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Chamada de 'índia paraguaia', jovem mestiça relata ataques após protesto

A jovem miscigenada Lorena Aranha Monteiro dos Santos Curuaia, 19 - Reprodução/Facebook
A jovem miscigenada Lorena Aranha Monteiro dos Santos Curuaia, 19 Imagem: Reprodução/Facebook

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

25/04/2019 20h55

Quando foi protestar na manhã de ontem por melhores condições para a comunidade indígena onde nasceu, em Jericoá, na Volta Grande do Rio Xingu, oeste do Pará, Lorena Santos Curuaia, 19, não imaginava a repercussão que teria o fato. Filha de pai branco e mãe indígena, ela virou alvo de ofensas pela internet.

"Falaram que eu estava me prostituindo, que eu era patricinha, que eu sou uma 'índia paraguaia', que eu queria me aproveitar do momento e queria aparecer. Recebi muitas mensagens pesadas de homens insinuando outras intenções", afirmou ao UOL a estudante de medicina.

Diante da sede da empresa Norte Energia - responsável pela construção da Usina de Belo Monte - ela e outros membros das etnias Xipaia e Curuaia lideraram ontem um protesto na BR-230, em Altamira, por melhores condições na comunidade. Foi lá que o assédio começou.

Me disseram coisas horríveis, do tipo 'que corpo que você tem' ou 'como uma índia tem um bumbum desse?'. Tiraram fotos minhas e espalharam na internet
Lorena Santos relata ameaças que ouviu durante protesto

Ela teme a repercussão que o episódio causou. "Minha família está com medo de que aconteça comigo. Estou sofrendo ataques até agora, não sei nem como lidar com isso", afirmou.

Lorena Aranha - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Lorena diz ter sofrido assédio durante protesto no Pará
Imagem: Reprodução/Facebook
Sua avó, Odete Curuaia, 81, chegou à região em 1952, escapando de perseguições e assassinatos contra indígenas no estado de origem, Mato Grosso. Odete é uma das últimas falantes do idioma Xipaia e Curuaia, de acordo com a neta.

"Quando ela vê a gente lutando pelas causas indígenas ela fica muito feliz. Ela não foi ao protesto e ficou na comunidade porque ela é idosa", disse a estudante.

O objetivo do protesto, diz ela, era bloquear a passagem dos funcionários da Norte Energia na rodovia e chamar a atenção para a situação da comunidade.

"Não temos posto de saúde, não temos escolas - as unidades mais próximas ficam a mais de uma hora de distância. A maior parte das crianças da comunidade não estuda. Somos um povo pacífico e, desde a construção de Belo Monte, nós nunca tínhamos tido uma manifestação maior. Tentamos dialogar com todos os órgãos do estado, mas eles nos deixaram de lado", disse.

Lorena acredita que a enxurrada de assédios e agressões que recebeu tem a ver com o fato de ser miscigenada.

"Acho que por eu ser branca e porque eu ocupei um espaço que teoricamente, na cabeça deles, eu não deveria ocupar. Mas não é isso, nosso protesto foi para garantir nosso direito que é de direito à educação, à saúde, todo mundo tem esse direito! E eu estava reivindicando os direitos da minha comunidade", finalizou.

Batalha pelos estudos

Lorena Curuaia e avó - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lorena Curuaia com a avó, Odete Curuaia
Imagem: Arquivo pessoal
Lorena cursa medicina na Universidade Federal do Pará (UFPA), onde ingressou por meio do sistema de cotas. Recebe uma bolsa de estudos e usa a verba para comprar mantimentos para a comunidade onde nasceu.

Segundo ela, o local não é considerado uma aldeia indígena porque o processo de demarcação das terras está parado nas instâncias federais desde 1989.

Para driblar as dificuldades de estudar na comunidade indígena quando criança, a mãe de Lorena teve de morar com conhecidos e parentes em cidades maiores. Em troca, fazia trabalhos domésticos.

"Minha mãe não queria isso para mim. Eu tinha três anos de idade quando saí da aldeia. É muito difícil para um indígena ir para a cidade. Ela trabalha como professora, eu estudei em escolas públicas e ela sempre me incentivou a estudar. Saí do ensino médio, estudei por um ano e passei no vestibular", contou.

No segundo período de medicina, ela traça planos para o futuro como médica.

"Por aqui ficou bem mais complexo com saída dos [cubanos do programa] Mais Médicos. Então quero atender meu povo", afirmou.