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Inspirada na Lava Jato, PF quer delação para combater grandes traficantes

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

28/02/2019 04h00

"Siga o dinheiro." A frase que ficou famosa no filme "Todos os Homens do Presidente" é mais perfeita síntese da nova filosofia de trabalho da área responsável pelo combate ao tráfico de drogas na Polícia Federal.

Se antes o foco era apreender a droga, agora será sufocar as facções onde, em tese, dói mais: no bolso. A inspiração, diz o coordenador-geral de Repressão a Entorpecentes e Crime Organizado da PF, Elvis Secco, é a Operação Lava Jato. 

"A apreensão de drogas por si só não retira o poder da organização criminosa", diz. "Se você não desarticular [as quadrilhas] financeiramente [...], é como se você estivesse enxugando gelo."

Ele disse em entrevista ao UOL que o foco das ações de combate às facções criminosas serão as estruturas econômico-financeiras delas.

Secco é um "veterano" das ações que tentam enfraquecer o narcotráfico sufocando a estrutura financeira. Ele foi um dos principais responsáveis pela prisão de um dos maiores traficantes da América do Sul, Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca, em 2017. Suas investigações descobriram que o tráfico vem utilizando um esquema de lavagem de dinheiro semelhante ao usado por políticos corruptos com a ação --que envolvem, inclusive, doleiros em comum.

No comando direto da área responsável pelo combate ao tráfico de entorpecentes, Secco quer usar mais um dos dispositivos popularizados pela Operação Lava Jato: as delações premiadas. Para isso, vai ter que driblar o temor de traficantes e membros dessas organizações de morrer após revelar os segredos do crime.

Confira os principais trechos da entrevista:

UOL - Por que as apreensões de drogas vão deixar de ser o foco do combate ao narcotráfico?

Elvis Secco - A apreensão de drogas por si só não retira o poder da organização criminosa. Porque toda a criminalidade organizada infringe a lei e trafica com um único objetivo: enriquecer. E esse patrimônio não é colocado no nome do traficante ou no nome dos parentes mais próximos. Na maioria dos casos, eles colocam nos nomes de interpostas pessoas. Quando você foca na desarticulação financeira e conta com organismos como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), quebra de sigilo bancário e fiscal, e você identifica patrimônio ligado a esses traficantes, você consegue captar uma grande rede a serviço do crime organizado. Algo que você não faria se estivesse somente focado na apreensão da droga.

Se você não desarticular financeiramente para que ela não volte a se capitalizar e a comprar e fornecer essa droga para traficantes internos e internacionais, é como se você estivesse enxugando gelo.

Essa nova filosofia de trabalho foi inspirada na Operação Lava Jato?

Exatamente isso. Não há distinção entre fazer uma investigação de lavagem de dinheiro financeira com o crime antecedente sendo tráfico de drogas ou sendo corrupção e desvio de verba pública. Esse é o nosso foco. Todo crime antecedente que tiver lavagem de dinheiro vai ser investigado no modelo da Lava Jato.

O que é parecido e o que é diferente na adaptação dessa filosofia ao combate ao narcotráfico?

Os meios tecnológicos são os mesmos. A parte de análise financeira por meio das quebras e do Coaf é a mesma. A principal diferença é que a investigação de corrupção e desvio de verba pública demanda menos diligências de campo que uma investigação de tráfico de drogas. Muitas vezes, se a organização é muito poderosa, até você chegar ao líder é muito complicado. E o objetivo dessas investigações que desarticulam o patrimônio é justamente esse. A questão é desarticular o líder. Se você conseguir desarticular o líder, prendê-lo e localizar o patrimônio, você desarticula aquela organização e para alguma outra tomar o seu lugar, vai demorar.

Mas, mesmo com essa nova estratégia, isso não impede que outra quadrilha ocupe o lugar de uma organização que foi desarticulada financeiramente...

Com certeza o crime não vai ter um 'stop' [parar] com essas ações, mas você o enfraquece. Porque uma organização criminosa não enriquece do dia para noite. Leva anos. E não podemos esquecer é de que uma organização criminosa é uma empresa do crime, ela tem toda uma estrutura, uma hierarquia e uma distribuição de funções. Quando você desarticula uma organização criminosa financeiramente, você tira essa estrutura. Você desmantela a empresa.

Essa inspiração na Lava Jato inclui o uso de delações premiadas?

Estamos trabalhando nisso. É um dos nossos objetivos também partir para a colaboração premiada no âmbito das investigações que envolvem traficantes. E aí nós temos uma dificuldade. O líder de uma organização de tráfico, um doleiro ou alguém que trabalha como administrador de uma empresa que atua como lavanderia para o tráfico, embora ele seja preso e condenado a penas altíssimas, há uma série dificuldade em conseguir a delação premiada --não só pelo medo do traficante por sua vida, mas pela vida dos seus familiares. Então a gente encontra uma dificuldade bem grande para isso. Quando você consegue realizar a prisão de um líder de uma organização criminosa, ele prefere cumprir a prisão e passar a vida preso a entregar uma outra organização ou colaborar com a Justiça.

Diante dessa dificuldade, o que a PF está oferecendo em contrapartida?

A nossa legislação não prevê um viés específico para a colaboração relacionada ao narcotráfico. Mas muitas vezes a gente oferece uma coisa similar ao programa de proteção a testemunha. Uma nova identidade, um novo local para viver, proteção aos familiares para que ela possa se sentir hábil a fazer a delação.

Outro fator relevante nesse assunto é que o traficante, muitas vezes, tem envolvimento com crimes violentos, então é impossível fazer uma delação premiada com um traficante e se comprometer com que ele fique preso por apenas um ano ou seis meses e ele saia com uma medida cautelar, uma tornozeleira eletrônica, por exemplo. Ele vai ter que cumprir uma parcela dessa pena. Cinco a seis anos de prisão. E isso é um desestímulo. Ele espera que vai delatar e vai ficar solto num curto espaço de tempo. Isso não vai acontecer porque nenhum magistrado vai homologar uma colaboração nesses termos.

Qual o impacto da transferência dos presos do PCC para presídios federais?

O objetivo que o ministro [da Justiça e Segurança Pública] Sergio Moro teve com essa medida foi eliminar a situação em que o líder da organização criminosa conseguia ainda manter controle das suas atividades mesmo dentro dos presídios. Com o isolamento desses líderes em vários presídios federais espalhados pelo país, temos como certo que houve um enfraquecimento da organização. O que vem daqui para frente é uma situação que não tem como prever. O que temos que fazer é monitorar as atividades da organização criminosa a partir da prisão desses líderes para saber qual vai ser a reação. Estamos fazendo a atuação preventiva e analisando a situação dessas organizações.

O senhor é favorável ao uso de agentes infiltrados no combate ao narcotráfico?

Sim, sou favorável. Assim como temos o exemplo nos Estados Unidos do "undercover agent", no Brasil temos uma previsão na legislação que trata da matéria. É uma maneira inteligente de desarticular uma organização criminosa. Evidentemente, acima de qualquer coisa tem que estar a segurança do policial. A representação do Poder Judiciário tem que ter sigilo absoluto. Nos EUA, só tem conhecimento da infiltração o juiz, o MP e a autoridade policial representante.

O senhor comandou investigações que mostraram o elo entre o tráfico e a política. Quão próximos estão o narcotráfico e a política?

Nós não conseguimos identificar aquele laço direto entre o tráfico e a política. Conseguimos comprovar, sim, foi que os doleiros que fazem a lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas também fazem para a corrupção, para políticos corruptos. No bojo da corrupção, conseguimos comprovar esse link. Muitas vezes, o político que está recebendo a propina não tem conhecimento de que ela tem origem na área do tráfico de drogas. Essa ligação entre o traficante e o político, nós não conseguimos comprovar ainda. Como a investigação ainda tem outras fases, estamos investigando outras possibilidades.

A estratégia de sufocar as facções financeiramente não pode gerar um recrudescimento da guerra entre elas por mais território?

Vou responder com um exemplo. Na cidade de Ponta Porã, que fica na fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai, existia ali uma situação recente de um criminoso que foi preso pela PF. Naquela região, a violência estava imperando. Aconteceram cinco ou seis homicídios num curto espaço de tempo por conta dessa guerra para ter a logística de controlar o ingresso da cocaína em território nacional. Havia toda essa violência e a PF, em menos de seis meses, prendeu o criminoso: o Minotauro [Sérgio de Arruda Quintiliano Neto] foi preso pela PF em menos de seis meses de investigação. Existe essa guerra, mas estamos agindo com rapidez e celeridade.