontes era, no início dos anos 2000, um dos principais delegados do estado no combate à facção PCC (Primeiro Comando da Capital), que havia surgido sete anos antes. Ele comandou a delegacia de Roubo a Bancos do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) e foi responsável por investigar e determinar prisões de importantes líderes do crime organizado.

Para o professor de gestão pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, a indicação aponta que o governo paulista deve priorizar, no ano que vem, o combate ao PCC. "A questão é saber até que ponto o governo terá o interesse em realizar um enfrentamento mais efetivo ao crime organizado", analisou. 

Também foi oficializado o nome do deputado estadual Coronel Alvaro Batista Camilo (PSD), do partido do ministro Gilberto Kassab (futuro secretário da Casa Civil de Doria), como "secretário-executivo da Polícia Militar". 

Para Alcadipani, Doria também acertou ao manter o coronel Salles à frente da PM. “Está fazendo um bom trabalho e a sua manutenção no cargo a despeito da campanha eleitoral mostrou maturidade por parte de Doria”, disse.

Apesar de o comandante da PM ter criticado o posicionamento do governador eleito --que afirmou que a partir de janeiro a polícia vai “atirar para matar”, contrariando determinação interna da PM--, a reportagem apurou que pesou para a manutenção de seu nome no posto o posicionamento do futuro secretário da Segurança, general Campos

Amigo do atual governador Márcio França (PSB), Salles afirma ser “técnico” e “defensor dos direitos humanos de todos”. Uma de suas principais bandeiras é a redução da letalidade policial e também da morte de policiais —80% dos policiais mortos são vitimados em São Paulo durante a folga, segundo dados estatísticos da SSP.

Do Deic para delegacia da periferia: quem é o novo chefe da Polícia Civil

01.out.2003 - Ruy Ferraz Fontes, no Deic, era um dos principais delegados contra o PCC - Juca Varella/Folha Imagem - Juca Varella/Folha Imagem
01.out.2003 - Ruy Ferraz Fontes, no Deic, era um dos principais delegados contra o PCC
Imagem: Juca Varella/Folha Imagem

Em 2010, o futuro delegado-geral teve divergências com o então secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto, que, recentemente, chegou a classificar Ruy Ferraz Fontes como seu desafeto. Naquele ano, chamou a atenção o fato de um delegado, até então considerado um dos mais combativos do estado, ser transferido ao 69º DP (Distrito Policial), em Teontônio Vilela, na zona leste da capital.

O bairro era considerado como um dos mais perigosos da capital na época, com índices altos de criminalidade e com suspeitas de que o PCC mantinha diversas bases estruturais. A reportagem apurou com policiais próximos a Ferraz que ele chegou a "ter medo de morrer". Em 2014, afirmou ao MP (Ministério Público) que soube, através de uma advogada de membros do PCC, que a facção pagava propina a autoridades do sistema penitenciário.

Segundo seu depoimento, ao ter informado o caso a dirigentes da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), ele sofreu represálias internas de Ferreira Pinto, que o afastou do Deic e o enviou para o 69º DP. O caso teve trechos revelados no livro "A Guerra, a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", lançado neste ano pelos pesquisadores Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias.

Além da transferência para zona leste, Ferraz teve de lidar com um processo administrativo, em que foi acusado de fazer investigações paralelas, fora de sua jurisdição. O processo foi arquivado, mas, ao vir à tona, a investigação lhe causou a perda do emprego de professor de Direito em uma faculdade privada de São Paulo.

A desembargadora Ivana David, da 4ª Câmara da Justiça de São Paulo, foi juíza corregedora por 10 anos. Ao todo, atua contra o crime organizado há mais de 20 anos, e acompanhou de perto as investigações, o crescimento e as prisões de integrantes da cúpula do PCC. À reportagem, ela afirmou que Ferraz tem "profundo conhecimento sobre a facção criminosa".

"Ele investigou e prendeu muitos membros da cúpula do PCC. Eu, como juíza, deferi várias cautelares e prisões temporárias depois de investigações dele. É um bom nome", afirmou a desembargadora, que esteve ameaçada de morte, no início dos anos 2000, e que teve o auxílio de Ferraz em sua proteção.

"Na investigação dele, encontrou ma lista de pessoas que estariam no foco do PCC para serem assassinadas. O juiz Machadinho, da Vara de Execução, morreu com um tiro no rosto. E eu era uma das pessoas que estava nessa lista. E comecei a receber telefonemas de que iam me matar, passar na porta da minha casa e metralhar. Ele passou a monitorar e cuidar da minha segurança física, inclusive pessoalmente, nessa fase difícil", disse.

O que os policiais dizem sobre Ferraz Fontes

Dois delegados da cúpula da Polícia Civil dizem, sob a condição de anonimato, que a nomeação do delegado é positiva à corporação. Um deles chegou a dizer que não queria seu nome publicado para não soar como "puxação de saco". Eles reforçam o entendimento de Ferraz sobre o crime organizado.

Para policiais da bancada da bala, como o deputado estadual Delegado Olim (PP) e o senador eleito Major Olimpio (PSL), o nome também é avaliado como positivo. "Será bom porque ele é 'cana dura'. Em 2006, peitou o PCC e o Marcola [apontado por investigações como o chefe da facção criminosa]", afirmou o presidente do PSL em São Paulo.

O Delegado Olim afirmou que não foi consultado nem informado, apesar de ter apoiado Doria na disputa eleitoral, mas que tinha a confirmado os nomes diretamente com o delegado Ruy Ferraz. "O Ruy fez um trabalho na Cracolândia com o João Doria quando prefeito. Deixou uma boa impressão. O próprio governador me comentou na época", afirmou o deputado estadual, que foi reeleito este ano.

Já sobre a nomeação de Youssef para secretário-executivo, Olim tem críticas. "Já foi tudo, inclusive delegado-geral. E deixou a polícia nessa bancarrota que está hoje. Isso tudo se deve à péssima administração do mesmo. Acho que o Márcio França que ganhou a eleição, [porque] serão os mesmos [nomes de sempre]. Coitada da Polícia Civil", disse à reportagem.