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Na contramão da capital, transporte individual cresce na Grande São Paulo

21.nov.2018 - Trânsito intenso na marginal Pinheiros, em São Paulo, sentido Rodovia Castelo Branco - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Conteúdo
21.nov.2018 - Trânsito intenso na marginal Pinheiros, em São Paulo, sentido Rodovia Castelo Branco Imagem: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

06/07/2019 04h00

Em dez anos, o transporte individual cresceu em praticamente toda a Grande São Paulo e inclusive ultrapassou o coletivo em algumas regiões, segundo mostra a pesquisa Origem e Destino 2017, divulgada nesta semana pelo Metrô paulista.

Para especialistas em mobilidade ouvidos pelo UOL, isso se deu pela combinação de políticas que favoreceram o uso de automóveis e investimento insuficiente em transporte público no entorno da capital paulista. Como resultado, congestionamentos, poluição, perda de tempo. Em resumo, diminuição da qualidade de vida em uma região onde vivem 20,8 milhões de pessoas.

Feita a cada dez anos, a pesquisa divide as 39 cidades da região metropolitana de São Paulo em sete sub-regiões.

5.jul.2019 - Mapa das sub-regiões usadas na pesquisa Origem e Destino 2017 - Reprodução/Pesquisa Origem e Destino 2017 - Reprodução/Pesquisa Origem e Destino 2017
Mapa das sub-regiões usadas na pesquisa Origem e Destino 2017
Imagem: Reprodução/Pesquisa Origem e Destino 2017

Só na sub-região Centro, que representa a capital e onde vivem 11,6 milhões de pessoas (56% da população da área), houve queda no número de viagens individuais. Em três sub-regiões --Sudoeste, Oeste e Leste--, o transporte individual passou a ser majoritário, o que em 2007 ocorria apenas na Sudeste.

Estas quatro últimas sub-regiões, onde ficam o ABC paulista e cidades como Osasco, Barueri, Mogi das Cruzes, Suzano e Taboão da Serra, abrigam 6,9 milhões de pessoas ou praticamente um terço da Grande São Paulo.

Ao mesmo tempo, em quase todas as sub-regiões --a exceção é a Leste--, a maioria das famílias passaram a ter pelo menos um carro particular, o que também não acontecia em 2007.

No período, a frota de carros particulares na região metropolitana avançou 22,8%, chegando a 4,4 milhões de automóveis. O número de carros por mil habitantes saiu de 184 para 212.

No rastro da combinação entre transporte público insuficiente na Grande São Paulo e acesso facilitado a carros e motos, o uso do transporte individual ganhou força entre as populações de renda baixa e intermediária.

A pesquisa Origem e Destino divide os entrevistados em cinco faixas de renda. Na faixa de quem tem renda familiar entre quatro e oito salários mínimos --responsável por 27,8% dos deslocamentos na região metropolitana--, o transporte individual ultrapassou o coletivo.

Os deslocamentos feitos por meio de carros de aplicativos e táxis não têm grande peso no total --representam, somados, só 1,7% do total de 42 milhões de viagens. No entanto, proporcionalmente, tiveram crescimento de 414%, dando outra sinalização da expansão do transporte individual.

Quase 80% das viagens desta categoria foram feitas por meio de aplicativos, algo que simplesmente não existia em 2007. E 75% dos deslocamentos foram feitos pelas populações das três primeiras faixas de renda familiar.

Na pesquisa de 2007, apenas 14% dos deslocamentos de táxi aconteciam fora da capital. Dez anos depois, com os aplicativos, essa fatia chegou a 26%

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Questão de prioridades

Para Ciro Biderman, professor da Eesp/FGV (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), o crescimento da renda até a crise econômica de 2014 e as políticas de redução de impostos para automóveis contribuíram para a expansão do transporte individual. Segundo ele, o fato de os deslocamentos coletivos (15,2 milhões em 2017) terem patamar parecido ao dos individuais (12,9 milhões) não se deve a políticas que privilegiem o transporte público.

"Essa proporção do transporte público parecida com o transporte individual é só porque a gente é pobre. Não é porque a gente está fazendo políticas públicas de transporte consistentes. Bastaria a renda começar a crescer para a gente sentir isso. A solução não é fazer a renda parar de crescer, como aconteceu nos últimos anos, e ninguém está satisfeito com isso. A maneira de encarar isso é uma política pública com grande prioridade ao transporte público", afirma.

Já para Angélica Benatti Alvim, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o avanço do transporte individual no entorno da cidade de São Paulo tem a ver não só com políticas que incentivaram o uso do carro nos últimos anos, como o subsídio ao preço da gasolina, mas também reflete a falta de investimento na estrutura de transporte público nestas regiões --e a solução que os moradores destes lugares encontraram.

"Os aumentos foram em municípios da região metropolitana onde não há investimento na rede de ônibus. Se você divide o uso do carro com outras pessoas, sai praticamente elas por elas, e o transporte público é caro para a população de baixa renda. Há hoje um aumento de profissionais autônomos, e isso faz com que as pessoas não tenham o subsídio do vale-transporte", diz.

A pesquisa Origem e Destino 2017 também mostrou que os empregos sem endereço fixo triplicaram na região metropolitana, passando de 4,1% do total para 12,5%.

Em paralelo, a opção pelo investimento em transporte de massa, como as linhas 4-amarela e 5-lilás do Metrô, aconteceu nas regiões da capital onde estão os empregos e moradores de renda média e alta, diz Alvim.

"Tirar espaço" de carros

Para confrontar a demora e os altos custos da expansão do metrô, Ciro Biderman, da FGV, defende a "decisão política" de tirar espaço dos carros e privilegiar o transporte público. Segundo ele, é possível fazer isso com custo relativamente baixo.

O principal, diz Biderman, é melhorar as condições de outras formas de transporte para que as pessoas passem a utilizá-los, como ciclovias e até mesmo calçadas, para favorecer o deslocamento a pé. No caso de quem trabalha na região central da capital e mora longe, uma solução seria melhorar os trens, com menores intervalos e veículos mais confiáveis, e expandir corredores de ônibus.

"A gente coloca tanto dinheiro no metrô e deixa o trem de lado. Só que a malha de trem é algo em torno de 300 km, a de metrô é cerca de 95 km. Para chegar a esses 95 km, a gente abandonou o trem. Se a gente chegar a ter ônibus autônomo, você pode ter um ônibus muito próximo da qualidade do metrô. Mas tudo isso implica tirar espaço dos carros."

A gente não é refém das necessidades de investimento. Venderam isso para não mexer no statu quo da distribuição desse espaço. O metrô não mexe na distribuição do espaço, então pronto, ele é o favorito. Só que ele não vai acontecer agora e, na minha opinião, talvez não aconteça nunca. Porque a dois quilômetros por ano, você vai levar 100 anos para chegar a uma rede de 200 km
Ciro Biderman, professor da FGV

Para Angélica Benatti Alvim, no atual caminho, o risco é que a próxima pesquisa Origem e Destino, em 2027, revele a total predominância do transporte individual sobre o coletivo. Ela também defende a modernização dos trens e corredores de ônibus na região metropolitana, além de uma melhor integração dos modais e suas tarifas.

A acadêmica do Mackenzie diz ainda que há um "desmonte" do planejamento metropolitano. Em maio, a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) aprovou lei autorizando o governo de João Doria (PSDB) a extinguir a estatal Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano). As atividades passarão a ser feitas pelas secretarias de Governo e Desenvolvimento Regional. O governo paulista também anunciou a construção de um corredor de ônibus para ligar o ABC paulista à linha 2-verde do metrô.

Outro processo necessário, segundo ela, é mudar a "lógica de distribuição das atividades" da região. De acordo com a pesquisa Origem e Destino, apesar do crescimento da quantidade de empregos na Grande São Paulo, o trabalho continua concentrado na capital, onde estão 64% dos postos.

"O ideal seria pensar em uma cidade mais mista, e não dependente de poucas áreas com empregos."